Ação que cassou governador bolsonarista de Roraima partiu do Avante de André Janones

O governador de Roraima, Antonio Denarium, e o vice, Edilson Damião, realizam entrega das cestas básicas (Reprodução/Redes Sociais)
Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia

BOA VISTA (RR) – Uma ação ingressada pelo partido Avante, em 2022, foi o fator-chave para a cassação do governador de Roraima, Antonio “Denarium” (Progressistas), nesta segunda-feira, 14, pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RR). Ao decidir pela perda do mandato de “Denarium”, os magistrados acolheram o argumento do partido de que o governador cometeu crime eleitoral ao distribuir 50 mil cestas básicas por meio do programa “Cesta da Família”, no ano passado.

“Denarium” é apoiador de Jair Bolsonaro no Estado de Roraima e contou com mais de 76% dos votos para o ex-presidente. O Avante é comandado pelo deputado federal André Janones, aliado do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), contudo, o partido entrou com uma ação sob alegação de que, ao criar o novo nome para o programa, o governador de Roraima fez uso de dois programas sociais destinados a pessoas carentes para obter vantagem eleitoral, com embasamento na Lei N° 1.639, de 24 de janeiro de 2022, alterando o nome do programa. O partido pediu a cassação do diploma eleitoral, a inelegibilidade e o pagamento de multa por parte do governador.

A decisão pela cassação de “Denarium” ocorreu com quatro votos a favor e três contra. Votaram a favor os juízes Joana Sarmento, Tânia Vasconcelos, Elaine Bianchi e o relator, Felipe Bouzada. As votações contrárias ao mandatário de Roraima foram dos juízes Francisco Guimarães, Ataliba Albuquerque e Luiz Alberto.

PUBLICIDADE

O juiz Felipe Bouzada, relator da representação, explicou que em 2020, ano de pandemia, o governo destinou R$ 4 milhões para o mesmo fim e liquidou apenas R$ 2 milhões. Em 2021, destinou R$ 5,4 milhões e aplicou somente R$ 3,5 milhões. Por outro lado, em 2022, ano das eleições, o governador destinou R$ 134 milhões e, em apenas quatro meses, havia liquidado R$ 11 milhões.

“A gente sabe que é uma instabilidade péssima para qualquer unidade federativa perder o seu governador. Todavia, a minha conclusão é essa. O governador, desde 2020, tinha a prerrogativa de aumentar para 50 mil beneficiários, por intermédio da autorização da Lei 1.386. A gestão estadual deveria pressupor que o repasse federal iria ser encerrado no ano de 2021, então, por que razão não ter aumentado por decreto? Era um ato unilateral do governador. Poderia ter aumentado o número de beneficiários já no programa anterior. Aí haveria agregação de qualquer quantitativo de pessoas, mas não em março de 2022, ano eleitoral”, avaliou o magistrado à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA.

Além disso, Bouzada também pontuou que, para entregar bens ou renda durante ano eleitoral, o governador teria que ter criado uma lei destinada ao programa e ter colocado em dotação orçamentária de forma prévia. Entretanto, ele criou a lei somente em 2022. O juiz complementa que os números são provas contundentes para apontar a conduta vedada.

“Confesso que é exatamente isso que, no meu sentido, é o que visa evitar a legislação eleitoral. Se a pessoa recebe um benefício pago por um governador, a tendência é votar no mesmo governador porque, para essa pessoa, o governador vai continuar pagando o benefício. Os números são as provas objetivas. Não precisa ter fala sobrfe essa distribuição de recursos. Não precisa nem de personalidade e nem comprovar que houve efetiva demonstração de que ele angariou votos com as condutas adotadas”, finaliza.

Cestas básicas foram distribuídas durante ano eleitoral (Divulgação/Governo de Roraima)

A defesa de “Denarium”, o advogado Francisco Chagas Batista, que representa a coligação “Roraima Trabalhando e Deus Abençoando”, afirma que não houve a criação de um programa, e que “apenas houve um mero alinhamento estabelecido entre o programa social “Renda Cidadã” e o programa “Cesta da Família”.

Em nota, o advogado de “Denarium” fala que vão usar todos os recursos possíveis para garantir a permanência do mandato. “Se houver o caso de obscuridade [no acórdão], vamos interpor embargo de declaração […]. Se não houver obscuridade e contradição, vamos interpor recurso ordinário ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, declarou.

Batista explicou que o embargo declaratório “serve para integralizar o resultado do julgamento”. Havendo contradição no julgamento de hoje, obscuridade ou omissão, aí é caso de opormos embargos de declaração. E não havendo, é o caso de interpormos recurso ordinário de forma direta (no TSE)”, disse o advogado.

Instabilidade

Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Roberto Ramos, a cassação de Antonio Denarium é a quarta que o Estado está vivenciando em 19 anos, o qual evidencia que o jogo político em Roraima tem sido marcado pela corrupção.

“Já existe a percepção entre os candidatos de que é preciso burlar a legislação eleitoral para se obter ganhos durante as eleições. A compra de votos se tornou uma regra dentro das eleições e o Judiciário tem atuado de forma efetiva para punir os casos, mas durante o período em que a defesa provavelmente vai recorrer, o Estado vai ficar praticamente parado em termos econômicos e institucionais por conta dessa instabilidade”, avalia Ramos.

Para o cientista são necessários mais firmeza e fiscalização na transparência dos recursos públicos. “É preciso que essas medidas de fiscalização sejam efetivas na campanha eleitoral para evitar que esse histórico em Roraima se perpetue. Temos temas importantes a serem discutidos nos próximos meses, como o Linhão [de energia Manaus-Boa Vista], e essa instabilidade precisa ser evitada para que tudo ocorra bem. As eleições de 2024 precisam ser um novo ciclo de eleições limpas”, complementa Ramos.

Antes de “Denarium”, outros três governadores foram cassados em Roraima em menos de 20 anos: Flamarion Portela, em 2004; Anchieta Júnior, em 2011, e Chico Rodrigues, em 2014.

Entenda o caso

“Denarium” foi condenado a perder o mandato por conduta vedada ao ampliar o número de beneficiários do programa “Cesta da Família”, em 2022, ano eleitoral. O governador foi reeleito no ano passado, para o segundo mandato, com 163.167 dos votos, 56,47% do total de votos no primeiro turno. Antes de tomar posse como governador para o primeiro mandato, em 2019, ele assumiu o comando do Estado como interventor federal nomeado pelo então presidente Michel Temer (MDB). O mandato como governador, em 2018, foi o primeiro cargo público exercido por ele. Antes, era empresário do ramo de agronegócio.

A conduta vedada é quando um gestor tem limitações de ações durante o ano eleitoral. Um dos motivos é para que haja uma concorrência justa durante o pleito. Conforme o partido Avante, autor da ação, o governador criou o programa de distribuição de renda “Cesta da Família”, em janeiro de 2022, ano das eleições. O projeto já existia anteriormente, mas com outro nome – Renda Cidadã – e número bem inferior de beneficiários.

Segundo o Avante, o programa beneficiava 10 mil famílias em 2021. No entanto, em 2022, esse número aumentou para 50 mil famílias.

“Houve significativo aumento do número de beneficiados dos projetos sociais decorrentes da aprovação da lei supramencionada. No ano de 2022, os representados já gastaram mais que o dobro dos exercícios 2020 e 2021, com verbas destinadas ao fortalecimento da política de segurança alimentar e nutricional – cerca de R$ 11.166.595,84″, justifica a acusação.

O Ministério Público Eleitoral de Roraima (MPE-RR) não aceitou o argumento da defesa e se posicionou de forma favorável à procedência da representação apresentada pelo Avante contra “Denarium”.

Além da cassação do mandato, a presidenta da Corte, em Roraima, desembargadora Elaine Bianchi, proclamou a imposição de multa de 100 mil Ufirs (Unidades Fiscais de Referência), o equivalente a R$ 47,1 milhões para o governador e de 20 mil Ufirs para sua cunhada, (equivalente a R$ 9,4 milhões) a secretária estadual do Trabalho e Bem-Estar Social, Tânia Soares, também citada na ação. A defesa planeja entrar com recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para manter o mandato do governador de Roraima.

“Se houver o caso de obscuridade [no acórdão], vamos interpor embargo de declaração […]. Se não houver obscuridade e contradição, vamos interpor recurso ordinário ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, declarou.

Batista explicou que o embargo declaratório “serve para integralizar o resultado do julgamento”. “Havendo contradição no julgamento de hoje, obscuridade ou omissão, aí é caso de opormos embargos de declaração. E não havendo, é o caso de interpormos recurso ordinário de forma direta no TSE”, disse o advogado.

Leia mais: TRE cassa mandato de governador de Roraima, Antonio Denarium
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.