Dados mostram que 60% das gestantes indígenas tem cinco ou menos consultas de pré-natal

Apenas um terço das indígenas (33%) iniciou esses cuidados no primeiro trimestre de gestação (Reprodução/Internet)
Da Revista Cenarium*

SÃO PAULO – De acordo com estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública, com base em inquérito, é grande a disparidade de oferta do pré-natal, no primeiro trimestre, entre as regiões do País, e há um abismo quando comparado ao serviço oferecido às mulheres não indígenas.

Por exemplo, apenas 21% das indígenas, no Norte, tiveram acesso ao pré-natal no primeiro trimestre, enquanto entre as não indígenas a taxa foi de 35%. No Centro-Oeste, os índices foram de 44% contra 58%, no Sul e no Sudeste, 33% contra 57%, em média.

Essas dificuldades se repetem em vários territórios indígenas do País. Dados do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, de 2019, mostram que a maioria dessas gestantes (60%) teve cinco ou menos consultas de pré-natal. E apenas um terço (33%) iniciou esses cuidados no primeiro trimestre de gestação.

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A indígena Tainaçã, durante o trabalho de parto de Ynawá, ao lado da mãe, da avó e da enfermeira obstétrica, no Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, em Ilhéus (BA) (Divulgação/Ascom)

Chovia em Ilhéus, sul da Bahia, quando Ynawá, que na língua tupinambá significa “água de chuva que traz fartura”, nasceu no último dia 4, no centro de parto natural do Hospital Materno Infantil Dr. Joaquim. A mãe, Tainaçã, 20, recebeu alimentos à base de mandioca e optou por parir na água, sob o chuveiro.

Também teve a companhia da mãe e da avó durante todo o processo de parto. “Eu tinha um pouco de medo de sofrer preconceito [por ser indígena] quando chegasse para parir. Mas fui acolhida desde a chegada, isso me fez sentir mais à vontade”, diz a jovem, cujo nome em tupinambá significa “estrela da tarde”.

A liderança indígena Amana, 44, mãe de Tainaçã, diz que os partos na aldeia acontecem de forma semelhante. “Além da parteira, nós sempre temos por perto a mãe e a avó nos auxiliando e passando boas energias. Em momento algum, nós deixamos as nossas gestantes sozinhas. E também damos banhos de ervas, da cintura para baixo, para ajudar nas contrações”, conta.

Segundo ela, depois do período do “resguardo” de Tainaçã, a aldeia onde vivem (Acuípe de Baixo, território de Olivença) fará uma festa para receber a bebê. Trata-se do Porancy, um ritual com dança e orações para dar boas-vindas à nova moradora da comunidade.

Antes de deixar a maternidade, o pai de Ynawá presenteou a equipe do hospital com um cocar, acessório tradicional usado pelos indígenas.

A experiência faz parte de uma nova proposta de atenção especializada para povos indígenas que o hospital Joaquim Sampaio tem adotado e que, agora, busca ampliar por meio de um projeto enviado ao Ministério da Saúde.

A ideia é que a gestante indígena receba cuidados especiais antes, durante e após o parto, sempre respeitando suas tradições culturais. Poderá optar, por exemplo, por dormir em uma rede em vez da cama e comer alimentos que fazem parte da sua rotina na aldeia.

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Na Bahia, existem 35 mil indígenas, de 20 etnias, distribuídos em mais de 130 aldeias. No hospital, são feitos, mensalmente, 18 partos naturais de mulheres que se autodeclaram indígenas, além de cerca de 90 internações obstétricas (entre cesáreas e gestações de alto risco).

Segundo a diretora da instituição, Domilene Borges Costa, os atendimentos especiais às gestantes indígenas já acontecem, mas o hospital quer ampliar o leque das ações. Por exemplo, com treinamento de profissionais para atender às diversas etnias, respeitando contextos interculturais, adaptação da estrutura física e atividades de educação permanente nas aldeias.

“Temos várias aldeias na região, cada uma com características específicas e necessidades diferentes. Há uma carência de assistência grande, muita fragilidade no pré-natal. Nem sempre a gestante consegue fazer todas as consultas e exames preconizados pelo Ministério da Saúde.”

Amana, mãe de Tainaçã, confirma que há muitas dificuldades de atendimento. “As equipes Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) são poucas. O acesso a transporte também é difícil, insuficiente para atender a demanda de 23 comunidades na região”, diz.

Segundo ela, essa foi a razão pela qual a filha não fez seis consultas de pré-natal, o mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde.

A indígena Tainaçã, 20, da etnia tupinambá, deu à luz a Ynawá, no Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, em Ilhéus (BA) (Divulgação/Ascom)
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É baixa a oferta de exames às gestantes indígenas durante o pré-natal. Alguns exemplos: glicemia (54%), urina (53%), hemograma (57%), citológico (13%), testes de sífilis (58%), HIV (44%), hepatite B (54%), rubéola (21%) e toxoplasmose (33%).

Um outro estudo publicado neste mês, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com 469 mulheres indígenas do Mato Grosso do Sul, também mostrou que os baixos percentuais de assistência pré-natal estão relacionados a desigualdades no acesso e no cuidado adequado às necessidades das gestantes indígenas.

A maioria das pesquisadas era Guarani Kaiowá, residia em aldeia, e fez pré-natal em unidade básica de saúde indígena. Cerca de metade fez sete ou mais consultas de pré-natal (51,5%), 37,2% entre quatro e seis consultas e 11,3% não tiveram nenhuma, ou de uma a três consultas.

Em relação ao parto, 355 (75,7%) realizaram parto normal e 114 (24,3%), cesárea. Segundo a pesquisadora Renata Picoli, coordenadora do estudo, uma cesárea pode acarretar riscos imediatos e, a longo prazo, ainda maiores às mulheres indígenas, porque elas moram em locais distantes e com oferta de cuidados obstétricos limitados.

“Esses indicadores sinalizam uma situação preocupante, que precisa ser discutida para que a gente possa minimizar possíveis desfechos negativos da saúde materno-infantil”, diz.

A razão de mortalidade materna entre indígenas aumentou durante a pandemia de Covid-19. Segundo análise da Vital Strategies, entre 2018 e 2012, passou de 99 para 149 mortes por 100 mil nascidos vivos. Entre as brancas, passou de 49,9 para 118,6 mortes. Entre pardas, foi de 55,5 para 96,5, e entre as pretas, de 104 para 190,8 mortes por 100 mil, a maior entre todos os grupos.

(*) Com informações da Folhapress
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