Única candidata mulher ao comando do Inpa abandona pleito em meio à pressão

A doutora em Ecologia e Biologia Evolutiva Marina Anciães (Youtube/Museu da Amazônia)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A doutora em Ecologia e Biologia Evolutiva Marina Anciães desistiu de concorrer ao cargo de diretora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) na reta final do processo de formação da lista tríplice, que encerra nesta quinta-feira, 24. De acordo com ela, a motivação se deu por uma série de pressões internas que tumultuam o pleito.

Com a saída da pesquisadora, restam três candidatos na disputa: Bruce Rider Forsberg (pesquisador aposentado do Inpa), Carlos Cleomir de Souza Pinheiro (pesquisador do Inpa) e Henrique dos Santos Pereira (professor da Universidade Federal do Amazonas – Ufam). Os nomes vão ser enviados à ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, responsável por escolher o novo dirigente.

Bruce Rider Forsberg, Carlos Cleomir de Souza Pinheiro e Henrique dos Santos Pereira concorrem ao cargo de dirigente do Inpa (Divulgação)

Marina Anciães concluiu o doutorado em Ecologia e Biologia Evolutiva pela Universidade do Kansas, nos Estados Unidos. Além disso, atualmente, ela coordena o Programa de Pós-Graduação (PPG) em Ecologia do órgão e, também, está à frente da Coordenação-Geral de Pesquisa, Capacitação e Extensão, cuja atuação envolve o trabalho direto com 75% dos servidores do Inpa.

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À REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, a pesquisadora disse que a decisão de desistir do pleito foi lamentada pela Comissão de Busca, encarregada pela seleção. “Acharam [membros da comissão] uma grande pena, alegando que eu tenho um currículo excelente, e falaram, ainda, que gostariam de ver uma concorrência maior (…) [Acredito que teria boas chances] Por eu estar na direção de um importante curso de pós-graduação do Inpa e Amazônia, há quase um ano, estou alinhada ao que se pede e espera de um cargo de alta gestão”, ressalta.

Marina Anciães também relata que o órgão enfrenta questões internas complexas na administração por ausência de diálogo. Ela pontua que problemas como relações interpessoais difíceis, cultura de reatividade, pouco protagonismo na gestão, escassez de pessoal e falta de proatividade entre os pares foram determinantes para que ela retirasse a candidatura à diretoria, especialmente por movimentações de um grupo apoiador de outro postulante ao pleito.

“Entendo que a gestão é um trabalho feito a múltiplas mãos, bem como que o Inpa precisa que todas as mãos estejam dispostas para se reerguer. Por isso, me candidatei e, logo a seguir, tentei dialogar com apoiadores do candidato Henrique Pereira, mas sem sucesso. Em contrapartida, recebi deles difamação e assédio moral em redes sociais e até na mídia (…) precisamos defender uma democracia verdadeira, independente de viés político ou gestão”, conta.

Controvérsias

O processo de escolha do novo diretor do Inpa passa por controvérsias que envolvem o pesquisador Henrique dos Santos Pereira, candidato à vaga. Ele foi denunciado por um grupo de pesquisadores ao Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas por “más práticas científicas”. O documento está no Núcleo Cível da Procuradoria da República no Amazonas e foi protocolado no dia 8 deste mês.

O professor da Ufam é autor do estudo que apontou “Manaus como primeira cidade a vencer a pandemia de Covid-19”, antes da segunda onda da pandemia. O levantamento foi publicado no Boletim Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Atlas Amazonas (ODS Atlas Amazonas) em 10 de maio de 2020.

A denúncia contra o pesquisador Henrique dos Santos Pereira, candidato a diretor do Inpa, foi recebida pelo Núcleo Cível da Procuradoria da República no Amazonas no dia 8 de agosto (Reprodução/MPF-AM)

A denúncia se baseia no artigo científico “Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia”, no qual mostra que o estudo de Henrique Pereira levou instituições a flexibilizarem medidas sanitárias naquela época.

CENARIUM teve acesso à denúncia que está assinada por seis cientistas, são eles: Alexandre Celestino Leite Almeida (Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ), Jeremias Leão (Universidade Federal do Amazonas – Ufam), Ruth Camargo Vassão (Instituto Butantan de São Paulo), Rodrigo Machado Vilani (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), Unaí Tupinambás (UFMG) e Lucas Ferrante (Ufam).

Movimento de solidariedade

Em apoio ao pesquisador Henrique Pereira, um grupo de cerca de 100 pesquisadores, analistas e técnicos do Inpa divulgaram um manifesto de solidariedade em 14 de agosto, assim como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para Marina Anciães, a divisão na comunidade científica causada pela candidatura de Henrique Pereira faz parte do processo político, mas se tornou complexa no decorrer da seleção do novo diretor do órgão.

“Vejo com naturalidade a divisão, parte do processo democrático. Antes das denúncias a respeito da ética científica do candidato, meu receio era sobre muitos dos apoiadores dele serem bastante radicais e de diálogo difícil. Após as denúncias, fiquei bastante surpresa e considerei bastante insatisfatório o nível da comunicação que se seguiu. Como sociedade acadêmica, nosso discurso deve ser condizente com a conduta científica, de consultar as fontes antes de julgar. Isso não me parece ter sido feito por todos”, ressaltou.

Leia também: MPF recebe denúncia contra autor de pesquisa que negou segunda onda de Covid-19 no AM

A pesquisadora também afirmou que, ao mesmo tempo que apoiadores de Henrique Pereira tentam blindar a imagem dele diante da oposição, eles também realizam uma série de ataques a ela. “Autoraram uma carta em defesa do candidato alegando mentira e difamação ao mesmo, estando, porém, fazendo o mesmo a meu respeito nas mídias, com conteúdo mentiroso e ofensivo. Vale lembrar que entrei na gestão há quase um ano, fui eleita pelo colegiado do PPG Ecologia, pelo qual não fui considerada ser de determinado partido ou não”, disse.

Marina Anciães também relata situações de pressões políticas do órgão: “Entrei na atual coordenação geral em dezembro, com intenção de seguir auxiliando o Inpa. No entanto, foi mais importante me colocarem de um lado ou de outro do que entenderem que eu estava sem lado, apenas. Na gestão, não deve haver lados para seguirmos adiante”.

Questionada pela reportagem sobre a conduta científica de Henrique Pereira, ela diz que as avaliações devem ser feitas pelos órgãos competentes. “Acredito que os fatos estejam fundamentados e documentados e as decisões serão tomadas nas devidas instâncias, se não pelo comitê, pelo MP ou posteriormente. Mal posso imaginar a dificuldade que esteja sendo para o candidato, pois assumiu um risco muito grande em 2020”, finalizou.

Seleção

A seleção dos indicados ao cargo de diretor do Inpa é feita pela Comissão de Busca, que tem como presidente o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e ex-deputado federal pelo Estado Eronildo Bezerra, mais conhecido como Eron Bezerra. Integram também o colegiado os cientistas Gilberto Fisch (Universidade de Taubaté – Unitau), Mariângela Hungria da Cunha (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -Embrapa), Silvio Silvério da Silva (Universidade de São Paulo – USP) e Wagner Cotroni (Universidade Estadual de São Paulo – Unesp).

As etapas da escolha consistem na análise dos currículos e memoriais escritos dos candidatos, além de projeto de gestão, exposição oral pública do projeto de gestão e entrevista individual com a Comissão de Busca. Na tarde de quarta-feira, 23, foi realizada a apresentação pública dos candidatos, conforme cronograma da seleção.

A sede do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus (Divulgação)

Nesta quinta-feira, 24, pela manhã, vão ser realizadas as entrevistas privativas de 40 minutos para cada um dos candidatos e, à tarde, a Comissão se reúne para elaborar a ata, carta e a lista tríplice a ser encaminhada à ministra Luciana Santos.

Leia mais: EDITORIAL – A eleição do Inpa e o compromisso com a sociedade
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