Apesar de recuperação recorde em volume hídrico, Brasil continua ‘secando’

Situação impacta vida selvagem: Pantanal passa por um período seco, enquanto o Pampa chega ao menor nível de abundância em água desde o início do levantamento (Reprodução/Sesc Pantanal)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – “O Brasil está secando”. Esta é a conclusão da rede MapBiomas, que avaliou a perda de recursos hídricos em mais de 30 anos. Tempo suficiente para que 1,5 milhão de hectares de superfície de água desaparecessem do País, segundo estudo lançado nesta quarta-feira, 15. 

A exceção foi o ano passado, que fechou com a recuperação de 1,7 milhão de hectares em corpos d’água. Uma alta de 10% em relação a 2021, ano que foi o de menor superfície na série histórica iniciada em 1985. Por isso, o País ficou1,5% acima da média, que é 17,9 milhões de hectares cobertos por água. Visto como um “alívio” para os pesquisadores, 2022 foi o primeiro ano, em quase uma década, em que a superfície de água no Brasil ultrapassou a marca dos 16 milhões de hectares

Entre os biomas, apesar de ter sido o quarto que mais perdeu água, nas últimas três décadas, a Amazônia foi o segundo ecossistema que mais recuperou volume hídrico em 2022: 6,2%, seguida pelo Cerrado, que teve ganho de 11%. Na contramão, o Pantanal ainda passa por um período seco e, o Pampa chegou ao menor nível de abundância desde o início do levantamento.

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Além de impactar a vida selvagem, a queda do volume e da qualidade da água geram mais queimadas, especialmente, no Pampa e no Pantanal (Edu Fragos/Reprodução)

Hoje, o País tem 2% de seu território coberto por água, área equivalente a quatro vezes o Estado do Rio de Janeiro. Ao todo, o Brasil concentra 6% de toda a superfície hídrica e 12% das reservas de água doce do planeta.

Década mais crítica

A CENARIUM ouviu um time de especialistas no assunto, que avalia os dados e seus impactos na biodiversidade. Respondem, conjuntamente, o coordenador técnico do MapBiomas Água, Juliano Schirmbeck; a jornalista e assessora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Fernanda Costa, e a especialista em Conservação do WWF-Brasil, Helga Correa.

“A mudança no cenário de 2021 para 2022 gera, sim, um alento, mas não colocaríamos como motivo de comemoração, estamos observando uma redução quase constante na superfície de água no Brasil”, alertam o pesquisadores.

Apesar do “sinal de recuperação que 2022 representou”, os indicadores apontam uma tendência predominante de redução da disponibilidade de água no Brasil. Segundo a rede colaborativa, o intervalo entre 2013 e 2021 engloba os dez anos com menor superfície hídrica, evidenciando que a última década foi a mais crítica. 

Última década foi a mais crítica para a perda de áreas cobertas por água no País, segundo a rede MapBiomas (Thiago Alencar/CENARIUM)

“Vale destacar que o monitoramento da superfície de água é o monitoramento de um fenômeno cíclico, onde temos variações dentro de um próprio ano, com meses mais secos e outros mais úmidos”, explicam.

Um exemplo é que de 2017 a 2020, sete em cada 12 meses do ano ficaram com volume abaixo da média anual. O estudo sustenta que 2022 foi uma exceção porque, em todos os meses daquele ano, houve acréscimo na superfície de água em relação a 2021.

O levantamento ainda destaca que mesmo com esse aumento geral em 2022, 33%, ou seja, um terço das bacias e regiões hidrográficas do País tiveram perda de água, ficando abaixo da média histórica. E associa o ganho de superfícies, em alguns casos, a hidrelétricas, como o da bacia do Araguaia-Tocantins. 17% do território brasileiro teve perda e 21% teve ganho. 

Desmatamento e garimpo ilegais também impactam negativamente a disponibilidade de água no Brasil (Reprodução)

Outro fator que impulsiona a variação do volume é o regime de chuvas. “Observamos um aumento de eventos de precipitação em grande parte do País, com chuvas acima da média. Isso trouxe a recuperação observada em nossos dados, mas vivemos momentos de mudanças climáticas, os quais nos indicam que, cada vez mais, vamos ter eventos e situações extremas. Também estamos passando por um evento de La Ninã, que influencia no regime de precipitação do Brasil, reduzindo chuvas no sul do País e aumentando na parte central e Norte”, detalham os especialistas.

Biomas mais secos

Segundo o estudo, todos os biomas brasileiros perderam água entre 1985 e 2022. A situação mais crítica é a do Pantanal, que teve queda de 81,7% nesses 37 anos. Depois, vem a Caatinga, com perda de 19,1%, ou seja, um quinto de sua superfície de água. Em terceiro, a Mata Atlântica, com queda de 5,7%, seguida da Amazônia, com 5,5%, do Pampa, 3,6%, e do Cerrado, 2,6%. 

O resultado da seca no Pantanal foi a liderança de Mato Grosso do Sul entre os Estados com maior perda de recursos hídricos.

Pantanal e Caatinga lideram perda de superfícies de água dos biomas entre 1985 e 2022 (Thiago Alencar/CENARIUM)

Já em 2022, a superfície de água nos biomas ficou acima da média da série histórica, exceto no Pampa e no Pantanal. 

“Para ambos os biomas, a quantidade e qualidade de água existentes é determinante para a existência da biodiversidade local. Espécies que vivem nos rios são impactadas pela redução do habitat [quantidade de água], mas também são afetadas por fatores como redução da qualidade da água, causada pela entrada de solo e poluição vindas das áreas desmatadas. Tudo isso afeta as condições de sobrevivência e reprodução das espécies aquáticas”, destacam Juliano Schirmbeck, Fernanda Costa e Helga Correa.

Na mesma medida, animais terrestres também pagam a conta, segundo o pesquisador. São espécies como a onça-pintada, que “dependem da produtividade das áreas alagadas no Pantanal para garantir a abundância de presas”, explica. “Além disso, podemos citar o impacto negativo que atividades econômicas como o ecoturismo e a pesca esportiva sofrem, afetando as possibilidades do desenvolvimento econômico local”, avaliam.

Outro resultado negativo é o aumento nas ocorrências de queimadas tanto no Pantanal quanto no Pampa, devido à seca.

Situação da Amazônia

Na maior floresta tropical do planeta, o aumento foi de 13% em relação a 2021, o que deixou o bioma com superfície de água superior a 11 milhões de hectares. A região foi responsável pela quinta maior área de superfície hídrica mapeada no levantamento. No entanto, a tendência ainda é de queda.

“Apesar de a Amazônia ter visto a sua superfície de água aumentar em 2022 por causa da maior ocorrência de chuvas, devido ao La Niña, esse foi o primeiro ano em que o bioma ficou com a superfície hídrica acima da média, depois de 12 anos consecutivos abaixo”, comparam os pesquisadores. “Podemos dizer que a Amazônia ainda está secando”, afirmam eles à CENARIUM

Vista aérea do Rio Amazonas, o maior do mundo em volume de água e extensão territorial (Chico Batata/Reprodução)

De acordo com os porta-vozes do MapBiomas, Imazon e WWF, durante todo o período do mapeamento, o bioma passou 23 anos com superfície de água abaixo da média, 14 anos acima da média e, um ano, apenas, na média da série histórica.

“Isso é extremamente preocupante para a Amazônia, pois a vida de diversos povos e comunidades tradicionais depende, diretamente, da água, como os indígenas, ribeirinhos, extrativistas e quilombolas”, disseram. 

“Os rios são meios de alimentação, geração de renda e deslocamento para esses grupos, inclusive, para acessar serviços básicos de saúde e educação. Além disso, a seca na Amazônia prejudica a produtividade de culturas de várzea, como o açaí, importante produto da sociobiodiversidade do bioma”, ressaltou ainda. 

Desmatamento e garimpo

A crise sanitária e humanitária vivida pelos indígenas Yanomami, causada especialmente pelo garimpo, bem como o avanço do desmatamento ilegal, que superou 11 mil quilômetros quadrados em 2022, na Amazônia, também estão ligados à redução na disponibilidade de água no País. 

“Sabemos que o regime de precipitação da maior parte do Brasil é regido pelos ditos rios voadores, que consistem no serviço ecológico da floresta, de jogar para atmosfera o vapor de água pelo processo de evapotranspiração. Esse vapor é levado por ventos que chocam com a Cordilheira dos Andes e desviam em direção à região central do Brasil. De conhecimento desse padrão das formações das chuvas, podemos dizer que a preservação da Floresta Amazônica, ou seja, a redução do desmatamento, nos ajuda a preservar os recursos hídricos do País”, defendem os especialistas ouvidos pela reportagem.

Canteiro de garimpo ilegal na região do Rio Uraricoera, na Terra Yanomami, em Roraima, produz imensa clareira de destruição (Divulgação/Isa)

Um recorte do estudo do MapBiomas mostra que 8% da água disponível na Terra Indígena (TI) Yanomami fica a, pelo menos, 1 quilômetro de distância dos garimpos ilegais. São mais de 1 milhão de hectares em recursos hídricos sob ameaça. 

“Por isso, além de ações nacionais, precisamos de medidas focadas na realidade amazônica para a proteção dos rios, principalmente, nas áreas protegidas”, conclui.

Leia também: Duas em cada dez espécies ameaçadas de extinção estão no Brasil; 70% da vida selvagem desapareceu em 50 anos

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