Ex-presidente dos EUA, Donald Trump se entrega à Justiça e vira réu por acusação criminal

Republicano transforma acusação em campanha, arrecada US$ 8 milhões e é recebido por George Santos (Carlos Barria/Reuters)
Da Revista Cenarium*

WASHINGTON – Donald Trump adiciona mais um aspecto de ineditismo a sua carreira política nesta terça-feira, 4, quando se torna o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos réu por uma acusação criminal, feito que soma à lista de ter sido a primeira pessoa eleita à cadeira máxima do País sem experiência anterior em cargo público e o primeiro a ser alvo de um processo de impeachment na Câmara duas vezes.

No mais recente ato de sua pré-campanha para a Casa Branca, no ano que vem, o republicano deixou a Trump Tower por volta das 13h, no horário local, ergueu o punho, em gesto que faz desde que assumiu a Presidência, em 2017, e foi à Corte, no sul da ilha de Manhattan, abarrotada por jornalistas e apoiadores.

No jargão americano, para ser detido após “se entregar” à Justiça, o que significa que será fichado pela polícia e ouvirá as acusações de que é alvo no caso que envolve a compra do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels durante a eleição de 2016. Ela recebeu US$ 130 mil (R$ 659 mil) de advogados do então candidato para não revelar um suposto affair com ele, e os gastos foram lançados como “despesas jurídicas”, o que seria uma maquiagem de gastos de campanha, segundo investigações.

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“Indo para o sul de Manhattan, o tribunal. Parece tão SURREAL — UAU, vão ME PRENDER. Não posso acreditar que isso está acontecendo na América. MAGA [faça os EUA grande de novo]!”, publicou ele a caminho da corte em sua rede social, a Truth.

Ainda não se sabe exatamente quais são as acusações. Elas devem vir a público por volta das 15h (no horário de Brasília), quando o próprio ex-presidente vai ouvi-las na Corte e deve se declarar inocente. Reportagem do Yahoo, na noite de terça, afirmou com base em fontes no tribunal que Trump será alvo de 34 acusações criminais envolvendo falsificação de registros comerciais. Como não envolve um caso com violência, Trump não ficará preso e deve ser liberado antes das 16h, quando voltará para a Flórida. Ele planeja discursar a sua base de apoiadores por volta das 21h em Mar-a-Lago.

Os trâmites no tribunal não serão transmitidos ao vivo, mas o juiz Juan Merchan permitiu que fotógrafos façam algumas imagens do processo. Outra imagem deve entrar para a história, se for de fato feita: sua foto de frente e de perfil como suspeito. Nova York não divulga mais essas “mugshots” desde 2019, mas a equipe de Trump deve ter acesso às imagens para usar como melhor entender na campanha presidencial.

Trump já arrecadou US$ 8 milhões (R$ 40,6 milhões) em doações de apoiadores desde que o indiciamento veio a público, na última semana, diz sua equipe. O ex-presidente passou parte da segunda-feira compartilhando, em sua rede social, pesquisas que o apontavam como favorito à indicação republicana, com mais de 20 pontos à frente do governador da Flórida, Ron DeSantis.

A dúvida é se a acusação, a um ano e meio da próxima eleição, vai, de fato, ajudar Trump na campanha, como o republicano quer. Pesquisa da CNN americana divulgada na segunda, 3, apontou que 60% dos americanos aprovam o indiciamento. Apesar disso, 76% afirmam que a decisão da Justiça teve algum componente político — sendo que, para 52%, a política ocupou um espaço central.

Para Thomas Whalen, professor da Universidade de Boston, o processo legal impulsiona Trump dentro do Partido Republicano no curto prazo e pode levá-lo mais facilmente à indicação da legenda para a Presidência.

“Mas será bom o suficiente para fazê-lo ganhar a eleição geral? Provavelmente, não. Não acredito que eleitores independentes vão ter um olhar gentil a esses processos que lançam dúvidas sobre Trump, e eleitores democratas, obviamente, também não. Então, os processos podem ajudá-lo a receber a indicação do partido, mas não vejo como o ajudariam no caminho para a Presidência”, diz.

Do lado de fora do tribunal, trumpistas conhecidos foram prestar apoio ao ex-presidente, como a deputada da ultradireita Marjorie Taylor-Greene e George Santos, filho de brasileiros investigado após mentir sobre diferentes aspectos de sua vida e sua carreira durante a campanha.

O deputado filho de brasileiros George Santos em frente ao tribunal onde Trump será, formalmente, acusado nesta terça (Drew Angerer/Getty Images/AFP)

Escândalos sexuais não são novidades na política americana, muito menos no Salão Oval. O democrata Bill Clinton chegou a mentir sob juramento ao negar ter relações sexuais com uma estagiária da Casa Branca e, embora tenha sofrido um impeachment na Câmara (barrado no Senado), deixou o mandato com 66% de aprovação, quase o dobro dos 34% de Trump ao fim de seu governo.

O ex-senador John Edwards, vice de John Kerry nas eleições que os democratas perderam para George W. Bush, em 2004, foi alvo de um processo similar ao de Trump, quando foi acusado em 2012 de desviar US$ 725 mil de sua campanha ao esconder pagamentos para encobrir um caso extraconjugal, com detalhes que iam da existência de uma “sex tape” a uma filha fora do casamento. Na época, ele afirmou que era “um pecador, não um criminoso”, e foi absolvido das acusações.

Tudo isso faz com que o escândalo sexual não seja o caso que mais preocupa a equipe de Trump, como evidenciado pelo ex-procurador-geral Bill Barr em entrevista à Fox News.

Depois de descrever o processo atual como perseguição política, ele afirmou que acredita que “o caso dos documentos seja o mais sério”, referindo-se à investigação sobre os arquivos secretos que Trump manteve de maneira irregular em sua casa, na Flórida, após deixar a Presidência.

“Eu não acho que eles estavam atrás daqueles documentos para pegar Trump. Acho que eles queriam, na verdade, os documentos de volta”, afirmou. O processo tem avançado e o Departamento de Justiça e o FBI reuniram evidências de que Trump praticou obstrução da Justiça, segundo o Washington Post. Trump se irritou com as declarações de Barr e, na manhã desta terça, chamou-o de “um completo covarde”.

Trump também batalha contra o andamento de outro processo, na Geórgia, que pode levá-lo ao banco dos réus por tentativa de interferência na eleição que perdeu para Biden, no Estado, em 2020.

O que pode causar mais dor de cabeça e ser usado para tirá-lo da corrida presidencial, porém, seria a investigação sobre sua participação no ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. A 14ª Emenda da Constituição americana proíbe que ocupem cargos públicos pessoas que participaram de insurreições ou rebeliões.

O Comitê da Câmara recomendou que o Departamento de Justiça indicie Trump por insurreição, o que pode proibi-lo de disputar eleições, mas ainda não está claro se isso deve acontecer, disse à Folha o professor de direito constitucional Josh Blackman. Mesmo membros da milícia de ultradireita Proud Boys não foram acusados de insurreição, mas de conspiração sediciosa, um grau abaixo.

Para o ex-procurador Barr, condená-lo pelo 6 de janeiro “é um caso difícil de provar”, uma vez que envolve a liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição. “Onde você vai traçar a linha entre atividades legítimas da Primeira Emenda, protestar contra uma eleição e, realmente, conspirar para desfazer uma eleição?”.

Há receio de protestos nesta terça, convocados por Trump e apoiadores em rede social, mas autoridades não preveem grandes manifestações, em massa, em Nova York ou Washington. Na segunda, o prefeito de Nova York, o democrata Eric Adams, desencorajou manifestantes e afirmou que quem cometer atos de violência “será preso e responsabilizado, não importa quem seja”.

A Casa Branca tem evitado se manifestar, mas John Kirby, do Conselho de Segurança Nacional, afirmou que o governo estará “preparado se houver necessidade”. Biden falou rapidamente a jornalistas, nesta segunda, que confia na polícia de Nova York e no sistema Judiciário americano.

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