Jovens do AM falam da experiência no 18º ATL; ‘Se a gente não estiver aqui, ninguém vai saber que existe indígena’

Ao longo dos dez dias de mobilização, mais de 8 mil pessoas, de 200 povos indígenas, das cinco regiões do País, participaram do ATL (Yusseff Abrahim/CENARIUM)

Yusseff Abrahim – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – A 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) chegou ao fim nesta quinta-feira, 14, com as últimas reuniões plenárias e as delegações iniciando a viagem de volta para as comunidades. Entre eles, cinco participantes de regiões distintas do Alto Rio Negro fizeram um balanço de suas experiências para a REVISTA CENARIUM.

Da etnia Tukano e natural da Ilha de Duraka, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a artista plástica Viviane Carneiro Borges leva, da sua segunda participação no ATL (a primeira foi em 2019), a necessidade da afirmação política indígena.

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“Se a gente não estiver aqui, se a gente não dá as caras e não faz um movimento, se não fazemos marchas, ninguém vai saber que existe indígena. Por isso, precisamos trazer mais pessoas para fazer um movimento cada vez mais forte, principalmente, da minha região do Rio Negro, de onde vem pouca gente”.

Morando, atualmente, em Suzano, São Paulo, na Comunidade Itaporã, a jovem Tukano é filha de uma liderança do Alto Rio Negro, o cacique Duraka-Kapuamu, que chefia uma região que compreende 45 famílias. Laço que a coloca em contato constante com seu povo.

“Eu sempre faço essa troca de experiências para articular com os indígenas da minha região. Mesmo estando longe eu também estou ganhando uma experiência fora. Porque mesmo a gente estando em um lugar, a gente nunca vai saber a realidade do outro. Somos um movimento de ocupação, não somos movimentos de passeatas, por isso, ocupar Brasília é algo bastante simbólico”, comenta.

Outro participante Tukano, mas morador da Comunidade de Taraquá, no Rio Uaupés, Hélio Gessem Monteiro Lopes é ligado à Coordenadoria DIAWI’I, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Ele ressalta que o mais importante, depois da vivência no evento, é levar o resultado dos debates para as 200 famílias da sua comunidade.

“Por causa da logística, a gente fica sem informações do que acontece aqui (Brasília), ficamos de fora das lutas e as informações, às vezes, chegam distorcidas. Não entendemos o sentido das palavras, além de que a política da capital tem diferença para a política das comunidades. Por isso, quando eu voltar, quero que as pessoas entendam o que vou dizer”, explica Hélio.

Política afirmativa x política local

Depois de acompanhar as edições anteriores do ATL, virtualmente, a Tuyuka, Florinda Lima Orjuela, teve finalmente sua primeira participação presencial.

Como diretora-executiva da Associação Indígena da Etnia Tuyuka dos Moradores de São Gabriel da Cachoeira (AIETUM), ela comentou suas impressões sobre as diferenças das discussões políticas do evento em comparação à prática política no Estado.

“Este ano, vamos viver de novo, como lá na região fala, que é ‘época de político comer com índio, dançar com índio e experimentar o que é do índio’, para enganar, na maioria das vezes, os povos indígenas. E vários povos já estão cientes disso, mas, muitas vezes, a gente cai na conversa do político”, comenta.

Para ela, a máxima do “parente vota em parente”, enfatizada durante todo o ATL 2022, precisa de um recorte mais específico para ‘parentes’ mais comprometidos com parentes.

“É difícil adivinhar quem está falando a verdade, mas a gente sempre dá o voto de confiança para quem vai fazer o melhor pelo nosso município. Hoje em dia, a gente já vê pessoas das associações de comunidades participando mais da política, se candidatando, mas ainda não tiveram sucesso. Vamos ver de agora em diante”.

Estudantes longe de casa

Vivenciando a experiência acadêmica na Universidade de São Carlos (UFSCar), os estudantes Tulio e Arlison se consideraram satisfeitos com as discussões políticas do ATL 2022.

O Dessano, Tulio Soares da Silva nasceu na Comunidade do Matapi, constituída por cerca de 90 pessoas, no distrito de Taraquá. Ele reconheceu que os direitos só são conquistados como frutos de disputas. “Desde quem foi escravizado, até a classe trabalhadora, ninguém conseguiu direito sem que houvesse luta, sem que houvesse reunião como o ATL, sem que houvesse greve. Não se avança, em nada, se as pessoas não tiverem consciência do seu papel”, comenta o finalista do curso de Ciências Sociais.

No início da sua jornada acadêmica no curso de Engenharia de Produção, Arlison Marinho Ferraz, oriundo do povo Wanano-Kotiria, que habita aldeias nas regiões de Yauaretê, São Gabriel da Cachoeira e Caruru-Cachoeira, se mostrou motivado para transmitir tudo o que aprendeu, no podcast “Papo de Maloca”, do grupo de jovens do qual faz parte, da Rede Wayuri do Rio Negro.

“A gente precisa ser ouvido. E é importante que a juventude esteja trabalhando na base para que nossos representantes se mobilizem e articulem de acordo com essa base. Acreditamos que vai dar tudo certo e que não vamos parar”.

Acampamento da diversidade

A coordenadora nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização que realiza o evento, Sônia Guajajara falou sobre a presença dos jovens amazonenses.

“Aqui, todos os Estados se complementam e cada um que chega soma na luta. Para o Amazonas, sendo o maior Estado indígena em tamanho e população, é muito importante que se faça cada vez mais presente. O que a gente quer é isso, que Estados possam chegar cada vez mais longe. É caro para vir, mas a presença é muito importante e muito valiosa para o nosso movimento”, explicou.

De acordo com a organização, a 18ª edição do ATL reuniu, nos 10 dias, mais de oito mil participantes de mais de 200 povos indígenas do Brasil, com a presença maior de jovens, mulheres e LGBTQIA+.

“É muito importante aumentar, cada vez mais, essa troca de gerações. Aqui no acampamento tem vindo muita criança, jovens, e a gente fez um recorte na programação para trazer a pauta LGBTQIA+, que são muitos. Então, somos esse lugar acolhedor de diversidade, da luta de povos nos territórios, nas suas regiões, e é toda essa presença de gerações que faz essa potência toda que virou o Acampamento Terra Livre”, ressalta a dirigente.

Coordenadora nacional da Apib falou sobre a presença dos jovens amazonenses (Yusseff Abrahim/CENARIUM)

O ato

O Acampamento Terra Livre é considerado a maior mobilização indígena do mundo. Realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em 2022, o evento voltou a Brasília, após dois anos da pandemia de Covid-19, com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’. Ao longo dos dez dias de mobilização, mais de 8 mil pessoas, de 200 povos indígenas, das cinco regiões do País, participaram do ATL. 

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