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Da peste negra à Covid-19: cultos e missas em pandemias são dilema da humanidade
Papa celebra missa de Páscoa para basílica esvaziada pelo segundo ano seguido (Reprodução/AFP)
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11 de abril de 2021
Com informações da Folha de S. Paulo
RIO DE JANEIRO – “A Bíblia diz que quem tem fôlego louve ao Senhor, então vamos louvar ao Senhor dentro do ônibus”, disse o pastor Eduardo Silva em março, até então o mês mais letal de uma pandemia que clama justamente o fôlego de suas vítimas.
O Estado de São Paulo, a mando do governador João Doria (PSDB), havia paralisado atividades religiosas. Foi aí que o líder do Aviva, de um pequeno ministério evangélico na capital paulistana, abarrotou um ônibus de fiéis e, em afronta registrada em vídeo ao decreto estadual, celebrou ali mesmo seu culto — não havia impedimento para transportes coletivos.
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Em movimento estava também o lobby evangélico que culminou, na véspera da Páscoa, na liberação de práticas presenciais de fé no País em meio à chacina viral da Covid-19. A decisão partiu do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes, que reagiu a uma ação proposta pela Associação Nacional de Justistas Evangélicos (Anajure).
Dois dias depois, o colega Gilmar Mendes se agregou ao script judicial, validando a constitucionalidade do decreto paulista que vetava reuniões religiosas. O debate foi levado ao plenário da corte e, na quinta-feira (8), a maioria dos ministros decidiu que Estados e municípios podem barrar cultos e missas.
A Covid-19 arrastou para o século 21 um dilema que perseguiu a humanidade em outras catástrofes sanitárias: fechar templos quando o socorro espiritual é mais do que nunca necessário ou abri-los e destrancar o caminho para um patógeno descarrilado em sua sanha mortífera?
A mais apocalíptica das previsões para o flagelo atual desbota perto do estrago que a peste negra fez no século 14. Estima-se que a doença dizimou entre um terço e metade de europeus de todas as idades, enquanto a Covid-19, até aqui, matou menos de 0,2% da União Europeia e do Reino Unido.
A Igreja Católica medieval se infiltrava em todos os poros sociais, da política à cultura, e foi a ela que o continente em apuros recorreu. Na época, a medicina tinha um conhecimento grosseiro do corpo humano, já que médicos, proibidos de realizar autópsias, pouco compreendiam de anatomia. O melhor remédio era ser um bom cristão, que contribuía financeiramente com a igreja e mantinha a oração em dia.
“Em geral, a peste era vista como um instrumento da cólera divina”, diz o médico e historiador Francisco Moreno de Carvalho, pesquisador associado ao Centro de Estudos Judaicos da USP. “Homero aponta a moléstia como punição do deus Apolo aos gregos. Na Bíblia, há várias referências a doenças coletivas como um corretivo. Em Tebas, na história de Édipo, a peste é um castigo pelo incesto involuntário.”
Pandemias, portanto, eram aceitas como uma merecida marretada de Deus. “Mas também como uma outra face desta mesma moeda”, pondera Carvalho. “Podem ser momentos de prova para testar a fé dos crentes na divindade: em que medida ela pode enviar sua cura aos que se arrependem e praticam o bem”.
O surto bubônico, contudo, acabou por derreter maiores expectativas com a deidade. Padres não sabiam responder porque tantos fiéis morriam, bebês inclusive. Os mais devotos morriam tanto quanto os piores devassos. Quando clérigos começaram a perecer em massa, estraçalharam ilusões de que a salvação estava na igreja.
Como na crise de hoje, era necessário encontrar culpados por tanta ruína, afirma Carvalho. No primeiro relato considerado histórico de uma epidemia, uma praga que arrasou Atenas 430 a.C., o grego Tucídides atribui o surgimento da doença a estrangeiros — no caso, etíopes. “Em diversos episódios de pestilência, sempre o ‘outro’ é o causador. Agora temos a ‘gripe chinesa’. Assim foi com a peste negra em relação aos judeus. Todo preconceito é gerador de fake news. Na Idade Média, sem WhatsApp, já as havia”.
Judeus eram acusados de envenenar poços para provocar a enfermidade. Milhares foram chacinados. Havia ainda uma falsa avaliação de que o grupo seria mais imune à doença do que cristãos, “o que reforçava a acusação de que eles eram os promotores da peste, visando destruir o cristianismo”.
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