Saiba como funciona o governo comunista para não falar besteira na internet

Os símbolos universais da ideologia comunista são a foice e o martelo (Reprodução/Getty Images/Kevin Frayer)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Muito se fala sobre “comunismo” nas redes sociais, mas grande parte das opiniões ou mesmo informações sobre a ideologia fundamentada pelos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels, na célebre obra “O Manifesto Comunista“, de 1848, estão fora de sintonia com a doutrina marxista. Uma confusão de ideias propositais ou não, deturpações ou falsas atribuições tornaram o conceito sobre comunismo uma torre de babel, onde muito se fala e pouco se entende. A REVISTA CENARIUM resolveu entrevistar especialistas para ajudar os leitores a não falar besteira na internet.

O sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio destaca exemplos sobre itens que se transformaram em recurso de discurso nos últimos anos, no Brasil, como “coisa de comunista“, entre eles o “kit gay” e “mamadeira de p***”.

O livro Le Guide du Zizi Sexuel traduzido, no Brasil, como ‘Aparelho Sexual & Cia’ virou a fake news do ‘kit gay’ dos comunistas (Reprodução/Internet)

“Uma das características do comunismo foi sempre valorizar temas caros à humanidade, como a dignidade humana e a educação. Em momento algum, um comunista vai defender excrescências como essas. Isso foi construído. É uma mentira deslavada“, criticou. “Já a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) existe e não é comunista, pelo contrário: sempre se opôs ao comunismo e ao LGBTQIAP+, que são pessoas que não se sentem representadas e se reúnem para defender a existência delas. Nenhum quer impor sua sexualidade a ninguém“, afirma.

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O sociólogo também explica diferenças do comunismo e do capitalismo. “O comunismo é uma forma de organização do Estado diferente do capitalismo. No capitalismo, a propriedade é privada e o Estado é o regulador das relações, já no comunismo a propriedade é pública, sob a governança do Estado, que distribui essa riqueza para o bem comum. No capitalismo, a propriedade é privada e a riqueza gerada fica para quem é o dono da propriedade”, resumiu.

Bandeira comunista com os símbolos foice e o martelo, na clássica cor vermelha, cor que simboliza o sangue dos trabalhadores das fábricas e do campo (Reprodução/Internet)

No campo político, o comunismo funciona sob a organização popular. “O Estado é governado por juntas ou representações do povo. Isso é o que propõe a teoria comunista, no entanto, é preciso dizer que nunca houve uma sociedade comunista no mundo! O comunismo seria a última etapa de um desenvolvimento social que supera o capitalismo. O caminho intermediário seria a sociedade socialista. Como exemplo, cito a União Soviética, a China, Cuba, dentre outros”, afirmou.

O mercado

Luiz Antônio explicou outras características. “Na sociedade capitalista, o grande senhor orientador e determinador das coisas é o mercado. O mercado é um grande ente abstrato que está acima da vontade das pessoas. O mercado regula os preços, ofertas e etc…Na sociedade comunista, o mercado desaparece, ele não existe, ele é superado e os parâmetros da riqueza serão estabelecidos pela vontade coletiva dos trabalhadores organizados”, explicou. “Mas o que é o mercado? O mercado são os donos do poder. No Brasil, umas 200 pessoas. Donos dos bancos, das terras, corretoras, empresas…”, elencou.

A economista Denise Kassama entra para contribuir sob o ponto de vista político e econômico. “É preciso dizer que não temos um País, no mundo, que seja comunista porque o comunismo seria a última etapa de uma evolução social que preconiza uma igualdade absoluta entre todos os cidadãos, com a possibilidade de abolição do Estado, já que ele poderia ser considerado como uma forma de opressão social, só que nós não temos nenhum País, no mundo, assim, com essas características”, destacou.

Kassama continuou: “O que temos são países socialistas e o socialismo é uma etapa que antecede o comunismo, mas, acho que nunca chegaremos ao comunismo, sinceramente falando. Basta a gente olhar as nomenclaturas dos países como a China, que é ‘República Popular da China’, e não é ‘República Comunista da China’. A mesma coisa é a Coreia do Norte, que se chama República Popular Democrática da Coreia e que de democrática não tem nada, porque é, na verdade, uma ditadura socialista“, exemplificou.

Partido único

Usando China e Cuba como exemplo, Denise Kassama aponta as características do que seria um sistema socialista. “Cuba, que é um País socialista e se chama ‘República de Cuba’, detém os meios de produção de modo a gerar um tratamento quase igual. Em Cuba, o salário de um médico não difere do salário de um professor. Já a China tem um partido único e pratica um socialismo onde o Estado detém os meios de produção, também, mas considero a China socialista na política e quase capitalista na economia. Dizer que a China é socialista já é um exagero, comunista, então…”, ironizou.

Para o sociólogo Marcelo Seráfico, sociedades comunistas seriam sociedades evoluídas, modernas e sem a presença do Estado (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O sociólogo Marcelo Seráfico corrobora as falas de Luiz Antônio e Denise Kassama. “Cabe esclarecer que o comunismo nunca existiu. Comunistas seriam sociedades modernas sem Estado. Isso não chegou a existir em lugar nenhum do planeta”, referendou. “É necessário estabelecer uma distinção entre as utopias e as experiências de implementação histórica delas. O socialismo, desde o século 19, se tornou uma possibilidade de transformação positiva da sociedade capitalista”, relatou.

Seráfico também destaca a etapa socialista que seria o “pré-comunismo“, que é “realmente” a fase que foi experimentada em inúmeros países. “O socialismo é uma forma de superação dos constrangimentos impostos pela acumulação de poder político e econômico, por uma camada cada vez mais restrita de indivíduos, todos eles proprietários ou controladores dos meios necessários para a produção da vida da maioria dos cidadãos e cidadãs”, observou.

Não é comunismo

Questionado sobre temas associados ao comunismo, como aborto e feminismo, Marcelo comentou. “Aborto e feminismo se tornaram pautas centrais da política, a partir dos anos 1960, nos países capitalistas. Hoje, são pauta de qualquer sociedade que se ocupe da redução das desigualdades, logo em que haja grupos, camadas e classes sociais engajados na luta pela ampliação da liberdade e da igualdade. Portanto, essa é uma pauta mais ampla a ser tratada por qualquer sociedade com pretensões democráticas”, atestou.

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