Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras reivindica representatividade na diplomacia

A expectativa de ver o presidente Lula (PT) nomear a primeira chanceler foi frustrada, mas o chanceler Mauro Vieira prometeu mudanças - e nomeou a primeira secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha (Reprodução/EBC)
Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA – Fundada na segunda-feira, 16, a Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras tem como uma de suas principais reivindicações o cumprimento das promessas do chanceler Mauro Vieira de trabalhar pela equidade de gênero no Ministério das Relações Exteriores.

O grupo espera que, em seis meses, Vieira baixe uma portaria que possibilite aumentar o número de mulheres em cargos de liderança no Itamaraty. Hoje, 23% dos diplomatas são mulheres, mas elas ocupam apenas 12,2% dos postos de chefia no exterior — muitos dos quais em consulados. Vagas estratégicas nas embaixadas e em secretarias importantes da pasta continuam redutos masculinos.

A embaixadora Irene Vida Gala, subchefe do escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo
A embaixadora Irene Vida Gala, subchefe do escritório do Ministério das Relações Exteriores, em São Paulo (SEC/Unicamp)

“Achamos que o ministro está na posição de passar a seguinte mensagem: ‘Olha, vocês queriam uma mulher [titular do ministério]. Eu sou homem, mas tenho o propósito de criar condições para que eu seja sucedido por uma mulher; está nas minhas mãos entregar oportunidades de postos importantes para mulheres, para que elas possam ascender'”, diz à Folha a embaixadora Irene Vida Gala, subchefe do Escritório de Representação do Itamaraty, em São Paulo, e presidente da associação.

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A expectativa de ver o presidente Lula (PT) nomear a primeira chanceler foi frustrada, mas Vieira prometeu mudanças — e nomeou a primeira secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha. 

De onde veio a ideia de criar uma associação para diplomatas mulheres? Há uma ameaça à evolução da nossa carreira, e a gente tem que se unir. A ameaça é o teto de vidro, é ver nossa carreira tolhida por uma cultura institucional que não oferece espaço para mulher.

Vocês têm levantamentos mostrando a disparidade no número de mulheres em postos estratégicos? Um exemplo é a embaixada em Moscou [capital da Rússia], onde 92% dos diplomatas são homens, porque há essa ideia de que a cidade é uma área de política de segurança, não muito adequada para mulheres.

A área econômica também é, essencialmente, masculina. Na representação do Brasil na Organização Mundial do Comércio, 78% dos diplomatas são homens, e nenhuma das mulheres que servem lá têm cargo de liderança [acima de conselheiro, na hierarquia do Itamaraty].

O caso mais dramático é a estratégica embaixada em Pequim [China], que tem 92% de homens e nenhuma mulher em cargo acima de conselheira. Mas nem precisa ir longe. Na embaixada em Buenos Aires [Argentina], 82% dos diplomatas são homens, sendo que nenhuma das mulheres tem cargo acima de conselheira [a expectativa é que Lula nomeie uma embaixadora para o posto].

Mesmo considerando que há menos mulheres no Itamaraty — são 23% dos diplomatas —, ainda há disparidade em cargos de liderança. Já na representação do Brasil junto à ONU, em Genebra, que cuida de direitos humanos, tema visto como “mais feminino”, há 33% de mulheres, metade das quais com cargo de liderança. Nos postos da África, onde há poucos candidatos, há muitas diplomatas mulheres.

Uma colega diz que as diplomatas ficam restritas às áreas “femininas” do Itamaraty: o Departamento de Serviço Exterior, o “RH do ministério”, que cuida das famílias; o Instituto Rio Branco, que cuida das “crianças” [com cursos preparatórios da carreira]; e os consulados, que cuidam dos necessitados.

Primeira secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha (Reprodução/Agência Senado)

No discurso de posse, Mauro Vieira se comprometeu a aumentar o número de mulheres e pessoas negras em posições de liderança. Isso é suficiente? Ficamos muito felizes por ele ter dito isso. Agora, o próximo passo é isso se materializar, termos uma política oficial. Nossa expectativa é que já se tenha progredido bastante nesse ponto, em seis meses, a tempo para as próximas promoções.

Podemos ter uma primeira institucionalização, com uma portaria assinada pelo ministro, depois um decreto-lei presidencial e, eventualmente, uma lei aprovada no Congresso, que daria ainda mais solidez.

O que gostariam de colocar no papel? Um plano de porcentagem de cargos de liderança ocupados por mulheres? A gente precisa ter, no mínimo, uma proporcionalidade. Se 23% dos diplomatas são mulheres, então, 23% dos cargos de liderança precisam ser ocupados por mulheres. Mas temos que ser mais audaciosos, ter mais do que 23% — senão, vai levar 88 anos para mudar as coisas.

A gente precisa de uma ação afirmativa, no contexto de fazer uma correção histórica, e mostrar que a mudança na representatividade não interessa apenas às mulheres, mas ao conjunto do Itamaraty. Segundo um levantamento, em maio de 2022, mulheres ocupavam apenas 12,2% dos cargos de chefia em postos diplomáticos no exterior. Só 20,5% dos ministros de primeira classe são mulheres e 19,5% dos de segunda classe — os dois cargos mais altos na hierarquia.

Achamos que o ministro Mauro Vieira está na posição de passar a seguinte mensagem: “Olha, vocês queriam uma mulher [chanceler]. Sou homem, mas tenho o propósito de criar condições para que eu seja sucedido por uma mulher; está nas minhas mãos entregar oportunidades de postos importantes para mulheres, para que elas possam ascender”.

Como funciona em outros países? A comparação não precisa ser, exatamente, em números. Muitas chancelarias imprimem uma orientação. Há pouco tempo, o governo britânico determinou que todos os seus postos, nos países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, seriam chefiados por mulheres. Países como Suécia e Dinamarca estabeleceram metas. Na Finlândia, há cotas.

E como aumentar o número de mulheres entrando na carreira? Vamos discutir estratégias. Já há cotas para negros, por exemplo. A política que será construída precisa abordar a falta de visibilidade de mulheres na carreira. O entorno e as famílias das candidatas são importantes.

Candidatas são bombardeadas por argumentos como “se você for diplomata, você não vai casar, não vai ter família, é uma coisa para homens”. Eu tenho 61 anos e lembro que a coisa que mais me diziam é “você não vai casar”. E daí, né? Como se fosse um grande assunto. Até hoje, as jovens que querem ser diplomatas são expostas a esse desestímulo social.

(*) Com informações da Folhapress
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