Dia da Amazônia: com reduções recordes de vegetação, Brasil desperdiça potencial econômico do reflorestamento

A Mata Atlântica e a Amazônia seriam as mais beneficiadas, somando, juntas, 76% das áreas a serem recuperadas. Seria mais de 4 milhões de hectares para cada uma (Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – A destruição do bioma amazônico não é, nem de longe, uma novidade. Se tornou um tema corriqueiro. Mais uma manchete de jornal. Enquanto muitos parecem se conformar com um quadro praticamente irreversível, a floresta, os animais e as comunidades tradicionais continuam em chamas, derrubadas e transformadas em pasto, à mercê das invasões e de toda sorte de crimes praticados contra o meio ambiente. Especialistas defendem que a ocupação descontrolada, criminosa e negligenciada é, além de ultrapassada, uma fórmula para o enriquecimento ilícito, quando deveria ser o contrário: é possível gerar emprego e renda mantendo a floresta viva. 

É por esse motivo que a celebração do Dia da Amazônia, que marca esta segunda-feira, 5, tem comemoração ofuscada por uma série de desafios impostos à manutenção dos ecossistemas. 

Metade da restauração seria feita com replantio de mudas de espécies nativas. Já nas outras áreas, a vegetação se recuperaria sozinha (Reprodução)

Plantar e lucrar

Ao contrário do triste cenário promovido pelas redes de economias ilícitas ligadas à floresta, a possibilidade de reverter o quadro com medidas simples e baratas é comprovada. E o custo benefício não poderia ser melhor: o Brasil tem potencial para gerar 2,5 milhões de empregos por meio do reflorestamento – e não só na Amazônia, mas de norte a sul do País. 

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Isso seria o suficiente para diminuir a taxa de desemprego em 25%. Mas isso só vai acontecer caso o Brasil atinja a meta de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030. É o que concluiu um estudo produzido pela Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre), Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, Aliança pela Restauração na Amazônia e Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura. 

O compromisso já existe: foi assumido pelo governo federal em 2017, por meio do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e prevê essa recuperação acontecendo em todos os biomas brasileiros. 

Funcionaria assim: metade da restauração seria feita com replantio de mudas de espécies nativas. Já nas outras áreas, a vegetação se recuperaria sozinha. A Mata Atlântica e a Amazônia seriam as mais beneficiadas, somando, juntas, 76% das áreas a serem recuperadas. Seria mais de 4 milhões de hectares para cada uma. Depois, o Cerrado, com 2,1 milhões de hectares, seguido da Caatinga, 500 mil hectares, do Pampa, com 300 mil hectares e do Pantanal, com 50 mil. 

BiomaÁrea a ser restaurada (em ha)Área a ser restaurada (em %)
Mata Atlântica 4,75 milhões 38%
Amazônia4,8 milhões38%
Cerrado 2,1 milhões17%
Caatinga500 mil 4%
Pampa 300 mil2%
Pantanal 50 mil1%
(Planaveg/Governo federal)

E os empregos?

Uma vez em prática, o reflorestamento previsto pelo governo entra em campo nos postos de trabalho criados a partir do que se chama de restauração ativa, aquela gerada pela ação humana: coleta de sementes, produção de mudas, plantio e manutenção das áreas restauradas e serviços técnicos, incluindo, consultoria, elaboração de projetos e monitoramento.

Ainda de acordo com o estudo, 61% dos empregos que existem hoje, nesse ramo, estão concentrados no Sudeste, e 85% têm ligação com a Mata Atlântica, o bioma pioneiro em atividades de recuperação, dando exemplo para o que deve ser feito na Região Amazônica.

O Brasil tinha cumprido apenas 0,5% da meta até o início de 2021 (Reprodução)

Falta aplicar

É fato que o reflorestamento é uma das alternativas mais simples e baratas, mas aí entra dois extremos: mesmo um estudo da Universidade Yale, de Connecticut, nos Estados Unidos, ter apontado o Brasil como um dos países mais promissores ao replantio de árvores, a nação mais derruba do que consegue plantar – mais de 1 milhão de hectares de floresta foram abaixo, em 2021, enquanto que, até o início daquele mesmo ano, o governo só tinha restaurado 0,5%, ou seja, 70 mil dos 12 milhões de hectares prometidos no Acordo de Paris.

Leia também: Governo Bolsonaro fiscalizou apenas 2% dos alertas de desmatamento desde o início do mandato, revela MapBiomas

Modelo ultrapassado

Recuperar ainda é um sonho. O mais recente levantamento do MapBiomas mostrou, por exemplo, que a Amazônia perdeu 12% de sua cobertura florestal em 37 anos. É como se dez Estados do Rio de Janeiro tivessem sido arrancados da floresta entre 1985 e 2021. 

Menos de 80% de todo o bioma contava, até o ano passado, com vegetação nativa. Além disso, o estudo também revelou que a ocupação da terra para as atividades agropecuárias se alastrou por 15% de todo o ecossistema, nesse mesmo período, sendo o principal vetor do desmatamento. 

Para o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo, “o atual modelo de desenvolvimento econômico, baseado na conversão descontrolada de áreas de vegetação natural, coloca o Brasil frente a graves problemas no atual cenário de mudanças do clima”. 

Para o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo, o atual modelo de ocupação da Amazônia é ultrapassado (Reprodução)

“Não se trata, apenas, de implementar ações de comando e controle”, garante ele. “o Brasil precisa de políticas públicas e modelos de negócio que compatibilizem a conservação dos biomas com o desenvolvimento do País, ao mesmo tempo que cooperam com o enfrentamento da crise climática”, ressaltou Azevedo.

Ferida aberta

Enquanto as autoridades não tomam as posições e providências cabíveis, segue crescendo o desmonte de órgãos ambientais e o avanço das práticas criminosas, que não poupam nem mesmo áreas protegidas como as Unidades de Conservação (UCs). 

Triste exemplo é Rondônia. Agosto fechou com a desarticulação de uma organização criminosa que cobrava pedágio na entrada da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, área de 222 mil hectares com autorização de uso sustentável. Depois de pagar valores que variavam de R$ 400 a R$ 800, madeireiros podiam explorar a mata à vontade. O grupo era formado por quatro pessoas. Duas ainda estão soltas.

“Os órgãos de proteção ambiental não vêm conseguindo manter uma fiscalização rígida e conter os invasores”, lamentou o tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Edjales Benício. “Isso se acentuou muito mais no atual governo que, infelizmente, boicotou os órgãos de fiscalização, cortando orçamento, não deixando que operações de comando e controle fossem realizadas com a chefia dos órgãos que têm ‘expertise’ nisso, como é o caso do ICMBio e do Ibama, infelizmente”, disse ainda.

Ex-secretário municipal de Meio Ambiente de Porto Velho e conselheiro da ONG Kanindé, Benício lamenta o desmonte de órgãos federais (Acervo Pessoal/Reprodução)

“A Flona do Jamari não é a única que vem sofrendo. Outras UCs da Amazônia que estão sob a gestão do Estado de Rondônia e, também, do governo federal, infelizmente atravessam situações semelhantes ou até piores”, concluiu o especialista. 

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