No MS, mulher é resgatada de cárcere privado após pedir ajuda em bilhete

Carta com pedido de socorro feito por uma mulher de 23 anos entregue por filho à diretora da escola municipal de Pouso Alto, distrito de Paraíso das Águas (MS) - Reprodução
Da Revista Cenarium*

CAMPO GRANDE – “Preciso muito de ajuda. Sou vítima de violência doméstica e ontem meu companheiro me agrediu novamente. Meu filho entrou na frente pedindo para ele não me bater, e ele bateu nele também.” O pedido de socorro feito pela mulher em um bilhete levou a polícia a prender na última terça, 27, o companheiro dela, suspeito de mantê-la em cárcere privado em Mato Grosso do Sul.

O bilhete foi entregue pelo filho dela, de dez anos, à diretora da escola municipal de Pouso Alto, distrito de Paraíso das Águas.

O suspeito, um peão de fazenda de 25 anos, foi preso e indiciado por cárcere privado e posse irregular de arma. O advogado dele, Alekssander Cardoso dos Santos, disse que o cliente nega as acusações. Ele vai aguardar a finalização do inquérito para avaliar a estratégia da defesa.

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Carta com pedido de socorro feito por uma mulher de 23 anos entregue por filho à diretora da escola municipal de Pouso Alto, distrito de Paraíso das Águas (MS) – Reprodução

Segundo a diretora da escola, que pediu anonimato, a impressão inicial era de uma carta reclamando de professor, e não que seria um pedido de ajuda.

O menino chegou à escola e entrou na sala de aula às 7h. Cerca de 15 minutos depois pediu permissão à professora para ir até a diretoria.

Ele disse que somente poderia entregar o bilhete para a diretora, que seria ordem da mãe, segundo ela. A diretora lembra que a criança chegou apreensiva, com medo, “com a mãozinha bem fechada”.

Assim que entregou a carta, o garoto voltou à sala de aula e a diretora passou a ler. Ela conta ter ficado chocada, sem palavras, e que, em 25 anos na educação, nunca havia passado por situação semelhante.

Na carta escrita em metade de folha de caderno, a mulher relata, em 15 linhas, o histórico de violência. Diz que foi agredida, que não tem ninguém conhecido no estado e quer ajuda para ir embora.

“Ele ameaça me dar um tiro, por isso, preciso que me ajudem o mais rápido possível”, diz ela, em trecho da carta.

Assustada, a diretora entrou em contato com a Coordenadoria de Políticas Públicas para Mulheres. A partir daí, a rede de proteção foi acionada.

Equipe do Conselho Tutelar de Paraíso das Águas foi até a escola, acompanhada da Polícia Civil de Água Clara.

Isso aconteceu depois que, segundo informações do conselho, foi identificado que o menino mora em fazenda na zona rural no município vizinho. A situação é comum entre as famílias locais, já que a escola mais próxima da região é a do distrito de Pouso Alto.

Na escola, de acordo com a Polícia Civil, o menino confirmou o teor da carta, escrita no domingo.

Contou que o homem é seu padrasto e falou sobre as agressões contra a mãe e de que ele também acabou sendo alvo: estava com lesão no lado esquerdo do rosto e mancha arroxeada perto do olho direito, resultado da tentativa frustrada de defendê-la.

A Lei Maria da Penha estabelece que, após o registro do boletim de ocorrência por violência doméstica, o caso deve ser remetido ao juiz em, no máximo, 48 horas. A Justiça terá outras 48 horas para analisar e julgar a concessão das medidas protetivas de urgência, se for o caso.
A Lei Maria da Penha estabelece que, após o registro do boletim de ocorrência por violência doméstica, o caso deve ser remetido ao juiz em,  Eduardo Anizelli/Folhapress

Os conselheiros e policiais civis foram até a fazenda. Segundo o delegado Johanes Deguti, a equipe encontrou um ambiente limpo e organizado.

A mulher podia circular e cuidar da casa, mas era proibida de ter contato com alguém de fora, sendo limitada ao convívio familiar. A situação de cárcere era favorecida por ficar em área afastada na zona rural. “Ela não tinha acesso ao celular e, quando falava que queria ir embora, o autor a ameaçava de morte”, disse Deguti.

Ela e o peão estavam juntos desde 2017 e tiveram dois filhos, um menino de 3 anos e menina de 1 ano, que estavam com ela na abordagem da polícia.

O homem trabalha na fazenda há cerca de um ano e meio. O delegado acrescentou que a mulher vivia “situação de violência doméstica há muito tempo”, mas não relatou o período ou quando começou.

Na casa, os policiais encontraram espingardas e munições e, por isso, o peão foi autuado por posse irregular de arma de fogo, além de cárcere privado.

A mulher e os três filhos receberam apoio do Conselho Tutelar de Água Clara, que assumiu o caso.

Segundo o conselheiro Rafael de Jesus Gonzaga, na madrugada de quarta-feira, 28, todos foram levados para a casa de familiares dela, no interior de São Paulo.

Mais tarde, naquele dia, o peão passou por audiência de custódia e teve a prisão em flagrante por cárcere privado convertida em preventiva, ou seja, sem tempo para expirar. Por enquanto, permanece em cela de delegacia, mas será transferido para presídio em Três Lagoas ou Bataguassu.

O suspeito se manteve em silêncio durante a audiência de custódia. Na quinta-feira, 29, o advogado entrou com habeas corpus na Justiça, já negado em caráter liminar e, agora, aguarda o julgamento do mérito do pedido.

(*) Com informações da Folhapress

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