Crônicas do Cotidiano: ‘Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece’

Sou cristão católico, apostólico romano, por opção familiar, por afastamento obsequioso e, por retorno, em opção consciente. Mas, vi e vivi muitas coisas! Inclusive, as mudanças na minha religião, as quais fui aceitando ou recusando e mudando, assim, as minhas convicções. Convivo muito bem e respeitosamente com as pessoas de várias outras religiões e não tenho nenhuma intenção de convertê-las ao meu credo, pois, ser religioso ou não, é coisa de cada um. Bem cedo, estudando a Encíclica Papal Rerum Novarum (Papa Leão XIII, 1891), descobri que minha Igreja tinha uma Doutrina Social que a comprometia com a busca da justiça social e a colocava ao lado dos humildes, posicionando-se contra a exploração descabida do trabalho humano.

Essa alegria durou pouco, pois não via no mundo das minhas vivências nenhum sinal desses compromissos firmados há mais de 50 anos. Pelo contrário, o conchavo com os mais ricos e a pregação da obediência e da pobreza como vontade de Deus logo me pareceram vergonhosas e levaram-me às descobertas de muitas coisas mais, dentre elas, as que se apresentavam no ritual das missas em Latim, com os celebrantes de costas para os fiéis. Viravam-se para o povo, falando em português, apenas, nas homilias, com sermões severos que nos condenavam por causa de nossos desejos vitais e dos demônios a quem dávamos ouvidos, diziam eles.

Pouco ou quase nada falavam dos pecados mortais dos poderosos, das suas cobiças sobre os corpos dos pobres para usufruto de sua força de trabalho e da satisfação libidinosa de taras pessoais inconfessáveis. Descobria, enfim, que estava inserido numa instituição que não dignificava a contento o ser humano e nem tampouco dava a ele a consciência crítica para enfrentar um mundo desigual e cruel. Dei um tempo! Descobri que nenhum Deus, de qualquer religião que fosse, teria a coragem de condenar a humanidade ao sofrimento da pobreza porque o que o torna Deus é a Misericórdia. Voltei somente quando vi uma Igreja Reformada pelo Concílio Vaticano II, na Doutrina da Mater et Magistra (João XXIII, 1961).

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Regozijei-me com as orientações das Encíclicas Papais Pacem in Terris (João XXIII, 1963), Populorum Progressio (Paulo VI, 1967) e, por último, Laudato si’ (Papa Francisco, 2015). Assim, conciliei a minha fé com os meus princípios éticos e morais, e com o mundo em que vivo. Meu coração ganhou musculatura nova: tracei minhas metas, pois a fé não é só apego ao passado é, também, futuro; revesti-me da dignidade cristã que pensa no outro como irmão; nem torto e nem perfeito, o que me conforta perante Deus, sem submeter-me à arrogância de Doutrinas Utilitaristas.

Por um lado, se esse modo de ser alivia o peso da alma, por outro, o desconforto continua. Rezo, mas as assombrações aparecem. No mundo cão do capitalismo, vejo um “coleguinha de jornalismo” e comentarista econômico dizer, na TV brasileira, que é preciso ter cuidado com a diminuição do desemprego, pois isso pode comprometer os bons resultados do mercado econômico e aumentar a inflação: os trabalhadores vão ter renda, vão comprar mais para alimentar a si e a seus filhos e os preços aumentarão; vejo, no fundo da sacristia da Opus Dei, um jurista de reputação duvidosa, de terço na mão, dando asas a golpes de estado que poriam fim a todas as conquistas democráticas do povo, cristão ou não; vejo uma multidão de cristãos, embrulhados na bandeira de Israel, pregando o “olho por olho” do Velho Testamento e defendendo um governante genocida, pensando que defendem a Terra Santa e o Povo de Deus; ouço, assustado, discursos pregando a volta do Estado Teocrático; observo, com cuidado, as pressões do clero mundial conservador católico sobre o Papa Francisco, que desmontou a “Lavanderia de dinheiro sujo” no Banco do Vaticano e mexeu no palheiro dos crimes dos religiosos pedófilos, punindo-os exemplarmente.

Bem pertinho de nós, vejo o “namoro descarado” de parte significativa do clero brasileiro com a extrema direita em troca de uns “biscoitos” da Bancada da Bíblia, no Congresso Nacional, pegando carona na sua abjeta pauta de costumes; para coroar a obra, as lideranças religiosas de extrema direita estão tomando a direção de importantes organizações das Igrejas Cristãs. Portanto, antes de entrar, permanecer ou sair, é bom perguntar: para onde caminha essa procissão?!

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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