Especialistas afirmam que alimentar Yanomami com enlatados não é o ideal, mas tem urgência

Kits de alimentação distribuídos para yanomamis em Roraima (RR) -(@fab_oficial no Twitter)
Da Revista Cenarium*

MANAUS – Padecendo de fome e desnutrição, indígenas Yanomami têm recebido kits de alimentos contendo arroz, sardinha, farinha de milho, farinha d’água, leite integral em pó e sal. A ação emergencial levanta dúvidas sobre como produtos industrializados podem afetar a já fragilizada saúde do povo originário.

Em tempos normais, a cultura alimentar yanomami é baseada na agricultura. Seminômades, eles estão sempre em busca de terras mais férteis para o cultivo. O provento da terra é complementado com as proteínas de caça e pesca.

Cestas básicas ao lado de avião da FAB que serão distribuídas a Yanomamis
Kits de alimentação distribuídos para yanomamis em Roraima (RR) – @fab_oficial no Twitter

Agora, os meios de subsistência Yanomami foram trocados por alimentos processados. Para a nutricionista Vanille Cardoso, diretora da Associação Brasileira de Nutrição, a introdução de alimentos não naturais na dieta dos indígenas não é a mais saudável, mas, no momento, é a solução mais viável.

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“Embalados e enlatados que lá chegam não são parte da cultura alimentar daquele povo, mas neste momento a gente deve aceitar que há necessidade imediata de prover alguma fonte de nutrição, mesmo que não a melhor”, diz Cardoso.

Profissionais de saúde acostumados a atender Yanomami severamente desnutridos afirmam que os indígenas perderam o peixe em suas dietas em razão da contaminação de rios por resíduos da mineração, como o mercúrio. Também faltam a farinha, a mandioca e outros alimentos nutritivos, como a batata, porque aldeias inteiras vêm sendo tomadas pelo garimpo e as plantações desapareceram nessas comunidades.

“A alimentação atual dos Yanomami não é a melhor e desvia totalmente de seus costumes, mas é necessária. Há fome e morte”, diz Alvaro Gonzaga, indígena da etnia guarani-kaiowá, docente na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em história dos povos indígenas.

O professor lembra que a contaminação das águas que banham a território yanomami também afeta os peixes, deixando-os impróprios para a alimentação humana. O consumo da própria água também é prejudicado.

“A grande questão é a seguinte: entre o sódio da sardinha e o mercúrio do peixe de rio, é evidente que temos que escolher o sódio do enlatado. No entanto, há de ser criado um programa de retomada da cultura alimentar daquele povo. Algo que recupere os meios de sobrevivência deles: o solo, para plantio, e a água, para pesca”, declara Gonzaga.

Quantidades elevadas de mercúrio no organismo humano podem atacar o sistema nervoso, causando problemas neurológicos, e danificar o fígado.

Também ocorre a chamada morte de cursos d’água causada pela mineração. A transformação do rio em uma massa viscosa e barrenta pelo constante despejo de detritos impede qualquer atividade pesqueira.

Thiago Mendes, biólogo especialista em comportamento animal —área que estuda a interação dos seres, incluindo os humanos, com outros organismos e o ambiente físico— e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que o sistema biológico da terra yanomami deve levar entre 20 e 30 anos para ser reequilibrado.

“O que aconteceu ali foi uma conjuntura perversa. Quando se faz extração de minérios, problemas se acumulam nos rios. Primeiro, vem a turbidez causada por materiais descartados na água. Esse material atrapalha a respiração dos peixes e a fotossíntese das algas, acabando com aquele ecossistema. Recuperar é bem custoso”, explica Mendes.

O professor diz que o primeiro passo da recuperação é parar imediatamente a atividade de garimpo. “Só assim se terá uma chance de voltar a ter peixes comestíveis, com níveis aceitáveis de mercúrio, mas isso deve demorar bastante”, pondera.

Gonzaga, da PUC-SP, lembra que a sua etnia, os guarani-kaiowá, passou por situação alimentar semelhante durante o período pandêmico por Covid-19. “Meu povo, que também necessitava de ajuda durante o isolamento, recebeu arroz parabolizado. Nós comemos, mas foi triste. Comer algo que não cultivamos é como nos desprender da mãe natureza, que acreditamos tudo nos prover, por isso protegemos tanto o meio ambiente.”

Ele diz acreditar que o povo yanomami esteja aliviado por saber que agora não vai morrer. “A alegria para um povo indígena é plantar e colher. Mas, pela sanha do garimpo, sua terra e suas águas não podem prover nada.”

(*) Com informações da Folhapress

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