Pesquisa do Ipec mostra que brasileiros culpam Governo Federal pela fome; geração de emprego seria a saída para o problema

34% acreditam que o governo federal é o principal culpado, enquanto 29% atribuem o quadro a governos passados (Reprodução/Internet)
Com informações do Infoglobo

RIO DE JANEIRO – A fome está nos sinais de trânsito das grandes cidades, cada vez mais cheios de pedintes; nas barracas de indigentes armadas em canteiros de avenidas e praças; nas feiras onde catadores buscam por restos. Mais do que comida entregue diretamente à mesa, a população deseja oferta de emprego para que consiga sair do ciclo de dependência, revelam pesquisas feitas pelo Ipec. Os levantamentos ajudam a esquadrinhar a percepção dos brasileiros sobre a situação, agravada no País nos últimos anos: 34% acreditam que o governo federal é o principal culpado, enquanto 29% atribuem o quadro a governos passados.

A atribuição da responsabilidade à gestão de Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, oscila de acordo com o grau de apoio ao próprio presidente. No Nordeste, onde tem desempenho eleitoral abaixo de sua média, segundo as pesquisas de intenção de voto, é maior (38%); entre os evangélicos, grupo em que aparece à frente do ex-presidente Lula, a parcela de culpa cai pela metade: 17%.

Diante da pergunta sobre o que o governo federal deveria fazer para resolver a situação, 78% apontam a criação de postos de trabalho — de acordo com o IBGE, a taxa de desemprego está em 9,1%. Dar alimentos e moradia, o segundo e o terceiro colocados, estão bem abaixo, no patamar de 40%. No Nordeste, região com mais pessoas na pobreza, é maior o apoio a políticas assistenciais.

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Divergência de gênero

No aspecto geral, quando disposta lado a lado com outros desafios do país, a tríade pobreza, fome e miséria foi apontada por 17% como um dos três maiores problemas, empatada com segurança pública e violência e atrás de desemprego, corrupção, saúde, educação e inflação. O percentual representa a opinião de 29 milhões de brasileiros. Há quatro anos, 11,5 milhões diziam o mesmo.

O retrato é semelhante em estratos distintos da população, com percentuais equivalentes em grupos com diferentes graus de instrução, religiões, locais de residência e cores de pele. A discordância ocorre entre mulheres e homens. Pobreza, fome e miséria foram citadas por 20% delas, contra 14% deles. O resultado reforça o argumento de quem vê a “feminização” da fome no país. Em metrópoles como o Rio, serviços de atendimento à população em situação de rua já identificaram um aumento da quantidade de mães. Mulheres também são a grande maioria das que catam alimentos em lugares como o entreposto de despejo do lixo da Central de Abastecimento da cidade, a Ceasa.

Em 2014, quando o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, parecia que havia controlado o problema. Divulgação feita em julho pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostrou que o país voltou a figurar na lista. Por aqui, 4,1% da população — o equivalente a 8,6 milhões de pessoas — sofreu de falta crônica de alimentos entre 2019 e 2021. O número de brasileiros que tiveram insegurança alimentar moderada ou severa no período chegou a 61,3 milhões (28,9% da população).

Em todo o planeta, as consequências da pandemia exacerbaram desigualdades já existentes. Pobreza, fome e miséria costumam ser as consequências de um conjunto de fatores. Antes do aparecimento da Covid-19, os brasileiros já tinham sofrido com períodos de recessão, baixo crescimento econômico e altas taxas de desemprego. A inflação alta a partir do ano passado veio para completar o quadro com a corrosão da renda.

O agravamento da questão social transparece no número de famílias na extrema pobreza inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), do governo federal. Em junho de 2019, eram 13,2 milhões. No mesmo mês do ano passado, havia 14,7 milhões. Em junho deste ano, último dado disponível, a quantidade de pessoas vivendo com até R$ 105 de renda per capita já alcançava 18,7 milhões, 41% a mais que três anos antes.

Acabar com a fome é viável

Entre novembro de 2021 e abril de 2022, a insegurança alimentar moderada e grave avançava, inclusive, nos lares com renda inferior a meio salário mínimo por pessoa e que recebiam recursos dos programas Bolsa Família e Auxílio Brasil. Entre eles, a fome se abatia sobre 32,7% das famílias. É o que aponta outro estudo, a segunda edição do Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan).

Com a intenção de elencar as prioridades no ataque ao problema da pobreza, fome e miséria, O GLOBO convidou o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), uma ONG com sede no Rio, para apresentar as medidas mais urgentes. A primeira é ter como objetivo eliminar a pobreza extrema no país em oito anos.

“O Brasil tem recursos suficientes para atingir essa meta. Não é um objetivo tecnicamente trivial, mas é alcançável. Exige uma política bem desenhada e persistência”, diz o diretor-presidente do IMDS, Paulo Tafner.

A construção de um bom ambiente econômico também é citada como fator preponderante para a saída da miséria. Quanto mais estabilidade, maiores são as condições para geração de empregos, principal mola propulsora da geração de renda, especialmente nas camadas mais pobres. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,6%, depois de uma queda de 4,1% em 2020.

A análise rotineira de programas sociais, segundo especialistas, é outro fator relevante para uma solução estrutural contra a pobreza. De acordo com o IMDS, é necessário elaborar um sistema com órgãos públicos e privados para que sejam feitas avaliações detalhadas.

Prioridades para combater pobreza, fome e miséria

O GLOBO convidou o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), com sede no Rio, para elaborar uma lista de medidas que devem ser adotadas pelo próximo governo com a intenção de combater a pobreza, fome e miséria.

Ter como objetivo eliminar a pobreza extrema em oito anos

O que fazer: quem está na base da pirâmide precisa de apoio para garantir um sustento mínimo. Por isso, o governo deve focalizar o programa de transferência de renda. Condicionalidades, como frequência escolar, devem ser mantidas para tentar quebrar a permanência da miséria de uma geração para outra. As linhas de pobreza devem ser regionais, abarcar mais gente e com bônus para famílias com crianças e jovens.

Elevar as taxas de crescimento econômico de forma sustentada

O que fazer: a renda de pobres e, até certo ponto, a de miseráveis tendem a aumentar quando a economia cresce de forma vigorosa e novas oportunidades de trabalho são criadas. A geração de empregos formais e informais depende da abertura e expansão dos negócios.

Criar um seguro de garantia de renda para quem está próximo da linha da pobreza

O que fazer: um seguro coletivo com conta individual para o trabalhador informal e o que atua por conta própria, grupos suscetíveis a reviravoltas na economia, pode evitar que essas pessoas caiam na pobreza. Para cada real depositado pela pessoa, o governo deve colocar um determinado valor, com carência de um ano e limite mínimo de saldo.

Promover uma ampla análise do programa Criança Feliz

O que fazer: diferentes pesquisas confirmam a importância de estimular crianças antes da idade escolar para que tenham o devido desenvolvimento cognitivo e emocional e possam explorar todo o seu potencial. É preciso avaliar o programa voltado para a primeira infância e intensificar o treinamento de agentes.

Incentivar que estados e municípios implementem políticas sociais

O que fazer: somente os entes subnacionais podem implementar programas com chance de sucesso em temáticas relevantes como: prevenção ao abandono e evasão escolar, gravidez precoce, prevenção de violência e de dependência química, entre outros. Programas subnacionais que atendam requisitos técnicos poderiam ser parcialmente financiados pelo governo federal por meio de convênios.

Criar um sistema de credenciamento para avaliar programas sociais

O que fazer: só é possível saber se os programas estão dando os resultados esperados a partir de estudos feitos com a população alvo do investimento social. Também é necessário que esses programas sejam estabelecidos com base em evidências e, depois, devidamente avaliados. É crucial criar um sistema com órgãos públicos e privados de pesquisa que possam fazer avaliações minuciosas e sistemáticas.

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