Luta pela terra e defesa quilombola: conheça trajetória de Mãe Bernadete

Mãe Bernadete (Reprodução/Secom/PMS)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Assassinada a tiros na noite de quinta-feira, 17, Maria Bernadete Pacífico Moreira, 72, foi uma yalorixá (sacerdotisa ou mãe de um terreiro) e líder do “Quilombo Pitanga dos Palmares”, em Simões Filho (distante 27 quilômetros de Salvador), na Bahia. Conhecida como Mãe Bernadete, ela construiu uma trajetória de luta e defesa pela cultura popular quilombola.

Aos 23 anos, quando iniciou no candomblé, a liderança começou a trilhar atuação no movimento negro e, com o passar dos anos, foi porta-voz de uma série de denúncias de violência contra a população a qual pertencia, bem como da tentativa de tomada das terras quilombolas. Por esse motivo, entrou para o programa de proteção da Polícia Militar (PM), por meio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH).

Lei também: Líder quilombola, Mãe Bernadete é assassinada a tiros na Bahia

Nos últimos seis anos, a luta de Mãe Bernadete contra os ataques a terreiros, além do assassinato de lideranças religiosas de matriz africana, se intensificou com o assassinato do filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, liderança conhecida como “Binho do Quilombo”. Ele foi assassinado a tiros, em 2017, no próprio carro, também em Pitanga dos Palmares. As investigações indicam disputas territoriais.

PUBLICIDADE
Mãe Bernadete em ato em defesa de territórios quilombolas (Reprodução/Instagram: @gambabahia)

De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), na qual Mãe Bernadete estava à frente desde 2013, a entidade possui registro de 30 execuções de quilombolas no País. Na maioria dos casos, as vítimas eram lideranças e os assassinatos aconteceram dentro das comunidades, em grande parte, com uso de arma de fogo.

Articulação quilombola

Mãe Bernadete era coordenadora nacional da Conaq. No comando da entidade, ela era responsável por mobilizar as comunidades quilombolas em todo o País, por meio do reconhecimento legal de direitos específicos, no que diz respeito ao título de reconhecimento de domínio para as comunidades quilombolas.

A líder coordenava coletivos, organizações e outros grupos em, pelo menos, 24 Estados, com o objetivo de identificar, representar e ampliar a visibilidade de cerca de 3,5 mil comunidades localizadas em todas as regiões do Brasil.

Liderança quilombola Mãe Bernadete em manifestação (Reprodução/@oliviasantana65)
Igualdade racial

Entre 2009 e 2016, Mãe Bernadete foi titular da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Simões Filho durante a gestão do prefeito Eduardo Alencar (PSD). No cargo, ela atuava na promoção e no fortalecimento da memória local.

À frente da pasta, ela garantiu uma série de feitos em benefício das comunidades quilombolas. Um exemplo foi que, por meio do selo de certificação dos produtos de procedência quilombola, chegou a organizar uma viagem à África do Sul para ampliar o desenvolvimento local.

Luta pela terra

Mãe Bernadete morreu sem ver a titulação do quilombo liderado por ela ainda ser concluída, ainda que o espaço tenha sido certificado, há quase dez anos, pela Fundação Cultural Palmares (FCP). No território, que possui 854 hectares, vivem 290 famílias, dentre 120 agricultores, cuja produção é voltada para frutas como abacaxi, banana-da-terra, inhame e maracujá, além de verdura, farinha e vatapá.

Localização do ‘Quilombo Pitanga dos Palmares’ (Reprodução/TV Bahia)

Nos últimos anos, insegurança, precarização das condições de vida, desmatamento, poluição dos canais hídricos e riscos à saúde da população passaram a fazer parte do cotidiano do “Quilombo Pitanga dos Palmares”. Além disso, o território enfrenta diversos impactos diretos e indiretos de grandes empreendimentos públicos e privados, sobretudo, pela imobiliária industrial.

Leia mais: Marco Temporal para territórios quilombolas já foi negado pelo STF
Pedidos de justiça

A morte de Mãe Bernadete causou comoção nacional e uma série de pedidos de justiça e celeridade na resolução do casos. Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, o racismo religioso mata e produz violências reais.

“O ataque contra terreiros e o assassinato de lideranças religiosas de matriz africana não é pontual. O racismo religioso é mais uma faceta da conformação racista que estrutura o País e precisa ser combatido por meio de políticas públicas”, disse a ministra em nota.

Por meio das redes sociais, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, também demonstrou pesar pela morte de Mãe Bernadete e ressaltou a atuação dela na defesa dos povos quilombolas. “Meus sentimentos sinceros a todos e todas da comunidade. Peço ao governador Jeronimo Rodrigues apoio à comunidade nesse momento de dor. A intolerância religiosa e o racismo precisam ser combatidos com rigor!”, escreveu.

O Instituto Sou da Paz também divulgou nota e pede que “as investigações policiais para os assassinatos de Bernadete e de seu filho não permitam que eles aumentem o já inaceitável nível de impunidade no Estado”.

“É preciso exigir do Estado brasileiro compromisso com o direito à vida para todas as pessoas, e a proteção imediata para as lideranças do “Quilombo de Pitanga de Palmares”. Diligência e engajamento nas investigações com a identificação e punição de todos os envolvidos são urgentes”, diz trecho da nota.

Leia mais: Ao menos trinta lideranças quilombolas foram assassinadas na última década, afirma Conaq
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.