Povos indígenas e seus saberes: a cura que vem da floresta

Floresta às margens do Rio Tapajós, na região da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará. O governo brasileiro planeja construir 43 grandes hidrelétricas na bacia do Tapajós. A maior delas, São Luiz do Tapajós, terá impacto sobre a vida dos povos indígenas e comunidades ribeirinhas. Barragens como essas ameaçam o frágil bioma da Amazônia, onde os rios são fundamentais para a regeneração e distribuição de espécies vegetais e a sobrevivência da flora local. Energias renováveis, como solar e eólica, detêm a chave para o futuro energético do Brasil. Itaituba, Pará. 28/02/2016. Foto: Valdemir Cunha/Greenpeace.Forest by the banks of the Tapajós river, in Sawré Muybu Indigenous Land, home to the Munduruku people, Pará state, Brazil. Brazilian Government plans to build 43 mega-dams in the Tapajós river basin. The largest planned dam, São Luiz do Tapajós, will impact the life of indigenous peoples and riverside communities. Mega-dams like these threaten the fragile biome of the Amazon, where rivers are fundamental to regeneration and distribution of plant species and the survival of local flora. Renewable energy, such as solar and wind, holds the key to Brazil’s energy future. Itaituba, Pará, Brazil. 28/02/2016. Photo: Valdemir Cunha/Greenpeace.

Da Redação

MANAUS – Em 2009, depois de ser picada por uma cobra jararaca, uma criança da etnia Tukano foi transferida para um hospital de Manaus (AM) para receber tratamento. Os médicos que a atenderam recomendaram a amputação da perna como única alternativa. Mas seus parentes não concordaram com o diagnóstico e recorreram à justiça para impedir o procedimento e conquistar o direito de utilizar suas técnicas tradicionais como terapia complementar. 

A perna da menina foi salva e esse episódio deu origem à criação do Bahserikowi – Centro de Medicina Indígena da Amazônia, localizado em Manaus, capital do Amazonas. De lá para cá, cerca de 2.900 pessoas já foram atendidas no local, entre indígenas e muitos não indígenas, segundo João Paulo Barreto Tukano, filósofo, mestre em antropologia e coordenador do centro.

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“Funcionamos como um consultório médico de tratamento de doenças. As pessoas vão lá com seus problemas e se encontram com o Kumu, que é mais conhecido como pajé, e ele faz o diagnóstico das doenças e faz o tratamento”, explicou João Paulo.

Os atendimentos são realizados por diferentes Kumuã, sobretudo de povos da região do Alto Rio Negro, como Tukano, Tuyuka e Desano. “A maior dificuldade que a sociedade em geral tem é entender o conhecimento indígena, pois muitos acreditam que é uma cura na base da religião. A pessoa diz que é um curandeiro, que é magia, essas palavrinhas tão inocentes, que na verdade são carregadas de preconceitos. Porque elas têm na mente essas palavras, dizem que tem que acreditar, ter fé, mas não é isso, é só um modelo de medicina diferente da ocidental”, contou.

Para João Paulo, parte desta confusão se dá pelo fato de a medicina indígena considerar a relação com o meio ambiente como parte da causa das doenças e, também, da cura.

“Muitas doenças são causadas pela má relação que temos com o ambiente, com o rio, com a floresta. Porque o princípio que nós temos é que todos os ambientes, seja no universo aquático, como da floresta, da terra, são habitados por seres, os Waimahsã. Eles são os donos dos lugares e cuidam das coisas ao seu redor, eles cuidam dos recursos naturais. Quando a gente invade esse espaço, eles atacam as pessoas, então isso aparece como doença do corpo, dor de cabeça, náusea, dores no corpo, no cotovelo, no joelho”, explicou.

De acordo com o antropólogo, neste contexto, não é possível tratar doenças apenas com remédios. A cura depende de uma combinação de tratamentos, que inclui medicamentos a base de plantas, como a carapanaúba e a sara tudo, o uso de bahsese ou benzimentos, além de mudanças de costumes, que às vezes incluem abstinência sexual e dietas específicas, com a exclusão de carne, por exemplo.

Os tratamentos, que podem levar dias ou até meses, foram desenvolvidos ao longo dos anos, a partir de muita observação e do conhecimento tradicional, passado adiante pelos kumuã mais experientes, em um longo processo de formação, que pode levar até cinco anos.

“Temos um sistema tradicional de formação de novos pajés ou kumuã, que por muito tempo fomos obrigados a negar, quando tivemos contato com a sociedade ocidental.  Mas assim como um médico, para se tornar um kumu passa-se por um processo de formação muito rígido, que envolve abstinência, isolamento social, dieta e acompanhamento direto de outros pajés especialistas e formadores, para aprender a utilização de certas substâncias para acessar o domínio do conhecimento”, explicou João Paulo.

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