Machado de Assis surge em livro com raridades e primeiras edições; obras são do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

Organizadores selecionaram obras no acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (Foto: Dida Sampaio/Estadão)
Com informações do Estadão

MANAUS – De antemão, é importante dizer, um livro como Primeiras edições de Machado de Assis não tem por finalidade, segundo Hélio de Seixas Guimarães, Ieda Lebensztayn e Luciana Antonini Schoeps, os organizadores, “apresentar os exemplares como fetiches de colecionadores, o que eles também não deixam de ser, mas valorizá-los como material de pesquisa e produção de conhecimento”.

Os organizadores selecionaram no acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, onde há 49 volumes da obra de Machado de Assis, os títulos publicados em vida pelo autor. Os exemplares são únicos por dois motivos. Em primeiro lugar, porque são primeiras edições. Em segundo lugar, porque algumas edições pertenceram a figuras da época, amigos do autor, como por exemplo José Veríssimo e Joaquim Nabuco.

Por isso, se o leitor prestar atenção, ter em mãos as Primeiras edições de Machado de Assis, antes de tudo, significa estar em contato com a história biobibliográfica dos livros. E ainda: a história da sociabilidade literária no Brasil oitocentista. A investigação abrange tanto a produção e a publicação quanto a recepção. Não é pouca coisa. Para dizer a verdade, é admirável o esforço de contextualização que só a experiência com esse tipo de pesquisa consegue realizar bem.

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Dado que fazemos a arqueologia do processo, convém lembrar que esse livro tem sua origem na Exposição Machado de Assis na BBM: Primeiras Edições e Raridades, realizada entre 27 de setembro e 17 de dezembro de 2018. Pela primeira vez o público pôde ver de perto as raridades que Guita e José Mindlin e Rubens Borba de Moraes, com paciência e dedicação, reuniram ao longo da vida.

Quem fez a leitura de Uma vida entre livros: reencontros com o tempo, de José Mindlin, sabe o esforço do autor em busca de exemplares raros. Nesse sentido, as imagens dos livros de Machado de Assis mostram que o esforço não estava apenas na busca do objeto, mas também, como se verifica, na garantia de preservá-lo.

Os livros foram cuidadosamente encadernados. Aliás, chama a atenção a qualidade da encadernação. As reproduções fotográficas de Wagner Souza e Silva conferem ao todo uma materialidade que o detalhamento dos livros, por meio dos comentários, termina por salientar.

O escritor Machado de Assis, autor de 'O Alienista', foi embranquecido pelo crítica literária e hoje sua identidade é redescoberta
O escritor Machado de Assis, autor de ‘O Alienista’, foi embranquecido pelo crítica literária e hoje sua identidade é redescoberta  Foto: (Academia Brasileira de Letras

Dentre as informações técnicas e contextuais que Primeiras Edições de Machado de Assis traz ao leitor, está o comportamento do escritor, expresso na troca de cartas com amigos, identificado na publicação dos livros a partir dos anos de 1890, com relação aos próprios textos.

Dito de outro modo: à propriedade intelectual. A lei de direitos autorais não foi promulgada antes de 1898. No entanto, desde os anos de 1860, o escritor estava preocupado com o destino do que publicava. A inscrição “da Academia Brasileira”, por exemplo, é um “índice de consagração e institucionalização literárias, que o autor fazia questão que figurasse no frontispício de seus livros”.

Seja cuidando da edição do livro, seja cuidando da circulação, Machado de Assis, agindo como agia, contribuía para que a profissão de escritor fosse reconhecida.

De certo modo, o diálogo com o leitor, presente em muitos de seus romances, em muitos de seus contos, também parece fazer as vezes de uma legitimação, na medida em que se criaria uma espécie de vínculo. Talvez ele fique mais evidente quando lemos as advertências dos livros.

Nelas, o autor explica as características da obra. Procura dar ao leitor orientações sobre o que vai encontrar. Em Histórias da Meia-Noite, por exemplo, diz Machado de Assis: “Aproveito a ocasião que se me oferece para agradecer à crítica e ao público a generosidade com que receberam o meu primeiro romance, há tempos dado à luz. Trabalhos de gênero diverso me impediram até agora de concluir outro, que aparecerá a seu tempo”.

Uma edição histórica de Machado de Assis na biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
Uma edição histórica de Machado de Assis na biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Diferente de um estudo de crítica genética, que se dedicaria aos manuscritos do autor, que analisaria os desvios, as rasuras, os apagamentos, buscando no vai e vem da escrita uma expressão da criação, Primeiras Edições de Machado de Assis fala de uma pesquisa da historicidade. Fala, como se mostrou, de uma pesquisa da materialidade.

A investigação da materialidade, desde a edição do livro até a circulação, portanto desde a produção do objeto, traz novos olhares sobre a criação. Voltando ao ponto de partida, o conhecimento das primeiras edições não deve fazer o leitor cair em certo fetichismo, o reconhecimento do valor do objeto pelo objeto e nada mais, mas produzir o efeito mais que contrário de relacionamento com a obra. Nunca é demais emitir um sinal de alerta. A existência de edições críticas como essa é fundamental para que a investigação do texto não se realize com base em conjecturas sem embasamento.

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