Prevent induziu competição de médicos para ‘bombar’ Kit Covid, diz dossiê

Um exemplar do chamado Kit Covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades. Na foto, o kit é composto por azitromicina (antibiótico), ivermectina (antiparasitário), hidroxicloroquina, corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó. (Reprodução)

Com informações do UOL

A direção da operadora de saúde Prevent Senior induziu uma competição entre médicos para impulsionar a prescrição do Kit Covid, segundo dossiê com supostas irregularidades praticadas pela empresa entregue à CPI da Covid. O documento, ao qual o UOL obteve acesso, foi elaborado por 12 profissionais da empresa, seis ainda na rede e seis ex-funcionários. Os fatos ocorreram durante o ano de 2020, no auge da pandemia, indicam as acusações. A Prevent Senior nega as denúncias, acrescentando que elas são “sistemáticas e mentirosas”.

O Kit Covid é composto por uma série de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da doença, podendo até causar efeitos colaterais graves em determinadas pessoas a depender de comorbidades e do quadro de saúde em geral. Na Prevent, o kit era prescrito a pacientes com sintomas gripais, ainda que sem diagnóstico de Covid-19, segundo os médicos que elaboraram o dossiê.

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]Os relatos indicam que a metodologia consistia em prescrever os remédios sem o consentimento dos pacientes, fato que é investigado pela CPI. De acordo com a denúncia, os profissionais da Prevent eram “controlados por gráficos que demonstravam o desempenho, induzindo a competitividade entre os médicos, que passaram a ter ‘metas’ de prescrição de medicamentos”.

Esses gráficos eram distribuídos internamente em grupos no WhatsApp por um dos diretores da Prevent, o cardiologista Rodrigo Esper, como forma de tentar engajar a equipe, aponta. Além da política de estímulo, a direção ainda fazia cobranças aos médicos quando os resultados não estavam agradando, afirma.

Por exemplo, em mensagem de WhatsApp identificada como sendo de 10 de maio de 2020, Esper encaminha gráfico intitulado “Inclusão Protocolo: Tele x PS”. “Tele” se refere à teletriagem (atendimento virtual) enquanto PS se refere ao Pronto-Socorro do hospital Sancta Maggiore, pertencente à rede.

Em mensagem, posteriormente, escreveu: “Pessoal, não podemos perder o foco. Voltamos a ter rendimentos ruins. Não podemos perder o tônus. Ainda não atingimos o pico da epidemia e caímos o rendimento. Peço que imediatamente todos os tutores de plantão conversem com suas equipes e salientem a importância do tratamento precoce. Isso é muito importante! Obrigado.”

Em 11 de junho do ano passado, segundo o dossiê, Esper enviou outro gráfico de teor semelhante com a mensagem: “Boa tarde, estamos com tendência a (sic) queda nas prescrições. Vamos reforçar com o grupo. Obrigado”.

Nos “dias de pico”, mais de 250 kits eram entregues a pacientes, afirma o documento. O dossiê não deixa claro para quais grupos de WhatsApp essas mensagens foram enviadas. Kit inicial teria sido ampliado depois Inicialmente, o kit covid da Prevent era formado por 400 mg de hidroxicloroquina (indicada para algumas doenças reumatológicas e malária) em conjunto com 500 mg de azitromicina (antibiótico), afirma a denúncia.

Depois, com a suspensão de uma pesquisa promovida pela Prevent sobre a eficácia do uso de hidroxicloroquina em associação com a azitromicina, os médicos teriam passado a ser obrigados a promover o “Kit Prevent”. Este teria sido uma espécie de Kit Covid ampliado.

De acordo com fotos dos saquinhos distribuídos a pacientes às quais a reportagem obteve acesso, um exemplar do kit ainda contava com azitromicina e hidroxicloroquina, mas também ivermectina (antiparasitário), corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e estudos realizados em vários países, até o momento, não há remédio algum com eficácia comprovada contra a Covid-19. Alguns fármacos, no entanto, são utilizados nos hospitais a fim de amenizar o impacto dos sintomas pós-contaminação, como febre, problemas respiratórios, entre outros. Mensagens encaminhadas às equipes em junho também mostram que a Prevent instituiu uma espécie de atualização do Kit Covid, que foi chamado internamente de “Kit Prevent”, e passou a utilizá-lo com o intuito de dar mais “dinamismo” às internações de pacientes.

Tentativa de convencer médicos

Os diálogos reproduzidos pelo dossiê mostram que a cúpula da Prevent Senior supostamente buscava, com uma abordagem motivacional, convencer os profissionais de saúde a prescrever os remédios do Kit Covid.

Ainda segundo o dossiê, na visão da operadora de saúde os médicos não poderiam “deixar escapar a oportunidade” de tratar a doença “o quanto antes”. Uma espécie de meta foi estabelecida, de acordo com mensagem enviada por um dos diretores da Prevent em 12 de abril de 2020. “Acerte o alvo. O segundo dia de sintomas é o que queremos. E o melhor: a prescrição está na sua mão. E nós estamos com você”, diz trecho da mensagem.

O segundo dia de início dos sintomas, que seria o ideal para prescrição do Kit Covid de acordo com os protocolos da Prevent, ganhou até um apelido: “Golden day”. “Indique o tratamento e deixe que o resto nós nos encarregamos de fazer.” Em seguida, o mesmo diretor fez uma observação. “Pessoal, reforcem com as equipes. Importante não perdermos a chance de tratar. E tratar precocemente. E reforcem também a importância do preenchimento da planilha de TeleAlerta.”

Retaliação

A denúncia entregue à CPI afirma que as diretrizes passadas pela direção-executiva e pela clínica médica deveriam ser interpretadas como ordens, porque, caso fossem descumpridas, a consequência era a demissão. Segundo relatos, diz o dossiê, o ambiente era de “ameaças e hostilidade”.

“Perante a política de pejotização adotada pela empresa, as diretrizes são transmitidas aos médicos pelo aplicativo WhatsApp, uma vez que essa metodologia informal, em tese, reduziria o risco de possíveis demandas judiciais”, cita.

Em depoimento à CPI da Covid na quarta, 22, o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, disse que nenhum profissional foi demitido por ter se recusado a aplicar esse “tratamento precoce”. No entanto, em outro momento, ao ser indagado sobre a mesma questão, afirmou que “médicos foram excluídos da empresa por graves falhas éticas e morais, como invasão de prontuários e tratamento inadequado de pacientes, muitos deles com queixas em compliance”.

Prevent rebate e pede investigação da PGR

Em nota, a Prevent Senior negou as denúncias “sistemáticas e mentirosas levadas anonimamente à CPI da Covid e à imprensa”. Afirmou ainda que pediu na segunda-feira, 20, que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue as acusações tornadas públicas. “Estranhamente, antes de as acusações serem levadas à comissão do Senado, uma advogada que representa esse grupo de médicos insinuou que as denúncias não seriam encaminhadas à CPI se um acordo fosse celebrado.

Devido à estranheza da abordagem, a Prevent Senior tomará todas as medidas judiciais cabíveis para esclarecer os fatos e reparar os danos a sua imagem”, acrescentou. Batista Júnior negou que a empresa tenha ocultado mortes por covid-19, rebateu acusação da comissão de que fez “estudo clínico” para balizar a aplicação do chamado kit covid e responsabilizou médicos vinculados à operadora por suposta manipulação de dados e divulgação indevida de prontuários de pacientes.

Contudo, Batista Júnior confirmou que houve a orientação para que os médicos modificassem o CID (código de diagnóstico) de pacientes que deram entrada com covid-19, após 14 ou 21 dias, a depender do caso de cada um. Ele alegou que a medida foi tomada para que se identificassem pacientes que não representariam mais riscos de transmissão do novo coronavírus. Senadores da CPI, porém, enxergaram uma tentativa de manipulação e subnotificação de casos e mortes.

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