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Especialistas veem ‘guerra retórica’ da Venezuela contra Guiana por motivações eleitorais
A fronteira entre o Brasil e a Venezuela (Paolo Costa/Reprodução)
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11 de dezembro de 2023
Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia
BOA VISTA (RR) – A tensão entre Venezuela e Guiana, alimentada com a “guerra retórica” entre os dois Países que estão em disputa pelo território de Essequibo – rico em petróleo, gás e minérios – serve para o governo venezuelano mobilizar suas bases políticas e trazer à tona uma suposta união nacional em torno de um tema histórico personalizado na figura do presidente Nicolás Maduro, mas também pode ser arma para oposição e enfraquecer seu processo de articulação política para tentar chegar ao poder nas eleições de 2024. Essa é a opinião de analistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA.
Nos últimos dias, a tensão aumentou entre os dois países, com o resultado favorável no referendo realizado no último domingo, 3, à incorporação de Essequibo pela Venezuela – 95% dos eleitores aprovaram a criação de um novo Estado na área que, hoje, é de jurisdição guianesa. Na última quarta-feira, 6, Maduro divulgou um novo mapa oficial da Venezuela com a incorporação de Essequibo.
“Imediatamente ordenei publicar e levar a todas as escolas, colégios, conselhos comunitários, estabelecimentos públicos, universidades e, em todos os lares do País, o novo Mapa da Venezuela com a nossa Guiana Essequiba. Este é o nosso querido mapa!”, publicou Maduro em uma rede social.
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Em resposta, o presidente da Guiana, Irfaan Ali, disse na quarta-feira, 6, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assegurou que o Brasil não aceitaria nenhum “comportamento imprudente” da Venezuela na disputa por Essequibo. “O presidente Lula me deu garantias de que o Brasil está fortemente com a Guiana. E que não apoiaria nenhum comportamento imprudente da Venezuela”, disse Ali em entrevista à CNN International.
Maduro e Ali se reunirão na próxima quinta-feira, 14, para debater a disputa. A reunião acontecerá em São Vicente e Granadinas, País do Caribe, segundo informou o governo local. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi convidado para mediar o encontro e o governo brasileiro disse que o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, vai representar o presidente.
Consenso
Tanto o governo quanto a oposição na Venezuela concordam em anexar Essequibo, e que o território deve voltar aos domínios do País, uma vez que a incorporação à Guiana, definida em 1899, é considerada pelos dois lados como um equívoco a ser reparado.
A Corte Interamericana de Justiça (CIJ), órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU) em Haia, decidiu, dois dias antes do referendo, que a Venezuela “deverá se abster de tomar qualquer ação que possa modificar a situação que prevalece, atualmente, no território em disputa”, e que as partes envolvidas devem abdicar de “qualquer ação que possa agravar ou prolongar o litígio perante o tribunal, ou torná-lo mais difícil de resolver”. A sentença é resultado de um requerimento da Guiana, mas o governo venezuelano não reconhece a jurisdição da Corte sobre essa disputa.
A disputa nos tribunais internacionais do caso Essequibo movimenta o tabuleiro da corrida eleitoral venezuelana prevista para 2024. Governo e oposição chegaram a um acordo em outubro para estabelecer garantias eleitorais na realização das eleições presidenciais de 2024 e medidas que, segundo eles, protegerão os interesses nacionais do País, abrindo caminho para o alívio de algumas das sanções impostas pelos Estados Unidos. A eleição presidencial do País acontecerá no segundo semestre.
Por um lado, a principal opositora da Venezuela e pré-candidata às eleições, María Corina Machado, chama o referendo de “fracasso”, por conta do baixo comparecimento de eleitores venezuelanos. Por outro, Maduro destaca a união dos venezuelanos “por cima das diferenças”, o “exercício generoso de amor pela Venezuela” e diz que o País agora tem “uma só voz: o Essequibo é nosso!“.
Especialistas
“O Maduro, como presidente do País, acaba sendo quem capitaliza as vitórias ou assume as derrotas, dependendo do caso, dos temas que dizem respeito ao Estado venezuelano. No caso de Essequibo que, obviamente, requer união nacional dada a importância do assunto, ele também está se posicionando como o arquiteto do encontro ou reencontro de diversos setores, não apenas partidários, mas políticos em um sentido mais amplo”, analisa o professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Rafael Assumpção Rocha, mestre em Estudos Estratégicos e doutor em Relações Internacionais.
“Isso poderia servir para elevar sua reputação nas eleições de 2024? Sim, é provável. Mas não significa que o processo de conciliação em torno do tema Essequibo não seja necessário”, acrescenta.
Para o professor da UFRR Américo Alves de Lyra Junior, doutor em Historiografia e História das Ideias e pós-doutor em Relações Internacionais, a estratégia do governo venezuelano é “por um lado, demonstrar união nacional por um Essequibo venezuelano, e por outro, que esta união seja personalizada pela figura do Maduro”. Ele acha que o presidente pode sair fortalecido se souber dosar os próximos passos, “sem frustrar seu eleitorado ou provocar reações violentas de seus adversários no exterior”.
Apesar disso, Américo avalia que será muito difícil que Maduro consiga promover a união nacional de forma consistente, por Essequibo, para conseguir capitalizar apoio nas próximas eleições. O professor acha que Maduro vive uma situação complicada, porque o argumento usado para bloquear a candidatura de María Corina Machado – após a Suprema Corte de Justiça da Venezuela ter suspendido em outubro o resultado das primárias da oposição para escolher um candidato à presidência – foi uma “sentença judicial duvidosa” e, agora, arranjou uma “Malvinas particular” para melhorar sua imagem.
O professor se refere à Guerra das Malvinas, conflito armado entre Argentina e Reino Unido, em 1982, que começou após a Argentina invadir o arquipélago que considera sua extensão territorial histórica. O País entendia que, ao se tornar independente em 1822, passou também a controlar as ilhas, que pertenciam aos espanhóis. Já os britânicos afirmam que dominam a região desde 1833, quando ocuparam e colonizaram o arquipélago.
Para historiadores, o início da guerra foi a arma do ditador argentino general Leopoldo Galtiere, para dar fôlego ao governo militar, já agonizante no País. A então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, que enfrentava uma crise de popularidade, reagiu com força. A guerra, que durou 75 dias, acabou em 14 de junho de 1982, com a rendição dos argentinos. Ao todo, 258 britânicos e 649 argentinos morreram no conflito.
Sobre o paralelo com as Malvinas, Américo acha válido no sentido de que se trata de uma reparação pela “usurpação de um território por parte da coroa inglesa e também como elemento de unificação nacional”. Mas não a ponto de desatar um conflito armado. “Não acho que Maduro embarcaria numa guerra, à revelia dos países sul-americanos, especialmente, o Brasil, que o recebeu com pompas”, finaliza.
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