Reeducando o vocabulário: expressões racistas e preconceituosas que podem ser retiradas do cotidiano

Expressões preconceituosas, racistas, xenofóbicas continuam em uso no cotidiano (Reprodução/Internet)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Ao longo dos anos sempre foi comum usar expressões originalmente racistas enraizadas em nosso vocabulário. Isso infelizmente acontece por conta da nossa escrita, verbalização e idioma serem firmados em uma base racista, escravocrata e preconceituosa. Nos tempos atuais, expressões preconceituosas, racistas, xenofóbicas continuam em uso no cotidiano. Seja usada propositalmente para ferir ou ofender o próximo, seja usada por falta de informação do que aquela expressão usada de fato significa.

Mas, aos poucos, estudiosos, ativistas e pessoas engajadas nos movimentos antirracistas vêm descontruindo esta base discursiva e promovendo mudanças no usar e no entender o conceito da palavra. De acordo com o doutor em linguística, psicólogo e estudioso Sergio Freire, a língua é viva, dinâmica e histórica, por isso, está sempre mudando. As palavras surgem, caem em desuso e um dos fatores para que isso aconteça é a chamada discursividade.

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“Aquilo que a gente chama de discursividade, que é o discurso de um espaço e tempo. Por exemplo, a discursividade sobre saúde mudou. Não faz mais sentido um slogan de cigarro, como o do Free, que um dia foi: ‘Free: uma simples questão de bom senso’. Porque não dá mais para associar fumar com bom senso. Aliás, nem propaganda de cigarros tem mais. E pensar que se fumava em avião. Da mesma forma, palavras e expressões como ‘denegrir´, ‘inveja branca’, ‘judiar’, ‘serviço de preto’, ‘mercado negro’ têm seu uso questionado, porque a discursividade sobre raça, pertencimento e identidade têm alterado os sentidos antes permitidos, num outro tempo”, explica Freire.

Para que você não cometa mais o erro de usar estas palavras, listamos algumas para serem retiradas do seu vocabulário. Afinal, a língua é rica e há outras tantas possibilidades para substituir essas expressões nada bem-vindas. Confira:

  • Mulata

A palavra mulata é uma derivação de mula, um animal híbrido resultado de um cruzamento entre um burro com uma égua. O termo mulato surgiu na primeira metade do século 16 e, naquela época, os negros eram escravizados, comparados e tratados como animais. A expressão mulata quase sempre foi usada para hipersexualizar a mulher negra dando espaço para objetificação da figura feminina negra como se fosse um “serviçal do prazer” masculino e das grandes mídias.

A mulata corresponde ao filho de mulher negra com branco ou vice-versa. Apesar dos diferentes tons de pele existentes em meio à população negra, você pode substituir o mulata por negra. Afinal, não há mais ou menos negro.

  • “Cabelo ruim”

A expressão mais usada quando o assunto é cabelo afro. Mas o cabelo afro não é “palha de aço” ou “ruim”, é só um cabelo como qualquer outro seja liso, cacheado ou ondulado. Não há necessidade alguma de usar termos de deboches, ofensivos e que menosprezem a aparência do cabelo afro. A diversidade capilar existe, deve ser respeitada e ruim é o preconceito que está dentro da cabeça do indivíduo e não nas madeixas, sejam quais forem.

Por muitos anos, frases como essas, contribuíram negativamente para a rejeição da própria aparência e baixa autoestima de muitas pessoas, em especial as mulheres negras.

Use o termo correto – cabelo afro, cabelo cacheado ou até mesmo “cabelos naturais”, usado recentemente pelos profissionais capilares. E acabe de vez com essa história de que cabelo afro é ruim.

  • Judiar

Judiar incute um preconceito em relação ao povo judeu. Embora, muitas pessoas não façam essa associação ao povo judeu, o termo remete o significado “maltratar/ torturar como os judeus foram maltratados e torturados ao longo da história”.

Não é de bom tom usar um termo sobrecarregado de xenofobia, intolerância e que fere a dignidade de um povo, portanto, palavras como judiar, judiação, judiaria devem ser evitadas.

  • “Não sou tuas negas”

A frase acima traz a ideia de que a mulher negra é qualquer uma, não merece respeito. Passa a sensação de objetificação e falta de valor. Além disso é uma fala que expressa o machismo. Evite.

  • “Serviço de preto”

Frase geralmente usada para se referir a trabalhos mal-feitos. A expressão desqualifica e desrespeita a capacidade e figura do negro. Traz a ideia de que ele não seja capaz de cumprir as funções a ele destinada no mercado de trabalho ou fora dele, sempre na intenção de diminuir a negro com relação à competência.

Diga apenas que o trabalho não está bom, está mal-feito, dentre tantas outras opções que não precisam utilizar a figura do negro de forma inferior.

  • “Fazer nas coxas”

Sim, o termo é antigo, mas ainda há muita gente que fala usa esse ditado para também caracterizar um trabalho mal-feito. Surgiu na época dos escravos que moldavam telhas de barro nas coxas.

Por serem moldadas nas coxas de diferentes escravos, algumas telhas tinham moldes diferentes e não encaixavam.  Daí surgiu o termo para associar ao trabalho “mal-feito”. Esqueça esse termo de mau gosto e racista já.

  • Denegrir

Talvez a palavra mais usada de todas da lista. O termo denegrir é muito comum entre os brasileiros e é usada quando querem dar sentido de difamação, desqualificação de alguém, ofender ou manchar a reputação.

O dicionário apresenta o significado de “tornar negro”, e a questão é justamente essa, associar tudo que é pejorativo, ruim e maldoso ao negro ou a negritude.

Mudanças

O estudioso Sérgio Freire pondera que antes, tais palavras e expressões não eram tomadas como ofensa, porque os seus sentidos eram partilhados e naturalizados como possíveis, uma vez que não havia espaço para a problematização sobre identidade que há hoje.

“É exatamente a luta pela inclusão das minorias que têm alterado o significado de algo aceito para algo que não pode mais passar sem questionamento. Ainda há um longo caminho, mas avançamos nessas questões sociais. E a língua vai junto, refletindo as relações postas pelos grupos sociais de seus falantes”, finaliza.

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