Dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas reforça luta contra discriminação racial

(Reprodução/ Internet)
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), o ‘Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial’ é celebrado neste 21 de março. A data escolhida em memória ao Massacre de Sharpeville, em 1960, na África do Sul, onde, à época, 69 pessoas foram executadas pelo Exército e outras 186 foram feridas durante uma manifestação pacífica contra leis de segregação racial no País.

Em alusão à celebração, também foi sancionada, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro deste ano, a lei que institui a data 21 de março o ‘Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé‘, e integrantes do movimento negro comentam sobre as datas consideradas relevantes e históricas para a comunidade. Para a pedagoga e mulher negra engajada com as pautas Crislane Medeiros, 34, o momento é voltado para reflexão e mudança de postura.

No dia 21 de março é celebrado ‘Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial’ (Getty Images/iStockphoto)

“Essas duas datas importantíssimas para nossa história vêm a ser um dia de reflexão para todos nós, que somos vítimas de situações que nos rodeiam e também para aquelas pessoas que comentem algum tipo de discriminação religiosa e racial, refletirmos sobre seus atos. Já se passaram anos e mesmo com campanhas, que, a meu ver, ainda são poucas, tecnologias que nos ajudam a ter informações de todos os lados sobre diversos temas, ainda assim existe muita discriminação, são atos que estão enraizados e passam para outras gerações“, diz Crislane, que também aborda a questão da discriminação racial.

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Para haver de fato uma inclusão social e maiores possibilidades para realização de sonhos e oportunidades é “(…) de suma importância a propagação da igualdade, da equidade, do respeito, da tolerância religiosa e do não ao racismo“, considera Medeiros.

Assumir que o racismo não pode ser presente na sociedade é o primeiro passo para uma luta contra discriminação (Reprodução Internet)

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Para o também integrante do movimento negro no Amazonas Mestre Cristiano Corrêa, a data reforça a importância e a resistência daqueles que lutam diariamente contra as inúmeras formas de preconceito e discriminação.

Nós que somos de movimento negro lutamos na busca de uma sociedade mais inclusiva, com mais representatividade do povo preto nos espaços de poder. Apesar de todas as lutas e conquistas, ainda temos muito o que fazer. A luta é grande contra o preconceito velado e o racismo estrutural“.

Combate à intolerância

A lei sancionada por Lula recentemente reforça a importância da convivência pacífica entre as diversas expressões de fé no Brasil e mostra que o caminho para erradicar os preconceitos e intolerâncias é o respeito, como destaca o babalorixá Ronald Ty Odé.

No Brasil inteiro somos mais de 3 milhões de integrantes. Manaus é uma cidade muito povoada por irmãos do candomblé e junto nessa realidade temos os povos da umbanda, que leva a bandeira da luta contra a discriminação. Penso que 21 de março ganhou mais essa potência, temos um ato de disposição em mostrar ao mundo inteiro parte da história e cultura de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé”.

Para a dirigente e fundadora da Tenda de Umbanda Cabocla Braba (Tucaba), Mãe Vanda, são necessárias datas que atuem como ferramenta de promoção para o fortalecimento das tolerâncias e das equidades religiosas.

Se nos atentarmos à delicadeza da pauta, entenderemos ser importante para nós da umbanda e certamente para os irmãos de candomblé também, pois nos dá a devida importância do livre culto, respeito, a equidade com as demais religiões e soma às legislações já existentes para que o combate à intolerância religiosa seja mais efetivo”, salienta Mãe Vanda.

Em 2022, houve, em média, três denúncias de intolerância religiosa, por dia, no Brasil (Reprodução/Clara Nascimento)

Dados das discriminações

No Brasil, os inúmeros dados anualmente publicados por pesquisas, estudos e levantamentos sobre a pauta, revelam as situações de violência e vulnerabilidade vivenciadas por essa parcela da sociedade que representa 56% da população brasileira, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

A violência cotidiana se manifesta de várias formas em diferente contextos. Conforme informações mais recentes do 16°Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em junho de 2022, por exemplo, do total de 6.145 mortes por intervenção policial, em 2021, 84,1% eram de pessoas negras e 15,8% eram de pessoas brancas.

Entre as mortes violentas intencionais (homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial) os negros são 78% das vítimas contra 21,7% de brancos. O mercado de trabalho também mostra as nuances do preconceito, conforme a Pesquisa Diversidade Jovem 2022, e levou em consideração a percepção de jovens negros brasileiros, revelando que, ao menos, 17% dos participantes do estudo já tiveram a impressão de serem desclassificado ao concorrer para uma vaga de trabalho em razão da cor da pele.

(Reprodução/ Internet)

2° Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, organizado pelo Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (Ceap) e pelo Observatório de Liberdades Religiosas (Olir), apoiado pela representação da Unesco, no Brasil, aponta dados alarmantes quando o assunto é o discurso de ódio.

Segundo a publicação datada em 19 de janeiro deste ano, em 2022, houve, em média, três denúncias de intolerância religiosa, por dia, no Brasil. Até o mês de julho do ano passado, por exemplo, o País já somava uma média de 545 denúncias voltadas ao tema.

No ambiente virtual, os dados voltados para a intolerância religiosa também são negativos. Conforme o levantamento da Safernet, ONG que abriga uma central de denúncias de violações contra direitos humanos, como racismo, misoginia e xenofobia, os ataques feitos de modo online foram 614, entre janeiro e outubro de 2021, para 3,8 mil, entre os mesmos meses de 2022, um salto de 522%.

Até julho de 2022, o País já somava uma média de 545 denúncias sobre intolerância religiosa (Reprodução/ Cesep)

Artigos

O Artigo I da Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial consta que:

“Discriminação Racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.

ONU

O racismo presente no Art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, diz que a prática constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. A Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, diz que serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Já nos casos de injúria racial, a lei define que a injúria consiste em ofender e/ou insultar alguém pela raça, cor, etnia, religião ou origem.

Em dezembro de 2022, o texto aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula, em janeiro, traz a nova Lei 14.532/2023, que altera e acrescenta alguns pontos à Lei 7.716/1989, que continua em vigor com algumas mudanças. Uma das principais alterações é que a injúria racial passa a ser equiparada ao crime de racismo, tendo pena de reclusão de dois a cinco anos mais multa.

Os crimes de injúria passam a ser imprescritíveis e podem ser julgados independente da data que foram cometidos, antes da mudança acrescida na lei, a prescrição para injúria racial era de oito anos.

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