‘Pérola do Javari’: Atalaia do Norte tem pior índice de desenvolvimento humano do AM

Praça central de Atalaia do Norte (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – A “Pérola do Javari“, como é conhecido o município de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, há 1.136,73 quilômetros da capital, Manaus, possui o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de todo o Estado, com 0,450, a média nacional é de 0,754, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O IDHM é utilizado para classificar o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos municípios. A REVISTA CENARIUM esteve em Atalaia do Norte, entre os dias 26 e 28 de fevereiro, para acompanhar a visita de uma comitiva do governo federal, e buscou a razão para os dados.

É em Atalaia do Norte que fica localizada a segunda maior reserva indígena do Brasil, o Vale do Javari, que compreende uma parte do município de Guajará e foi cenário do assassinato do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, em junho de 2022.

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Praça central de Atalaia do Norte, no Amazonas (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Com uma população estimada em 20.868 pessoas, segundo o IBGE, apenas 7% possui uma ocupação formal que, na maioria das vezes, envolve funcionalismo público (cargos na prefeitura do município ou na Secretaria Especial de Saúde Indígena), tendo em vista não haver fábricas ou empresas formais no local.

Grande parte das ocupações informais envolvem pesca, caça e comércios de produtos, como, por exemplo, a “banca de gasolina”, que devido à falta de postos, oferece garrafas de dois litros (conhecidos como “cocão”) ao preço de R$ 15.

Sem posto de gasolina, moradores de Atalaia abastecem veículos com garrafas pet (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Caminhando pelas ruas de Atalaia, é observável pequenos comércios de variedades, concentrados, principalmente, na área portuária do município, e construções abandonadas pela metade. Na feira, uma cantina e uma banca de pescado se destacam no vazio do prédio.

Nos arredores, uma balsa abriga a maior feira aberta de Atalaia, onde o grupo religioso “Associacion Evangélica de la Mission Israelita Del Nuevo Pacto Universal”, do Peru, abastece a cidade com frutas, verduras, legumes e carnes.

Leia mais: Governo do Amazonas acompanha ministros do governo federal em Atalaia do Norte

Membros da ‘Associacion Evangélica de la Mission Israelita Del Nuevo Pacto Universal’ usam vestimentas típicas, sendo obrigatório o uso de véu para as mulheres (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Segundo Veríssimo Ferreira Gonçalves, 47, Atalaia se acomodou. Natural do Pará, Veríssimo se mudou para o Amazonas, chegando em Tabatinga e depois Atalaia, há mais de 10 anos. Ele conta que tentou cultivar e produzir, no município, mas encontrou dificuldades.

Eu tentei comprar terreno, em Atalaia, para começar a plantar, mas, na época, encontrei muita dificuldade; o gerente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], à época, me negou, aí conheci a Associação Evangélica e me mudei para o Peru. Lá temos uma comunidade, com 40 famílias, que abastece a cidade“, afirma.

Mesmo sem lixeiras públicas, ruas de Atalaia são conservadas (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Conforme Veríssimo, uma comitiva da comunidade “Foli Monte dos Oliva“, no Peru, sai toda terça-feira realizando uma viagem de mais de 20 horas de barco, até Atalaia do Norte, onde ficam por um período, depois partem para Benjamin Constant, Tabatinga e voltam para Foli, em uma expedição de 40 horas. “Aqui, se não fosse o abastecimento que vem do Peru, o povo já tinha passado fome, porque tudo vem do Peru, a gente traz tudo de lá“, afirma.

A geração de emprego e renda fazem parte da medida composta para calcular o IDHM. Além dele, a saúde e a educação também compõem o sistema. Ainda segundo dados do IBGE, a média salarial, em Atalaia, era de 1,6 salários-mínimos, em 2020, sendo que metade da população possui rendimento de meio salário-mínimo por mês.

Moradores passam tempo no Porto de Atalaia (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Já na área da saúde, Atalaia possui a maior porcentagem de mortalidade infantil do Estado, com média de 42 crianças mortas a cada mil nascidos vivos. Além disso, as internações por diarreia são de 1,6 a cada mil habitantes.

Como relatou à reportagem o secretário Municipal de Assuntos Indígenas, Jaime Mayoruna, uma bomba d’água é disponibilizada pela Prefeitura de Atalaia para os indígenas, após explosão de casos de diarreia. “A gente estava tendo muito relato de diarreia e dos parentes ficando com doenças e passando mal, então, entrei em contato com o prefeito Denis para colocar essa bomba d’água, foi o que melhorou“, relata.

Leia mais: Fome e descaso: problemas no Vale do Javari vão além da falta de segurança

Crianças assistem desenho animado na televisão de uma loja comercial, em Atalaia do Norte (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Lazer e habitação

Na praça central da cidade, esculturas de garças, cobra, onça e tartaruga embelezam aquele que é um dos únicos espaços de lazer no centro do município. Somado a isso, uma quadra de esportes na praça de alimentação, próximo à margem do Rio Solimões, completa os pontos de reuniões dos moradores. Na proteção, uma escultura de São Sebastião se ergue na praça.

Praça de Atalaia do Norte (Reprodução/Ministério do Turismo)

As casas construídas em alvenaria ou madeira, com telhados pintados de vermelho, compõem a cidade que, segundo o IBGE, não possui domicílios com urbanização adequada, ou seja, sem bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio. Atalaia tem ainda 0,8% dos domicílios com esgoto adequado, sendo o pior índice do Amazonas.

A reportagem questionou a Prefeitura de Atalaia do Norte sobre quais ações efetivas estão sendo traçadas para gerar emprego e renda, bem como tirar Atalaia do mapa de piores índices de desenvolvimento humano do Estado, mas até o fechamento da matéria não obtivemos retorno.

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