Maior peixe amazônico provoca corrida de centenas de pescadores em São Paulo

Os invasores são aqueles que se encontram fora de seu ambiente de distribuição natural e ameaçam as espécies nativas ou seus ecossistemas, causando impactos ambientais e econômicos (Bernardo Oliveira/Divulgação)
Com informações do Estadão

SOROCABA – A expectativa de fisgar um pirarucu, maior peixe amazônico, que chega a pesar 200 quilos, tem levado centenas de turistas e pescadores esportivos à região de Cardoso, no Norte do Estado de São Paulo, na divisa com Minas. Desde que o gigante dos rios começou a ser fisgado com maior frequência, a ocupação das pousadas, na margem paulista do Rio Grande, que separa os dois Estados, aumentou 50%, diz a prefeitura de Cardoso. Por ser uma espécie invasora, a pesca é liberada para pescadores amadores e profissionais devidamente registrados, segundo a Polícia Ambiental.

Especialistas advertem que o pirarucu pode se tornar uma ameaça para os peixes nativos dos rios paulistas, por ser voraz e capaz de desestabilizar as cadeias alimentares. Ele está ocorrendo em um trecho represado do rio pela Hidrelétrica de Água Vermelha, onde já proliferam outras espécies não nativas, como o tucunaré. O peixão atingiu vários afluentes do Grande e pode se espalhar por outros cursos d’água do interior. Conforme o Centro de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (Cepta), a proliferação de espécies exóticas já coloca em risco de extinção peixes nativos de grande relevância, nos rios paulistas, como o curimbatá e a piracanjuba.

Fisgar o gigante dos rios está virando rotina para o pescador Roberto do Carmo Jesus, morador de Cardoso. Desde o final de 2019, ele pescou cinco grandes exemplares, o menor deles com 73 quilos, no Rio Marinheiro, afluente do Grande. O maior pesou 110 quilos e mediu 2,15m. “Quando conto que peguei no anzol, com vara de pesca, ninguém acredita”, disse. O pescador conseguiu uma boa renda com a venda da carne excedente a R$ 25 o quilo – uma parte ficou para o consumo da família. Sua mulher, Maria Lúcia, usa as escamas como lixa de unha.

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Jesus fisgou o peixe maior em um braço do rio com águas rasas e calmas, mas lutou quase uma hora para colocar o espécime no barco, com a ajuda de um amigo. “Em certo momento, ele investiu contra o barco, acho que tentando derrubar a gente na água. Foi um susto grande, mas acabou dominado”, relatou o pescador.

Em outubro do ano passado, o pescador Gonçalo da Silva, de Mira Estrela, conseguiu um pirarucu de dois metros nas águas do Grande. “Fisguei o grandão em um bico do rio, foi 40 minutos de briga com o molinete. Pesou 78 quilos”, contou. Antes, ele já havia capturado um espécime menor, no trecho do rio que corta Mira Estrela.

A façanha maior ainda é do comerciante Thiago Aparecido dos Santos, de 18 anos. Com a ajuda de dois amigos, ele fisgou e arrastou para o barco um pirarucu de 117 quilos, em janeiro deste ano, no Rio Turvo, afluente do Grande. Depois desse, o pescador ainda pegou outros exemplares menores. “Tem muito pirarucu, ele se reproduz muito rápido e consome outros peixes. Se a gente não continuar pescando, logo ele vai fazer muito estrago”, disse. O Turvo, onde o pirarucu já chegou, tem vários afluentes, inclusive, o Rio Preto, que está mais próximo da bacia do Rio Tietê.

Origem dos invasores

Oficialmente, ainda não se sabe como o peixe amazônico chegou ao norte paulista. Segundo os relatos, um criador instalou um viveiro com filhotes de pirarucus em Paulo de Faria, em 2010. A ideia dele era produzir o peixe em cativeiro e vender a carne, mas o açude se rompeu durante o período chuvoso e os peixes foram parar no Rio Grande. Como as águas são represadas, a espécie encontrou condições ideais para se reproduzir. Os pirarucus estão em um trecho com cerca de 100 quilômetros de rio, entre a barragem da hidrelétrica de Marimbondo e a de Água Vermelha. Ainda não houve registro do peixe à montante de Marimbondo.

Com a rápida proliferação da espécie, a prefeitura de Cardoso já estuda uma forma de promover o turismo usando o pirarucu. “O município vem estudando alternativas para evitar que o peixe se torne um problema e uma delas é promover a pesca esportiva”, disse o assessor de comunicação e eventos, Eduardo Andrade.

Segundo ele, o peixão passou a atrair um fluxo mais intenso de turistas à cidade. “Estamos com inscrições para um campeonato de pesca do tucunaré, que acontece no próximo dia 10, mas muitos pescadores estão vindo por conta do pirarucu”, disse.

Conforme a Secretaria de Turismo, os ranchos de veraneio da região estão lotados. “Na prainha (de Cardoso) temos 20 quiosques grandes, dez quiosques pequenos e cinco chalés. Estão todos ocupados e ainda devemos receber mais turistas. Nossa expectativa é de que, durante o campeonato de pesca, sejam mobilizados 100 barcos com, ao menos, dois pescadores em cada um”, informou Andrade.

O Grande deságua no Rio Paraná, que banha toda a costa oeste do Estado de São Paulo. Em Presidente Epitácio, à beira do “Paranazão”, os pescadores estão na expectativa da chegada do pirarucu, mas ainda não houve registro de captura ou avistamento. “É questão de tempo para eles migrarem rio abaixo, pode acontecer já na temporada das chuvas”, disse o guia pesqueiro Francisco Garcia.

Nesta época do ano, começa a temporada de pesca do tucunaré, que vai até outubro. “É o peixe preferido dos turistas, pois luta bastante no anzol. Também se pesca muito o pacu e a corvina”, conta a atendente Shirley Ribeiro, da Pousada Tucuna. Segundo ela, alguns hóspedes chegam perguntando sobre o pirarucu. A atendente se preocupa com o possível impacto ambiental. “Depois que aumentaram os tucunarés, os dourados desapareceram. Os últimos cardumes estiveram por aqui há cinco anos”, afirmou.

Sem predadores

O peixão amazônico chegou a outros afluentes como o Ribeirão Marinheiro, onde também já foi pescado, segundo o presidente da Associação Projeto Ambiental Piracanjuba, André Dorta Souza. “O pirarucu não tem predadores e a população não tem o costume de consumir esse peixe. É uma espécie voraz, que devora tudo o que encontra, por isso as espécies nativas estão sumindo”, disse.

Alguns pescadores, segundo ele, estão se especializando em pescar o invasor, mas falta mercado para o consumo do peixe. “Se incentivarmos a culinária com a carne do pirarucu, a pesca aumenta e haverá controle da população. Essa talvez seja a única saída, pois a quantidade está aumentando”.

Os rios da região também estão sendo povoados pelo bagre africano que, segundo Souza, não tem valor comercial. “O consumo desse peixe enfrenta mais resistência, por isso não atrai pescadores. E é também uma espécie voraz. Juntos, pirarucu e bagre são um sério problema ambiental”, avaliou.

A chegada do peixão aos rios paulistas surpreendeu o veterano pescador Lauro Luís da Silva, de 83 anos, morador de Barra Bonita. Ele lembra que, na década de 1970, precisou viajar para a Amazônia para fisgar um desses gigantes dos rios. “Foi em 1974, no Rio Tocantins, em Marabá (sudoeste do Pará). Pesava mais de 100 quilos. Maior que ele, pesquei uma piraíba de 140 quilos, anos depois, no Rio do Peixe, no Tocantins que, na época, ainda fazia parte de Goiás. Será que ainda vou ver um pirarucu no meu Tietê?”, questiona.

O velho pescador lamenta que os peixes que povoavam o Rio Tietê décadas atrás, praticamente, desapareceram. “O Dourado, a Tabarana, o Piau, até o Lambari já não se vê mais. Ainda tem Corvina e Tilápia, que não são peixes daqui, mas em pouca quantidade. Pior do que os invasores é a poluição que vem acabando com os peixes. Ficam só espécies mais resistentes a ela, como a piranha. Essa, ainda tem muito”.

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