Sob ameaça de ‘jagunços’, comunidade denuncia tortura, invasão de terras e coação da PM, em RO

A mando de um fazendeiro e armados com pistolas de calibre 38, seis homens obrigaram famílias a deixar moradias, incendiaram casas e torturaram posseiros e crianças (Reprodução/CPT-RO)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Cerca de 50 famílias de uma comunidade localizada na região de Porto Velho, capital de Rondônia, estão sob ameaça de homens armados, desde o fim de semana, a mando de um fazendeiro. A situação é de extrema violência e pressão, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A organização informou à REVISTA CENARIUM que as pessoas estão ‘sitiadas’: “quem entra, não sai e, quem sai, não volta para a área”, revelou a assessora da CPT, em Rondônia, Amanda Michalski. 

As famílias que conseguiram escapar da zona de conflito, promovida pela grilagem de terras, estão acampadas em frente ao prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sem condições humanitárias. O grupo também relata coação da Polícia Militar (PM) do Estado para deixar o local da manifestação.

Adultos foram torturados para apontar a liderança da comunidade e casas foram incendiadas pelos invasores (Reprodução/CPT)

Despejo criminoso

A situação começou na madrugada do último domingo, 18, no acampamento conhecido como Seringal Belmont, ocupado desde 2014.

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A área pertence à União, sob administração do Incra, e deveria ser revertida à reforma agrária. As famílias obtiveram, neste mês, decisão favorável do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) para permanecer no local, por meio de reintegração de posse, depois de terem sido despejadas, em 2020, durante um dos períodos mais intensos da pandemia de Covid-19. Agora, sofrem com a pressão de um fazendeiro conhecido como “Vieira”.

Ao menos seis homens invadiram a comunidade a mando do latifundiário. Armados com pistolas de calibre 38, eles obrigaram famílias a deixar moradias, incendiaram casas e torturaram posseiros e crianças, segundo a pastoral.

“Esse fazendeiro tem uma porção de terra lá e começou a grilar outras áreas, incluindo a área em que as famílias estão”, explica Michalski. “(…) depois que saiu a decisão da Justiça, elas voltaram para a área. Isso, na sexta-feira passada. Já no domingo seguinte, essas famílias passaram pelo processo de despejo forçado, com ação criminosa dos pistoleiros, a mando do fazendeiro”, acrescentou a assessora.

Tortura

Os pistoleiros retiraram as famílias de suas casas em fila indiana, com mulheres de um lado e homens de outro, para um lugar aberto e começaram a torturá-los, diz a CPT Regional de Rondônia em seu site. A organização também revela que as pessoas foram espancadas para que apontassem a liderança da comunidade. 

Já as crianças e os animais de estimação foram colocados dentro de uma casa. A intenção dos homens, que não sabiam, inicialmente, da presença de crianças e idosos, era queimá-los vivos. “Enquanto ocorriam as torturas, um dos jagunços entrou na casa, levando celulares, documentos e pertences dos posseiros. Em seguida, jogou óleo diesel e ateou fogo no local, onde se encontravam rendidas as crianças, que conseguiram ser salvas por ação da comunidade”, revelou a CPT. Alguns animais, especialmente cães, morreram carbonizados.

À CENARIUM, a CPT confirmou que o fazendeiro continua reivindicando a posse da terra e que o conflito segue nesta terça-feira, 20, com bloqueio de acesso à comunidade.

Manifestação

Segue em curso, também, a manifestação de moradores em frente ao Incra, em Porto Velho. A pastoral revela que policiais militares obrigaram os posseiros do Seringal Belmont a assinarem um termo de presença irregular em frente à unidade.

Famílias chamam atenção para o conflito, com manifestação em frente ao Incra, em Porto Velho (Amanda Michalski/CPT-RO)

“Eles estão sem alimentação, sem água, sem local adequado para ficar em frente ao Incra e foram coagidos pela Polícia Militar (…) algumas famílias permanecem lá, outras já foram dispersadas e outras resistem, mas estão sendo barradas”, lamentou Amanda Michalski, à reportagem.

Histórico

A pastoral explica que a ocupação teve início em 2014, com cerca de 90 famílias, mas que acabaram despejadas, há dois anos, “à revelia, contradizendo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828”, que proíbe ações de remoção, despejos e reintegrações de posse durante a pandemia. Segundo a CPT, as famílias não tiveram acesso à informação no período de isolamento e, por isso, não sabiam da existência de um processo contra elas. 

Depois de serem ouvidas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Justiça de Rondônia concedeu, em 8 de setembro, decisão favorável às famílias, comprovando que a área está destinada à União e que os habitantes detém a posse há sete anos.

Sem respostas

A CPT diz que organizou, na tarde do último domingo, uma comissão composta, além da própria pastoral, pelo Conselho Estadual dos Direitos Humanos, pela Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de Rondônia, Instituto Terra e Justiça e outras organizações que atuam em defesa aos direitos humanos, com objetivo de ir ao local ouvir as famílias e cobrar posições dos órgãos estaduais e federais em segurança pública.

A REVISTA CENARIUM acionou a Polícia Militar do Estado de Rondônia (PM-RO), o governo estadual e as organizações do Incra, em Rondônia e em Brasília, para comentar o caso, mas não obteve respostas até o fechamento da reportagem.

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