Crônicas do Cotidiano: O Psicopoder e o Racismo no Brasil

Segundo Michel Foucault, o “poder soberano” (exercido pelo Rei sobre a morte, até século XVII, na Europa) é substituído pelo “biopoder”, exercido pela vigilância das instituições do Estado e da sociedade sobre os indivíduos e visa a regulação de seus atos aparentes; o controle dos atos pela disciplina; o controle de fala, o controle do corpo. Se manifesta, em extremo, no panóptico de Bentham (origem do famoso Big Brother); no controle da população com as políticas que favorecem o aumento ou a redução de natalidade, mas não interferem, sobremaneira, na psyche dos indivíduos. Byung-Chul Han identifica nova categoria de poder, que se apoia no “psicopoder”, fundamento da psicopolítica, que interfere diretamente na vida social e nos “processos psicológicos dos sujeitos”: “a psicopolítica está em posição para, com a ajuda da vigilância digital, ler e controlar os pensamentos” (No enxame. Vozes, 2018, p. 129-131). Nesse diapasão, a psicopolítica, como ação ou omissão do Estado, garante, na sociedade atual, o reino da Internet como instrumento e fonte desse novo poder. Feitas as considerações conceituais sobre a Psicopolítica, não farei a mesma coisa com o conceito de Racismo por ser conhecido de todos, mas, apenas lembro, que não podemos mais falar dele sem levar em conta o Racismo Estrutural, o Crime Hediondo, o Lugar de Fala, a Igualdade Racial, a Minoria Social e a Desigualdade Econômica, além de outros conceitos e categorias trazidos pela antropologia, pela sociologia e pela ciência política, sem os quais fica prejudicada qualquer locução ou debate sobre o racismo, no Brasil.

Ao aproximar psicopoder de racismo, quero trazer e repartir nesta página, a angústia vivenciada no cotidiano e espaços de vida em que nos inserimos. São tantas as manifestações de racismo viralizadas na internet que não é mais possível deixar de associar à força dessa mídia a contribuição para a materialização dos atos de racismo nas mais comezinhas relações sociais e, agora, nas relações da esfera de poder e que transbordam para relações no mundo da criação artística, do entretenimento e da produção cultural. Cito cinco acontecimentos recentes emblemáticos, entre tantos outros violentos. 1. O caso Vini Jr, que apesar dos salamaleques do poder formal exigindo explicações ao Governo Espanhol, da reação da imprensa, de órgãos esportivos e suas torcidas organizadas, as lideranças políticas e desportivas brasileiras pouco fizeram, porque esses atos de racismo acontecem com frequência nas nossas praças de esporte. 2. É patente o desconforto causado aos “brancos” quando comandados por negros e o furor que isso causa, tem levando a cenas inimagináveis: um Senador da República tentando humilhar um Ministro negro; um juiz mandando policiais tirarem, à força, um advogado negro da sala de audiência, por ter servido sem a sua autorização um copo de água a uma depoente em crise de choro; uma especulação sem tamanho para saber se um cargo público será ocupado por um negro ou por um branco. 3. As tais influencers achacando crianças negras de uma comunidade paupérrima do Rio de Janeiro com presentes de banana e um macaco de pelúcia e dizendo que “tudo foi feito com o consentimento” das vítimas. 4. O escritor negro Itamar Vieira Júnior, autor de Torto Arado, ao lançar outro romance, Salvar o Fogo, em resenha encomendada, acusado por uma crítica literária, branca, professora Universitária de renome, de desviar-se dos cânones universais da literatura e ocupar-se em repetir uma temática negra com o fito de impor uma narrativa de ódio. 5. E mais indecente que os anteriores, o caso da Genecologista que afirma a uma paciente negra que suas partes íntimas têm um odor desagradável e forte por causa da cor de sua pele e repete isto ao Juiz, confirmando que foi assim que aprendeu nas aulas de Medicina.

Ante fatos tão indecorosos, recorro a Friedrich Nietzsche, no epílogo do Crepúsculo dos Ídolos: “Pois todos os criadores são duros. E deveria vos parecer ventura colocar vossas mãos sobre milênios como sobre cera branda. Somente o mais nobre [dos metais mais duros] é perfeitamente duro… Fazei-vos duros!” Duros, o mais que possível for, para vencermos a ignomínia do racismo!

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Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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