Dia da Conscientização do Autismo: criar políticas públicas é necessário para garantir acessibilidade e inclusão

A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2007 (Reprodução/Internet)
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS — Segundo a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), estima-se que há 70 milhões de pessoas com autismo no mundo. E neste sábado, 2 de abril, é celebrado o dia da conscientização mundial desta pauta, no intuito de promover o conhecimento e a quebra de preconceito da sociedade sobre o transtorno do neurodesenvolvimento.

Além disso, a data visa chamar a atenção dos governantes para a formulação de políticas públicas que garantam a dignidade, acessibilidade e inclusão dessa parcela da população que, embora tenha leis para proteger os direitos, a maioria não desfruta do que fora garantido pela Lei nº 12.764 (2012), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

A lei também conhecida como “Berenice Piana” assegura que a pessoa com TEA tenha acesso a serviços de saúde, educação, ensino profissionalizante, moradia, mercado de trabalho e à assistência social. Apesar de dez anos de existência, na leitura do advogado Ricardo Gomes, para quem convive com a causa no dia a dia sabe que na capital amazonense a prática que garante os direitos dos autistas não é aplicada.

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“Há quase uma década, deveríamos estar comemorando a implantação, em níveis estadual e municipal, no Amazonas, de políticas públicas inclusivas dos portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Porém, mesmo com a Lei Estadual 12.764/2012 e com a Lei Municipal 1.495/2010, da capital amazonense, a presente data, na prática, para quem convive sabe, sem grande esforço intelectual, o quanto é fácil constatar que, neste período, nenhum governante cumpriu o artigo 2º das supracitadas legislações”, avalia Ricardo Gomes, que também é pai de criança com autismo.

Mesmo com condições de proporcionar à filha, de apenas 9 anos, todo tratamento, acompanhamento e estímulos necessários para garantir o bem-estar da criança, Ricardo conta que a preocupação com outras famílias que também têm pessoas com autismo é constante em seu cotidiano e se tornou uma das suas principais lutas.

“Eu posso garantir que minha filha tenha a melhor assistência, mas e aqueles que precisam de acesso aos diversos atendimentos e não conseguem? O único centro de atendimento para crianças com autismo aqui é o Amigo Ruy, localizado no bairro Alvorada, e tem capacidade máxima para 500 crianças/mês, ou seja, estima-se que em nosso município há uma média de 20 mil autistas, então, por mês, são 19.500 pessoas que possam necessitar de algum atendimento e ficam de fora”, ressalta Ricardo.

Segundo o advogado, pelas leis estabelecidas, e em consonância com o disposto nos artigos 244, X e 248 da Constituição Estadual, o Estado do Amazonas é obrigado a:

I – criar e manter unidades específicas para atendimento integrado de saúde e educação, especializados no tratamento de pessoas deficientes, dentre eles os portadores de autismo;
II – realizar diagnóstico precoce, ou seja, já entre 14 a 36 meses de idade, para intervenção na adaptação e no ensino do portador de autismo, bem como sistematizar treinamento para médicos, a fim de que este diagnóstico seja o mais rápido e eficiente;

III – disponibilizar todo o tratamento especializado nas seguintes áreas:

a) Comunicação (fonoaudiologia)
b) Aprendizado (pedagogia especializada, com assistente/auxiliar terapêutica, se necessário);
c) Psicoterapia comportamental (psicologia)
d) Psicofarmacologia (psiquiatria infantil)
e) Capacitação motora (fisioterapia);
f) Diagnóstico físico constante (neurologia);
g) Métodos aplicados ao comportamento (ABA, TEACCH, SONRISE e outros);
h) Educação física adaptada; e
i) Musicoterapia.

“Isso deveria ser uma realidade há tempos. O Brasil tem uma lei federal há uma década que ninguém cumpre. A Assembleia Legislativa, fiscal do poder executivo estadual, promulgou uma lei que também não é cumprida”, afirma o advogado.

(Reprodução/Internet)

Mudanças

Na leitura de Ricardo Gomes, para uma mudança efetiva e o cumprimento das leis existentes, o primeiro passo é ter verbas específicas para cumprir a norma. “Sem receita não há despesa, você separa a lei do orçamento, feita no ano anterior. Ninguém vai tirar essa verba de onde não deve, autismo é uma condição que precisa de tratamento e a verba para saúde também nos inclui. Precisamos de gestão, gerenciamento e direcionamento para isso acontecer”, salienta.

Além da aplicabilidade da lei de forma efetiva, o advogado também sugere o levantamento para se ter uma base de dados informando quantas pessoas autistas há no Estado. O advogado também sugere que busquem junto ao governo federal recursos para construção de, pelo menos, dez Centros Especiais de Reabilitação (CER), já existentes em diversos Estados.

“Não temos uma base de dados, o número de 20 mil autistas na cidade de Manaus, por exemplo, é extraoficial, mas acreditamos que seja mais de 40 mil pessoas. Porém, se não soubermos quem são, onde estão e em que nível de autismo eles se encontram não conseguiremos efetuar uma política pública plural sem, ao menos, o que precisam”, destaca.

Reflexão, empatia e inclusão

Para o advogado Bernardo Monteiro de Paula, também pai de uma criança com espectro autista, além das questões de políticas públicas direcionadas para a saúde, (uma das principais preocupações de Ricardo Gomes), a educação também merece destaque no âmbito da inclusão. Bernardo salienta que garantir o acesso à educação e uma vida escolar saudável é outro ponto difícil para a maioria que está no espectro e compara:

“Eu tenho ciência de que posso garantir uma educação inclusiva e acolhedora para meu filho. Custear tudo isso não é fácil, mas essa não é a realidade da maioria da população brasileira e muito menos manauara. Precisamos promover a reflexão de que não é apenas resolver a nossa vida, mas pensar no coletivo e exigir que aquilo que está previsto na lei se torne realidade. Investir na gestão inclusiva é preciso. Reverberar essa conscientização e não fechar os olhos para isso é a luta de muitos pais e famílias, pois não são só as crianças que precisam de ajuda, mas a família como um todo precisa, com creches, mediadoras e ações, para que essa família possa plenamente viver dentro da sociedade”, considera Bernardo.

(Reprodução/Internet)

Espera por mediadores

Atuante na causa pelo autismo, a presidente do Instituto Amigo Anjo, organização voltada para atender famílias de pessoas com condição ao autismo, também atenta para a necessidade de um olhar mais inclusivo para os autistas quando o assunto é educação. De acordo com Fabiana Braga, das 144 famílias cadastradas no instituto (a maioria de pessoas com autismo), a reclamação e insatisfação que assola a maioria é a falta de uma estrutura.

“Hoje, nosso caos é no setor educacional. Na parte da Prefeitura, com a educação primária, as crianças têm direito a um acompanhante de vida escolar, que é o mediador. E até essa altura do ano letivo não temos notícia sobre o assunto. Estamos todos no aguardo da contratação do mediador, esperamos nesse mês de abril concretizar. Nós, pais, temos de fato essa dificuldade com política de inclusão, fora o preconceito que vivemos na sociedade”, diz Fabiana.

Cuidados e estímulos

A psicóloga clínica Célia Braga atua há quase dez anos em atendimentos voltados para pacientes com transtorno do neurodesenvolvimento. A profissional afirma que, quanto antes iniciarem os tratamentos de acordo com a especificidade de cada um, mais aumentam as chances de garantir qualidade de vida e desenvolvimento, principalmente, no quesito socialização.

“A dificuldade de interação das crianças com autismo é a base do diagnóstico. Fiz uma imersão da terapia em grupo, baseada no lego, e um fator que chamou atenção foi a dificuldade dessa socialização. Então, sem a estimulação devida, não existe uma criança com autismo que vá ter um desempenho social adequado”, explica a profissional.

Célia salienta que a falta de habilidade social, que resulta na não interação da pessoa, de fato precisa de um acompanhamento multidisciplinar. E a assistência aos pais é necessária também para que possam ampliar a compreensão e administrar melhor a situação.

“Infelizmente, ainda há uma parte significativa a qual não possui acesso ao acompanhamento devido. E quanto mais tardio for o diagnóstico, mais prejudicada será a criança. Que este dia de conscientização sirva para que, principalmente, os governantes olhem para esta pauta com mais carinho e façam valer os direitos dessa parcela da população que é pura, cheia de amor e merece respeito”, finaliza a psicóloga.

Sobre o autismo

O “Transtornos de Espectro Autista” (TEA) é considerado uma síndrome, ou seja, condição permanente. Para possibilitar um melhor desenvolvimento, há tratamentos que estimulam habilidades sociais que promovem a conquista da autonomia.

Vale lembrar que cada caso é único e há diversos níveis diferentes de autismo, que vão do leve ao mais severo. Dentre os sintomas mais comuns estão: movimentos repetitivos, dificuldade de concentração, fobias, dificuldades de relacionamento, agressividade, dificuldades de aprendizagem e dificuldade de manter contato visual.

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