Como seria o comando da extrema direita em Manaus? Analistas comentam

Vista aérea de Manaus encoberta com a bandeira do Brasil (Composição de Paulo Dutra/Revista Cenarium)
Ricardo Chaves – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Após um ano de troca de acusações e conflitos, o coronel reformado do Exército Alfredo Menezes e o deputado federal Capitão Alberto Neto, ambos do PL e considerados de extrema direita, ensaiam um movimento de pacificação de olho no comando da Prefeitura de Manaus pelos próximos quatro anos.

Para especialistas consultados pela REVISTA CENARIUM, um governo de direita ou extrema direita pode ser autoritário, não observar a importância da capacitação e contínua formação de professores, além desse espectro político já ter dado provas de que não está apto a resolver os problemas históricos e atuais da capital amazonense, segundo analista da área.

A chapa “puro-sangue” (formada por prefeito e vice da mesma sigla) ganha destaque pelo potencial político, tempo que vai ter de TV e fundo partidário para as eleições municipais de 2024. O Partido Liberal tem a maior bancada da Câmara dos Deputados, o que aponta a dimensão dos recursos que a chapa deve ter, além de um bom tempo no horário eleitoral gratuito.

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Políticos do PL no Amazonas (Hércules Andrade/Divulgação)

A união também pega carona na popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em Manaus. Na eleição de 2022, o ex-chefe da Nação obteve, nas urnas, 692.580 (61,28%) votos, contra 437.691 (38,72%) votos de Lula (PT).

Olhar deve estar na formação 

Para o cientista político Helso Ribeiro, um governo liderado por Alberto Neto e Menezes não deve privatizar, por exemplo, o ensino básico, mas, o analista alerta para a ocorrência de precarização na formação de professores. 

“Eles não teriam competência constitucional para privatizar o ensino público básico. Talvez o que possa ocorrer é não fomentar a formação de professores. Com isso, acaba ocorrendo uma queda na qualidade. Quem tem mais condição, colocaria o filho numa escola particular. No entanto, nunca vi isso explícito em um plano de governo de direita”, diz o especialista da área política.

Helso Ribeiro é advogado e cientista político (Reprodução/Redes Sociais)
Cultura em alerta

Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Cultura foi transformado em uma secretaria e teve o orçamento reduzido. Para se ter uma ideia, em 2022, os investimentos da União no setor caíram 63% em relação a 2018, conforme mostrou a Agência Lupa em um levantamento feito no Portal da Transparência. 

Apesar de não apostar na união entre os dois expoentes do bolsonarismo no Amazonas, Helso Ribeiro acredita que um governo com Capitão Alberto Neto e Menezes não fecharia ou reduziria os investimentos na cultura, mas, sim, “abriria o cofre” para aqueles que simpatizam com ambos.

“É bom lembrar que parte de artistas do Amazonas apoiam a direita e o Bolsonaro. Existe esse nicho. Acredito que Alberto Neto e Menezes continuariam a destinar subsídios e apoio para quem os apoie. Se vingar a chapa, diria que não vão fechar as portas para a cultura, mas, sim, abrir o cofre para quem simpatiza com eles”, afirma o cientista político.

Questão da água em Manaus

Em Manaus, serviços públicos como água e transporte público são privatizados. No caso de cidades, as competências privatizadas a elas estão detalhadas na Lei Orgânica Municipal, como, por exemplo, limpeza urbana, cemitérios, abatedouros, licença para localização e funcionamento de estabelecimentos, captura de animais, estradas vicinais, estacionamentos e organização de seus serviços.

O serviço de água em Manaus é privatizado desde os anos 2000 e foi feito com a promessa de levar coleta de esgotamento a quase toda a população. No entanto, passados 24 anos, o cenário não apresentou mudanças. Um dado do Instituto Trata Brasil mostra Manaus entre as 20 piores cidades em tratamento de esgoto do País. A capital está na 83ª cidade de um ranking que reúne as 100 maiores do País. 

Residências construídas em área sem infraestrutura de saneamento básico (Reprodução/Águas de Manaus)

O indicador de Atendimento Total de Esgoto é de apenas 25,45%. Já nos Indicadores de Tratamento de Esgoto, os dados mostram que a cidade tem 21,58%. No fim do ano passado, a gestão bolsonarista do governador Tarcísio de Freitas (PL) conseguiu aprovar, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Manaus: 20 anos de governo de direita

Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio, a direita não tem respostas para os problemas de Manaus. Ele sustenta o ponto de vista explicando que a capital, há 20 anos, é governada por esse espectro político. A exceção foi na gestão de Serafim Corrêa (2005-2008) que, segundo ele, fez um governo de centro-esquerda. 

O sociólogo defende que essa visão política não solucionou problemas básicos da cidade, como, por exemplo, o histórico problema de vagas de creches em Manaus, e traz um dado comparativo com a cidade de Juiz de Fora, que tem como prefeita Maria Salomão (PT), portanto, um governo de centro-esquerda. 

Professor da Ufam e sociólogo Luiz Antônio (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Juiz de Fora, em Minas Gerais, tem 300 mil habitantes, o equivalente, mais ou menos, ao que é o bairro Cidade Nova. Sabe quantas vagas de creches tem? Sete mil vagas. Manaus não tem mil. É isso que tem que ficar claro”, compara o professor. 

Na visão de Luiz Antônio, um governo de esquerda acabaria com a fila de espera nas creches e seria mais atento à qualidade dos serviços públicos como transporte público, saúde, educação e promoção da cultura. 

Direita e extrema direita

Para o também professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e sociólogo Marcelo Seráfico é preciso observar quais são as pautas dos partidos que se identificam com a extrema direita e com a direita, chamada de “um pouco menos irracional”. Seráfico aponta, ainda, duas orientações fundamentais.

“A primeira delas diz respeito a uma pauta de costumes, e essa tem enorme apelo popular à medida em que centra as suas escolhas em temas relacionados à proteção da família ou uma pseudoproteção da família, uma concepção de família tradicional. A segunda é a segurança, que é entendida não como um problema decorrente de questões sociais, mas algo que pode ser resolvido por meio da força, polícia e da violência”, avalia o sociólogo.

O doutor em Sociologia e professor da Ufam Marcelo Seráfico (Sandro Pereira/Reprodução)

Para Seráfico, essa perspectiva autoritária que tende a legitimar as desigualdades e enfrentá-las a partir de uma perspectiva doutrinária, atualmente, domina boa parte das instâncias do Estado do Amazonas

Desafio de esvaziar a pauta moralista

Marcelo Seráfico ainda chama atenção para outro eixo de perspectivas desse grupo político: o privatizante e a desregulamentação da economia, ambos associados ao neoliberalismo. Para ele, a extrema direita legitima, por meio de pautas, as desigualdades, e transforma aqueles que experimentam, de modo mais duro, essa desigualdade em objeto de “verdadeiras perversões”.

“Acredito que foi dito pelo ex-presidente da República que pessoas que querem direito, o trabalhista, por exemplo, tendem a ficar desempregadas porque é impossível um trabalhador dotado de direito. Isso é uma negação da cidadania, e a frase dele sintetiza muito bem o ideário neoliberal no que diz respeito à economia e ao trabalhador“, explica.

Vândalos de extrema direita ocupam a praça dos Três Poderes e depredam a estátua em frente ao STF nos atos de 8 de Janeiro (Gabriela Biló/8.jan.2023/Folhapress)

Para Seráfico, o desafio do pleito vai ser mostrar como a direita e extrema direita rejeitam a possibilidade de ampliação da renda e direitos. O sociólogo ressalta, ainda, que há um grande desafio no processo eleitoral, que é o de esclarecer aos eleitores o quão vazia é a pauta moralista.

“De um lado, na medida em que ela procura interferir na vida das famílias e dos cidadãos, não deixando a eles qualquer possibilidade de escolha que não seja reprimida, que não seja vista como inaceitável, por outro lado, implica a estruturação da economia de modo a rejeitar qualquer possibilidade de ampliação de acesso à renda e à melhoria das condições de vida dos trabalhadores”, avalia Marcelo Seráfico. 

Colaborou com a reportagem João Felipe Serrão
Leia mais: EDITORIAL – O risco de ascensão da extrema direita na maior capital da Amazônia
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga
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