Morte, fome e destruição: conflito histórico dos Yanomami contra o garimpo ilegal

Conforme a Hutukara Associação Yanomami, desde os anos 70 existem invasões e confrontos entre indígenas e não indígenas na região (Bruno Kelly/Reuters)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – Os recentes dados do Ministério da Saúde acenderam alerta para os conflitos em Terra Yanomami (TY). Ao menos 570 crianças foram mortas por contaminação por mercúrio, desnutrição e fome devido ao impacto das atividades de garimpo ilegal nos últimos quatro anos.

Apesar disso, o conflito não é recente. Conforme a Hutukara Associação Yanomami, desde os anos 70 existem invasões e confrontos entre indígenas e não-indígenas na região. O relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” revela a gravidade da situação.

Divulgado em 2021, o levantamento mostra que a destruição provocada pelo garimpo cresceu 46% na Terra Indígena Yanomami (TIY), ou seja, um total de 1.038 hectares foram derrubados, atingindo um acumulado de 3.272 hectares desde 2018, quando foi iniciado o monitoramento.

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Esse é o maior crescimento observado desde que iniciamos o nosso monitoramento em 2018, e, possivelmente, a maior taxa anual desde a demarcação da TIY em 1992“, diz o relatório, apontando que, quando iniciou, a área destruída correspondia a pouco mais de 1.200 hectares.

Leia também: ‘É desumano o que eu vi’, diz Lula ao constatar condições de Saúde do povo Yanomami em Roraima

Área destruída pelo garimpo na TIY de outubro de 2018 a outubro de 2021 (Reprodução/SMGI)

Além da destruição florestal, o garimpo também atinge as esferas alimentares. Isso porque o avanço da exploração mineral diminui a qualidade de vida dos indígenas, causando perdas consideráveis nos índices de nutrição e saúde do povo Yanomami.

Conforme o relatório, houve aumento de malária nas zonas urbanas, importada das áreas de garimpo, e dos impactos na saúde humana devido à contaminação por mercúrio, como má formação congênita, neoplasias, doenças no sistema nervoso, etc.

Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami e Ye’kwana (Reprodução/UOL)

A REVISTA CENARIUM ouviu o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami e Ye’kwana, Dário Kopenawa, que denunciou a desassistência dos indígenas. Segundo ele, não foi falta de aviso nem falta de notificação.

Fizemos reportagens, documentários, várias pessoas repercutiram no Brasil inteiro e no exterior também. Isso é uma situação muito grave. Nosso povo está sofrendo genocídio pelo garimpo com apoio do governo federal passado“, aponta o vice-presidente.

Dário fala que a divulgação das imagens de indígenas em situações precárias não deveriam ser autorizadas, mas que apesar disso, foram importantes para trazer o foco na atual situação do local. “Por um lado é negativo, mas, por outro lado, é positivo porque mostra o que estamos vivendo hoje, a crise humanitária na Terra Yanomami, relata.

Insegurança alimentar

Um estudo de maio de 2022, publicado na Universidade Cambridge do Reino Unido, aponta que alimentos ultraprocessados, desnutrição severa e agravamento de fome são os principais desafios enfrentados pelos Yanomami, principalmente as crianças.

O levantamento avaliou 251 crianças indígenas de 6 a 59 meses, das aldeias Auaris, Maturacá e Ariabú, localizadas em território indígena Yanomami. Segundo o estudo, a interação forçada com não indígenas e invasores de terras criou um cenário de vulnerabilidade socioambiental para os povos, em especial os mais jovens.

Leia mais: Perfil alimentar de crianças Yanomami aponta para desnutrição severa e agravamento da fome

Adultos e crianças do povo Yanomami passam por vulnerabilidade alimentar (Reprodução/O Globo)

Diante dessa crise, agravada nos últimos quatro anos, o presidente Lula (PT) decretou Estado de Emergência após acompanhar a situação no local com ministros responsáveis por garantir a assistência ao povo Yanomami.

Ficou definido pelo governo federal que um hospital de campanha fosse montado em Boa Vista para receber os indígenas que estão em situação grave de desnutrição e saúde. Além disso, equipes da Força Aérea Brasileira já realizam as primeiras entregas de cestas básicas, buscando reverter a vulnerabilidade alimentar na região.

Responsabilidade

Ivo Cípio Aureliano ou “Ivo Makuxi”, advogado indígena, criticou a postura do governador de Roraima, Antonio Denarium, à frente do Estado. “Você viu alguma declaração do Governo de Roraima em prol dos parentes Yanomami? Não. Sabe por quê? Sempre foram a favor do garimpo. Por exemplo, apresentou um projeto de lei para regulamentar atividade de lavra garimpeira no Estado e outro projeto de lei para proibir destruição de equipamentos apreendidos no garimpo”, escreveu.

Diversos questionamentos foram levantados acerca do posicionamento do governador de Roraima, que na manhã desta segunda-feira, 23, publicou uma resposta em sua página oficial do Facebook a uma internauta que questionava a atuação do Estado no caso dos Yanomami.

Leia mais: Estudo mostra que consumo de peixe está ameaçado por conta do garimpo ilegal na TI Yanomami em RR

Antonio Denarium esclareceu que todos os cuidados acerca dos indígenas são de responsabilidade do governo federal.Temos recebido diversas críticas em relação à questão indígena e, em especial, a dos Yanomami, por isso, nos vimos na obrigação de fazer alguns esclarecimentos para que se restabeleça a verdade e, para quem não tenha a informação, ela chegue sem nenhum tipo de ruído“, escreveu.

Qualquer ação que ocorra dentro das áreas demarcadas e/ou que tenha a presença de povos e comunidades indígenas, dever ser combatida pelas forças de segurança e controle do governo federal, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Polícia Federal, Instituto Chico Mendes(ICMBio), e podem contar com o apoio das forças de segurança estaduais, desde que acionadas“, esclareceu o governador.

Denarium ainda completa afirmando que não é e nunca foi favorável ao garimpo em terras indígenas, e ressalta as ações adotadas pelo governo estadual para promoção da agricultura indígena e programas sociais. Apesar disso, Denarium sancionou lei que impedia a destruição de materiais de garimpo.

A Lei N° 1.701, de 5 de julho de 2022, foi aprovada em agosto do ano passado pelo governador do Estado. Na mesma época, o Ministério Público Federal considerou o projeto inconstitucional. Conforme o órgão, a lei “tenta esvaziar os instrumentos de fiscalização ambiental previstos em legislação federal“.

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