Levantamento aponta que 65% dos profissionais LGBTQIA+ sofreram discriminação no ambiente de trabalho e 28% foram alvos de assédio

Levantamento mostrou que 65% dos profissionais LGBTQIA+ já sofreram discriminação no ambiente de trabalho e 28% foram alvo de assédio (Reprodução/Internet)
Com informações da FolhaPress

SÃO PAULO – Olhares estranhos, conversas de corredor, piadinhas em tom de chacota e perguntas indiscretas fazem parte da rotina no ambiente de trabalho de pessoas LGBTQIA+. Se, por um lado, a pandemia do coronavírus, com a introdução do trabalho remoto, possibilitou o distanciamento desse ambiente, muitas vezes, persecutório, por outro, expôs ainda mais a intimidade de seus colaboradores — o que criou um outro tipo de problema.

É o que afirma Jean Soldatelli, sócio-diretor da Santo Caos, consultoria responsável por publicar, recentemente, um estudo inédito com empresas de todos os Estados do Brasil. O levantamento mostrou que 65% dos profissionais LGBTQIA+ já sofreram discriminação no ambiente de trabalho e 28% foram alvo de assédio.

A consultoria realizou 20 mil entrevistas entre novembro de 2020 e abril de 2022. A população LGBTQIA+ soma 10,4% dos entrevistados. Entre elas, pessoas lésbicas e bissexuais são as que mais presenciaram e sofreram assédio e/ou discriminação (33%, para ambos os grupos) — e, apenas quatro em cada dez pessoas dizem recomendar a empresa onde trabalham. O número chega a 59% entre aqueles que não fazem parte do grupo.

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O índice de assédio — ou seja, quando alguém é, explicitamente, ofendido — ajuda a explicar a diferença dos números, já que entre pessoas não LGBTQIA+ o número de pessoas que dizem já ter passado por uma situação do tipo é dez pontos percentuais menor (18%).

Os números colocam em xeque a proposta de muitas companhias de valorizarem ambientes diversos e inclusivos, o que inclui a relação no trabalho a distância.

“Um dos motivos que catalisou esse estudo foi, justamente, perceber que o home office foi uma faca de dois gumes para a intimidade das pessoas”, diz Soldatelli.

“A diminuição do convívio reduziu conflitos discriminatórios diretos. Muitos disseram que já não ouvem mais piadinhas e olhares no corredor porque a interação diminuiu. Mas, ao mesmo tempo, se abriu uma janela dentro de casa e a vida das pessoas ficou mais exposta. As reuniões passaram a ser realizadas em ambientes onde é possível identificar símbolos e posicionamentos que podem direcionar as percepções sobre a vida de cada um. Quem trabalha num local onde existem fotos da família, ao fundo, por exemplo, viu se abrir essa janela que expõe a sua intimidade”, afirma o pesquisador.

Antes da pandemia, na tentativa justamente de fugir do assédio e do preconceito, muitas pessoas tinham como estratégia criar no ambiente de trabalho “tradicional” um cenário alternativo para não se expor. Era a chamada “vida dupla”, ainda, infelizmente, comum para quem não pode falar de sua orientação sexual e identidade de gênero com os colegas de escritório. “Com o home office, essa vida dupla ficou mais difícil”.

Na pandemia, de acordo com Soldatelli, a intimidade da câmera possibilitou a abertura para que colegas de trabalho falassem sobre assuntos pessoais e a intimidade com perguntas sobre onde a pessoa mora, com quem e como era sua rotina durante o isolamento. Muitas, então, decidiram “sair do armário”, nesse contexto.

“Não podemos dizer que é um resultado direto, mas percebemos um aumento recente de pessoas falando de sua orientação sexual no trabalho. Embora tivesse uma outra metodologia, um outro estudo nosso, de 2015, mostrou que 47% das pessoas falavam sobre o assunto. A pesquisa mais recente apontou que esse número aumentou para 55%, um crescimento considerável de 8%. Outros estudos também apontam essa tendência”.

Essa curva é explicada também por fatores como o fortalecimento da luta LGBTQIA+ e a chegada da geração Z ao mercado. Mas, para Soldatelli, não se pode desconsiderar a catálise provocada pelo home office ao escancarar a intimidade de seus colaboradores.

Ele defende que as empresas se preparem de forma mais abrangente e consistente para promover o bem-estar dos colaboradores com a ampliação de iniciativas de diversidade e inclusão. Afinal, seus colaboradores estão mais expostos e é preciso pensar em estratégias efetivas para evitar o aumento também de casos de assédio e discriminação.

Há razões para preocupação. Hoje, segundo a pesquisa, apenas 35% das pessoas LGBTQIA+ acham que os colegas estão abertos para conviver com elas. O levantamento mostrou ainda que 47% das pessoas LGBTQIA+ têm renda média abaixo de quatro salários mínimos, frente a 36% das pessoas que não fazem parte do grupo.

O tempo médio em que o primeiro grupo trabalha, em uma mesma companhia, é de 3,07 anos, contra 4,13 anos do segundo. A rotatividade maior, segundo Soldatelli, é consequência direta da discriminação e do assédio, que tornam o ambiente de trabalho mais tóxico para essas pessoas.

“Três em cada quatro pessoas LGBTQIA+ ouvidas pela pesquisa não veem as ações realizadas pelas empresas como efetivas. Esse cenário aumenta a urgência para se trabalhar esse tema nas empresas. É preciso aumentar a efetividade das ações relacionadas à diversidade para sensibilizar colaboradores e definir as políticas de atuação frente a casos discriminatórios. Justamente para que o aumento dessa exposição possibilitada pelo home office não traga um aumento de casos discriminatórios”, conclui.

Mais números da pesquisa:

Pessoas LGBTQIA+ são 10% dos colaboradores nas organizações, mas apenas 16% delas ocupam cargo de liderança;

32% são bissexuais;

54% estão há menos de dois anos nas organizações;

59% têm menos de 31 anos;

71% das pessoas bissexuais são mulheres;

57% possuem ensino superior;

47% possuem renda inferior a 4 salários mínimos;

Apenas 35% das pessoas LGBTQIA+ acham que os colegas estão abertos para conviver com pessoas LGBTQIA+;

A diferença entre percepção de barreiras para contratação de pessoas LGBTQIA+ é 20% maior neste grupo, em comparação a pessoas que não fazem parte dele;

45% das pessoas LGBTQIA+ acreditam que suas lideranças estão abertas para gerir pessoas de grupos minorizados.

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