‘Reconstrução’: artistas da Amazônia falam sobre expectativas com a recriação do Ministério da Cultura

Da esquerda à direita: Tenório Telles, Sarah Farias e Nilson Chaves. (Arte: Matheus Simões)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – A promessa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de recriação do Ministério da Cultura, extinto pelo Governo Bolsonaro e transformado em Secretaria Especial, tem gerado grande expectativa aos profissionais envolvidos no setor. Apesar de ainda não ter confirmado o nome de quem comandará a pasta, artistas e representantes da classe esperam que o novo governo “reconstrua” a categoria.

O setor cultural foi o mais impactado pela pandemia da Covid-19. Levantamento do Ministério da Economia, divulgado ainda em 2020, mostrou que as atividades artísticas, criativas e de espetáculos foram as ocupações que mais sentiram os efeitos econômicos causados pelo coronavírus. Soma-se a isso o enfraquecimento das políticas públicas voltadas à cultura e até mesmo vetos do atual presidente a projetos que estimulam a economia do setor.

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O presidente do Conselho Municipal de Política Cultural (Concultura), o poeta Tenório Telles, afirma que a recriação do Ministério e um ministro preparado e sensível às pautas culturais resultará em bons frutos para a sociedade. Para ele, o processo cultural é complexo e dinâmico e exige atenção e responsabilidade na formulação e implementação de políticas e projetos.

Minha expectativa é que esse processo resulte na profissionalização dos que trabalham com cultura em nosso País, por meio do fomento ao empreendedorismo e às iniciativas independentes, reduzindo-se, no futuro, a dependência em relação ao setor público. A consolidação da indústria criativa será um grande avanço em termos oportunidades de trabalho e renda para os artistas em nosso País”, declara Tenório.

Tenório Telles é presidente do Conselho Municipal de Política Cultural (Concultura). (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Telles acrescenta, ainda, que com a instabilidade política e a pandemia, que deu prejuízos a todos os segmentos econômicos, o que se espera é que o novo governo seja capaz de criar um projeto nacional que dê destaque ao segmento cultural. “Penso que a realidade exige um novo momento, em que o processo cultural seja tratado de forma técnica, sem exclusivismo e, principalmente, valorizando a diversidade cultural do País e seus criadores“, acrescenta.

Expectativas positivas

O professor de Dança na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e ex-membro da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), Getúlio Lima, afirma que o cenário dos últimos quatro anos foi “extremamente caótico” com a inferiorização da pasta, que chegou a gerar recolhimento expressivo de impostos. Ele diz alimentar apenas expectativas positivas com a possível recriação do órgão.

Tenho muitas expectativas, todas positivas. Acredito que teremos muito mais possibilidade de crescimento e de atuação, pois serão retomadas políticas públicas que já estavam funcionando e serão revistas outras. O retorno do Ministério da Cultura vai restabelecer o campo das artes“, declara ele.

Lima faz um comparativo entre governos e acrescenta, ainda, que será preciso esforço para reconstruir o que ele chama de “estragos” feitos na gestão de Jair Bolsonaro (PL). “Nos governos anteriores tivemos positivos avanços no campo da cultura, com participação efetiva da sociedade civil. Tenho esperança de retomarmos esses avanços novamente. Precisaremos nos esforçar bastante“, afirma.

Transição cultural

Após ser eleito com 50,83% dos votos válidos, Lula iniciou a estruturação da sua equipe de transição. A área de Cultura é formada pelo ex-ministro da Cultura Juca Ferreira; pelo secretário nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares; pela cantora Margareth Menezes; o músico e poeta Antônio Marinho; e a deputada federal pelo PSOL de Minas Gerais Áurea Carolina.

Em Manaus, a produtora cultural, ilustradora e designer Sarah Farias afirma que percebe, na classe artística, um “clima” de retomada e reconstrução, e não de novas conquistas, por enquanto. “A esperança é que teremos um governo trabalhando pra que a cultura no Brasil volte pra onde estava há dez anos atrás“, diz ela.

A produtora cultural, ilustradora e designer Sarah Farias. (Reprodução/ Instagram)

Ela trabalhava, até 2016, exclusivamente, na organização de mostras e exposições, mas se viu obrigada a procurar outra fonte de renda. “Nos últimos quatro anos só se aprofundou o cenário que já vinha desde 2016. O [Michel] Temer tentou desmanchar o Ministério, mas cedeu à pressão da classe. Bolsonaro não respondeu aos artistas da mesma forma e procedeu com o desmanche do ministério tão logo tomou posse. O incentivo público à cultura diminuiu absurdamente”, explica ela.

Olhar para a Amazônia

O músico paraense Nilson Chaves, com mais de 50 anos de carreira, lembra que a Amazônia já é uma região normalmente “invisibilizada” e espera que o próximo governo “faça uma boa gestão“. “Não sou de guardar expectativas, mas de torcer para que ele [Lula] faça um bom trabalho, uma boa gestão. Acho que na anterior, para variar, o Norte, a Amazônia, foi muito esquecida e quase em todos os governos presidenciais ela sempre foi muito esquecida“, diz ele.

Nilson Chaves tem mais de 50 anos de carreira e afirma esperar que o novo governo federal “faça uma boa gestão” na área cultural. (Jader Moreira)

Chaves destaca, ainda, que a cultura é uma área constantemente afetada por crises econômicas e a pandemia da Covid-19 foi apenas um dos fatores que contribuiu para o enfraquecimento do setor.

Não dá para julgar tudo e colocar toda a responsabilidade das dificuldades culturais ao atual presidente. Claro que ele tem parcelas [de culpa], não é uma pessoa ligada à cultura, não está interessado na cultura, mas infelizmente eu vejo isso em todas as gestões. A cultura é sempre assim, tem crise, tira o dinheiro da cultura“, conclui ele.

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