Servidora que chamou motoboy de ‘pobre’ recebe três salários mínimos

A servidora pública Fernanda Cristini (Reprodução/Instagram)
Eduardo Figueiredo – Da Revista Cenarium

MANAUS – A servidora da Prefeitura de Manaus Fernanda Cristini Ramos Lopes publicou nessa segunda-feira, 27, um vídeo em seu perfil pessoal, na rede social Instagram, onde dispara diversos insultos contra os motoboys da cidade. “Eu quero que vocês se fo***, cara. ‘Ai, riquinha, nariguda’, sou mesmo! e tu que é pobre, feio, motoqueiro ridículo andando de Biz”, declarou a servidora pública que segundo apurou a reportagem é lotada no Fundo Municipal de Saúde, com remuneração mensal no valor de R$ 4.597, o que equivale a pouco mais de três salários mínimos. Atualmente, o valor do salário mínimo é de R$ 1.320.

Remuneração de Fernanda Cristini segundo o Portal da Transparência (Reprodução/Prefeitura de Manaus)

A fala da mulher ocorreu após um entregador de delivery ter sido agredido por um cliente em Manaus. Nos comentários de uma publicação sobre o caso, Fernanda afirmou que “motoqueiro bom é motoqueiro no chão”, desde então, ela passou a receber uma série de críticas pelo posicionamento. Especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM também repudiaram as falas e analisaram o comportamento da servidora.

Para a advogada e especialista em Direitos Humanos Luciana Santos a fala é carregada de preconceitos e de falta de empatia. “Demonstra o pensamento de uma classe média que não se reconhece como parte do proletariado. E, no Brasil, isso tem um tempero a mais: é uma mulher branca que sabe de seus privilégios sociais históricos menosprezando pessoas que, em geral, são racializadas”, apontou a especialista que também destaca que o racismo ainda é uma barreira ao mercado de trabalho formal.

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“Então, boa parte das pessoas que estão submetidas a atividades precarizadas, sem direitos trabalhistas (como é o caso dos entregadores/motoqueiros), são pessoas racializadas. É importante dizer ainda que o ódio a pobres tem nome: aporofobia, fenômeno que vem sendo estudado e, no Brasil, é muito denunciado pelo padre Júlio Lancelotti”, completou Luciana.

Desigualdade

Na leitura do antropólogo e coordenador do Projeto Jaraqui e do Núcleo de Cultura Política do Amazonas, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ademir Ramos, o vídeo retrata uma situação de desigualdade social. “É uma jovem mimada e arrogante. Ela quer fazer fama em cima dos pobres e escolheu o motoqueiro. O motoqueiro é um trabalhador que estar a suar a camisa no trânsito”, analisou Ramos.

O especialista também faz uma análise etnocêntrica sobre o comportamento da servidora. “O novo-rico se acha dono do mundo, então, como ele acha que está pagando, ele pode tudo. Quando você está exposta nas redes sociais, você está sujeita à crítica. Ela não aceita críticas. O que é a crítica? Crítica é o direito ao contraditório. Essa moça precisa de tratamentos terapêuticos para saber conviver em sociedade”, acrescentou o professor.

O caso

O vídeo foi publicado em resposta às críticas que Fernanda recebeu por comentar em uma publicação que “motoqueiro bom é motoqueiro no chão”. “Quem chegar até aqui para me xingar, para falar alguma coisa assim, principalmente, se você for pobrezinho, motoqueiro, coitado, não tem nem emprego direito. Cara, pode comentar nas minhas fotos, pode me xingar, pode botar meu nome na roda por aí”, enfatizou a servidora que continua ironizando a situação:

“É engraçado, assim, só mostra que vocês são desocupados e não tem mesmo o que fazer. Não tem um emprego para bater ponto, não tem uma meta de venda para bater, a meta que vocês batem é só meta de acidente, né? Fazendo merda por aí na rua”, finalizou.

Veja vídeo:
‘Manifestação preconceituosa’

Em nota, a Prefeitura de Manaus classificou as falas como “manifestação preconceituosa e desrespeitosa” e repudiou a atitude da servidora municipal. “A Prefeitura destaca que a manifestação da servidora se deu em contexto rigorosamente pessoal, sem nenhuma relação com o exercício da função pública, devendo o seu ato ser tratado na esfera particular“, destacou a nota.

Leia a nota na íntegra:

A Prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), repudia quaisquer formas de discriminação e preconceito contra pessoas e categorias e reafirma seu respeito aos motoboys e mototaxistas citados em recente manifestação preconceituosa e desrespeitosa nas redes sociais, com o envolvimento de uma servidora pública municipal.

A Prefeitura destaca que a manifestação da servidora se deu em contexto rigorosamente pessoal, sem nenhuma relação com o exercício da função pública, devendo o seu ato ser tratado na esfera particular.

A Prefeitura ressalta, ainda, que condutas baseadas no valor da pessoa humana são permanentemente promovidas e estimuladas entre os seus servidores, sendo o respeito a todos os cidadãos um princípio inegociável da atividade profissional no âmbito da gestão pública municipal.

Leia também: Em menos de cinco dias, outro motoboy é ameaçado por cliente durante entrega no AM
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