Suspeito de matar quatro estudantes nos EUA era psicólogo especializado em mentes criminosas

Bryan Kohberger foi preso sob suspeita de ter assassinado quatro estudantes da Universidade de Idaho (Unidade Correcional do Condado de Monroe/Divulgação/via AFP)
Da Revista Cenarium*

MANAUS – Onze dias antes de quatro estudantes da Universidade de Idaho serem encontrados mortos a facadas em uma casa perto do campus, Bryan Kohberger estava assistindo a uma aula presencial de criminologia em uma faculdade próxima, contribuindo para uma discussão sobre provas forenses, DNA e outros tipos de evidências usadas por promotores para conseguir condenações.

O pós-graduado de 28 anos parecia estar altamente envolvido na discussão, recordou um antigo colega de classe. Era uma matéria que havia muito tempo fascinava Kohberger, que tinha pesquisado a mentalidade de criminosos, estudado com uma professora da Pensilvânia conhecida por sua expertise em serial killers e, nos últimos meses, vinha se preparando para um doutorado em criminologia na Washington State University, a cerca de 16km do local do crime em Idaho.

Menos de dois meses depois, o próprio Kohberger seria alvo de uma investigação criminal, tendo sido preso em 30 de dezembro, acusado de assassinar os quatro estudantes de Idaho.

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Bryan Kohberger foi preso sob suspeita de ter assassinado quatro estudantes da Universidade de Idaho – Unidade Correcional do Condado de Monroe/Divulgação/via AFP

Investigadores ainda não aventaram um possível motivo, mas os detalhes que estão vindo à tona sobre o profundo interesse de Kohberger pela psicologia de criminosos abriram mais uma camada de mistério em um caso que traumatizou a cidade universitária de Moscow, suscitando incontáveis teorias propostas por pessoas em todo o país que acompanharam o caso com horror e fascínio.

Kohberger foi detido na casa de seus pais, em Effort, na Pensilvânia, e instruído a comparecer para uma audiência nesta terça-feira (3). Jason LaBar, o defensor público do condado de Monroe que o está representando, disse que Kohberger vinha acompanhando o caso com interesse, mas ficou chocado quando foi detido.

“Ele espera e prevê que será inocentado, é isso o que ele disse”, afirmou LaBar. Segundo o advogado, Kohberger não vai contestar o esforço de fazê-lo voltar a Idaho para ser indiciado. No domingo LaBar divulgou um comunicado dos pais e duas irmãs de Kohberger, expressando amor e apoio a ele e declarando ter cooperado com a polícia para “promover sua presunção de inocência”. Além disso, disseram estar orando pelas vítimas.

Kohberger cresceu numa cidade de subúrbio no leste da Pensilvânia e estudou no colégio Pleasant Valley, em Brodheadsville, onde antigos colegas lembraram que ele tinha uma mente analítica, mas às vezes agia com crueldade. Thomas Arntz ficou amigo de Kohberger quando ambos iam e vinham no ônibus escolar em 2009. Disse que a amizade terminou em 2014 quando brincadeiras sem malícia entre amigos viraram maldosas e Kohberger passou a às vezes apertar seu pescoço em uma chave de braço.

“Com o tempo a coisa foi ficando tão ruim que eu simplesmente me fechava quando estava perto dele”, contou Arntz, que hoje tem 26 anos. “Acabei tendo que cortar relações com ele.”

Amigos de Kohberger na Pensilvânia disseram que no início do ensino médio ele estava viciado em heroína, mas nos anos recentes parecia ter superado a dependência.

Jack Baylis, que ficou amigo de Kohberger na oitava série, disse que ele era fascinado por entender o que levava as pessoas a agir como agiam e que pareceu ter gostado de trabalhar como segurança do Distrito Escolar de Pleasant Valley, o que fez por vários anos até 2021.

A última vez que Baylis viu Kohberger foi em 2021, quando eles praticaram airsoft (jogos em que os praticantes simulam operações policiais com armas que disparam projéteis não letais). Na época, disse Baylis, Kohberger usava um veículo Hyundai Elantra branco, o mesmo modelo de carro que a polícia de Moscow informou que foi visto perto da casa das vítimas de Idaho na noite dos ataques. “Estou rezando para ele ser inocente”, disse Baylis.

Em um restaurante de Moscow, velas em memória dos quatro estudantes assassinados em Idaho – Margaret Albaugh – 31.dez.22/The New York Times

Depois de se formar em psicologia em uma faculdade comunitária em 2018, Kohberger foi para a Universidade DeSales, instituição católica em Center Valley, na Pensilvânia, estudar psicologia e justiça criminal. Uma de suas professoras foi Katherine Ramsland, psicóloga forense conhecida cujos livros incluem “The Mind of a Murderer” (a mente de um assassino) e “How to Catch a Killer” (como pegar um assassino). Ramsland se negou a comentar.

Kohberger era uma pessoa que falava pouco, mas era vista como inteligente, disse Brittany Slaven, colega dele em vários cursos na DeSales. Ela lembrou uma instância em uma das aulas de Ramsland em que os alunos tinham que olhar fotos da cena de um crime e deduzir o que acontecera, dizendo que Kohberger prontamente propôs ideias.

Ele demonstrava interesse especial por cenas de crimes e serial killers, disse Slaven. “Na época parecia apenas que ele era um estudante curioso. Se suas perguntas pareciam estranhas, isso não chamou nossa atenção, porque se inseria no contexto do currículo.”

Em uma publicação no Reddit, há sete meses, um usuário que se identificou como Bryan Kohberger pediu a pessoas que haviam passado tempo na prisão para participarem de uma pesquisa sobre os crimes que cometeram. Na pesquisa Kohberger era identificado como pesquisador estudante que estava trabalhando com dois professores da Universidade DeSales. Foi pedido que os participantes descrevessem seus “pensamentos, emoções e ações desde o início até o processo de cometer o crime”.

A Universidade DeSales disse que Kohberger se formou bacharel pela instituição em 2020 e concluiu seu mestrado em junho de 2022. Um porta-voz da universidade disse que a pesquisadora principal na pesquisa sobre crimes –Michelle A. Bolger, cujo nome consta no site da universidade como professora associada— e seus colegas não vão conceder entrevistas sobre suas experiências de trabalho com Kohberger. O professor assistente citado como o principal copesquisador, Jeffrey E. Clutter, não respondeu a várias mensagens.

Kohberger então se mudou para Pullman, no estado de Washington, onde iniciou o semestre em agosto no programa de pós-graduação em criminologia na Washington State University.

Mensagem de apoio a policiais e investigadores que trabalham no caso dos quatro assassinatos em Moscow, no estado de Idaho – Margaret Albaugh – 31.dez.22/The New York Times

Na manhã de 13 de novembro, depois de uma noite de sábado recheada de festas universitárias e uma partida de futebol da Universidade de Idaho, quatro estudantes foram encontrados mortos a facadas na casa alugada em Moscow onde três deles residiam.

Madison Mogen, 21, Kaylee Gonçalves, 21, Xana Kernodle, 20, e Ethan Chapin, 20, foram atacados em pelo menos dois quartos separados, provavelmente enquanto dormiam, segundo investigadores. As três mulheres viviam na casa. Chapin estava passando a noite com Kernodle, sua namorada.

A brutalidade das mortes –segundo o médico legista, os quatro estudantes foram apunhalados com uma faca comprida— e a ausência de qualquer suspeito criaram um clima de medo em Moscow, cidade que não registrava um homicídio havia sete anos.

Estudantes começaram a andar em grupos. Moradores passaram a checar as fechaduras de suas portas e janelas. Uma entregadora disse que mais pessoas começaram a pedir comida por delivery, para evitar sair de casa depois do anoitecer. E a polícia começou a receber inúmeras ligações de moradores nervosos: um homem de aparência suspeita, um motorista acelerando seu carro, barulhos na noite.

A polícia adotou medidas de segurança nos dois campi universitários, acrescentando patrulhas adicionais e promovendo oficinas de autodefesa.

Na Washington State, Kohberger continuava com seus estudos, disseram seus colegas de classe. B.K. Norton, que fazia os mesmos cursos que Kohberger, disse que o silêncio e a expressão intensa deste deixavam alguns de seus colegas incomodados.

Outro estudante disse que Kohberger parecia interessado nos processos mentais de criminosos enquanto cometiam crimes e não tão interessado nos fatores sociais que podiam levar as pessoas a cometer crimes, dizendo acreditar que algumas pessoas não têm como evitar infringir a lei. O colega, que pediu anonimato para falar porque temia que falar publicamente pudesse comprometer sua segurança física, descreveu Kohberger como a “ovelha negra” da classe, frequentemente defendendo pontos de vista contrários e entrando em discussões com seus pares, especialmente mulheres.

O colega lembrou de uma ocasião em que Kohberger começou a explicar um conceito elementar de criminologia a uma colega doutoranda, que o acusou de “mansplaining” (quando um homem explica algo de forma simplificada a uma mulher, supondo que, por ser mulher, ela desconhece o assunto ou é incapaz de entender os detalhes). Seguiu-se uma discussão acalorada, e a doutoranda acabou saindo da sala de aula, irritada.

Uma equipe de investigadores de agências locais e estaduais, além de mais de 60 agentes do FBI, foram a Moscow por ocasião do crime. Peritos forenses vasculharam a casa em busca de evidências físicas, incluindo DNA, e procuraram a arma do crime —em vão.

Memorial em homenagem a vítimas dos quatro assassinatos ocorridos em Moscow, no estado americano de Idaho – Lindsey Wasson – 29.nov.22/Reuters

As autoridades lançaram um apelo por informações e vídeos. Milhares de investigadores amadores em todo o país aventaram várias pessoas como possíveis responsáveis pelo crime: o ex-namorado de uma das vítimas, um homem que estava com duas das vítimas quando elas compraram comida, dois colegas que estariam dormindo na casa quando o crime ocorreu, mas que, aparentemente, continuaram dormindo.

Nenhum dos grupos de discussão online apontou para Kohberger. Não está claro se ou como ele conhecia as vítimas.

A polícia tentou coibir os boatos, excluindo várias pessoas da lista de suspeitos, mas as acusações chegavam constantemente e às vezes a polícia parecia não conseguir excluir nomes com suficiente presteza. Quase todos os detalhes da investigação foram ocultados, causando frustração e levando algumas pessoas, entre elas familiares das vítimas, a questionar publicamente se a polícia estava à altura da tarefa.

Mesmo assim, os investigadores trabalharam durante as festas de fim de ano, processando milhares de informações e evidências colhidas na cena do crime e proximidades. Quando anunciou a prisão de Kohberger, no dia 30, o chefe de polícia de Moscow, James Fry, disse que a polícia tinha localizado um carro Hyundai Elantra branco, mas que ainda não tinha encontrado a arma do crime.

Fry parecia exausto e quase em lágrimas quando anunciou a prisão numa entrevista coletiva, deixando claro que os investigadores ainda procuram informações para ajudar a responder as perguntas ainda sem resposta: o suspeito agiu sozinho? O que motivou o crime?

“Podem ficar certos que o trabalho não acabou”, disse Fry. “Está apenas começando.”

(*) Com infomações da Folhapress

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