Novo distrito brasileiro, Santo Antônio do Matupi teve aumento de 110% no desmatamento

Um caminhão repleto de troncos de madeira maciça transita pela rodovia Transamazônica, nos arredores de Manicoré (AM). (22.11.2015/Bruno Kelly/Greenpeace)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium*

MANAUS – O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Amazonas tem um novo distrito municipal: Santo Antônio do Matupi, localizado em Manicoré, distante 332,08 quilômetros da capital, Manaus. As atividades econômicas da localidade, que surgiu a partir de um assentamento, têm impactado no aumento do desmatamento e a agropecuária é um dos principais fatores. Dados do Observatório da BR-319, levantados a pedido da REVISTA CENARIUM, apontaram que o número de alertas de desmatamento no novo distrito aumentou 110% em 13 anos.

De acordo com o IBGE, os distritos são unidades administrativas internas ao município. Determinações estaduais podem disciplinar a criação dos distritos, adicionando critérios de criação, alteração ou supressão.

O assentamento surgiu em 1995, a partir de um projeto de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com o tempo, a localidade, no quilômetro 180 da BR-230 (Transamazônica), se estabeleceu, e apontada como um dos principais fatores responsáveis pela pressão sobre unidades de conservação situadas no município, como mostrou a CENARIUM no “ESPECIAL | Custo Devastação – Povos da Floresta sentem impactos“.

PUBLICIDADE

Segundo o Observatório, os alertas de desmatamento no, agora, distrito manicoreense “explodiram”, desde 2010. Naquele ano, o desflorestamento foi de 70 mil hectares. No ano passado, esse número chegou a 148 mil hectares desmatados, de acordo com a organização. Os dados foram levantados a partir do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento por corte raso na região.  

Arte: Mateus Moura/ CENARIUM

O consultor ambiental do Observatório da BR-319 Thiago Marinho, que atua área de geoprocessamento, afirma que o aumento constante da área desmatada no distrito evidencia a derrubada da floresta para o crescimento da atividade agropecuária, que está em forte expansão. A ligação do distrito via estrada, a proximidade com a BR-319 e com a cidade de Porto Velho, em Rondônia, reduz os custos logísticos, o que favorece a expansão de novos lotes para além dos limites do assentamento.

As imagens de satélite que usamos para monitorar os ramais mostram a existência na região de duas dinâmicas: dentro do distrito, temos as ocorrências de desmatamento e queimadas para expansão agropecuária; e nas suas bordas, com o crescimento de ramais para extração ilegal de madeira em áreas protegidas, que cercam o distrito, e o crescimento do garimpo ilegal, que juntos ganharam força nos últimos anos“, explicou ele.

Leia também: ESPECIAL | Custo Devastação – ‘Rios Voadores’

Ocupação da Amazônia

A origem do vilarejo exemplifica a história da ocupação da região amazônica, quando colonos, encantados com políticas de integração da ditadura militar, foram atraídos à localidade com a promessa de crescimento econômico e terras “à vontade”. O suposto “vazio demográfico” da região foi usado como argumento para a ocupação dessas terras. Matupi é conhecido por concentrar um grande número de madeireiras.

Além do próprio distrito, o município de Manicoré também é conhecido por concentrar os maiores números de desmatamento do Amazonas. No início do mês de março, o Observatório da BR-319 mostrou que as cidades de Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Tapauá, no interior do Estado, foram responsáveis por quase 94% do desmatamento registrado na área de influência da rodovia BR-319 em 2022. Juntos, somaram 159 mil hectares desmatados.

Há dois anos, a professora Maria*, moradora de Manicoré, contou à CENARIUM como o desmatamento e a exploração ilegal dos recursos naturais impactam diretamente na vida de quem depende da floresta em pé para sobreviver. “Primeiro é a madeira retirada ilegalmente. Eles apresentam planos de manejo que não são autorizados pelos órgãos competentes. Futuramente, não vai ter mais madeira. Outra coisa é a questão da caça predatória, muitos caçadores vão para as áreas das sete cachoeiras. Tem caçador que pega 80 pacas para vender”, contou Maria, à época.

Hoje, o cenário não mudou. A professora falou sobre os artifícios que invasores usam para retirar madeira do Rio Manicoré. “Eles [os madeireiros] ficavam assediando [os moradores], no sentido de ‘Vou te dar internet, posso tirar tantas balsas de madeira?’ e a pessoa que se intitulava dona daquele pedaço fechava negócio. Foi assim que eles foram tirando madeira, e foram explorando mesmo“, afirmou, acrescentando que a prática se expandiu para a Terra Indígena (TI) Rio Manicoré.

Leia também: Novo presidente do Ibama trabalha para aplicar política de ‘Desmatamento Zero’ na Amazônia

Em 2022, o Governo do Amazonas entregou a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), título de uso dos recursos naturais, a extrativistas das comunidades tradicionais no município. Foi na área demarcada pela CDRU que o Greenpeace Brasil registrou, em agosto do ano passado, uma área de mais de 1,8 mil hectares sendo destruída pelo fogo. O território abriga 4 mil moradores em 15 comunidades.

Veja o vídeo da queimada:

Novos distritos na Amazônia

Além do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso têm, cada um, um novo distrito municipal, o que consiste em novas unidades administrativas internas ao município. Em Rondônia, foi criado o distrito municipal de São Domingos de Guaporé, em Costa Marques, a 407,77 de distância de Porto Velho; e no município de Itiquira, no Mato Grosso, Ouro Branco do Sul é o novo distrito municipal.

A atualização na lista de subdivisões municipais identificou o acréscimo de 28 novos distritos municipais no Brasil. Com a nova divisão, Santo Antônio do Matupi, assim como os demais, terá seus dados divulgados individualmente nos resultados do Censo 2022, do IBGE, o que possibilitará acesso a informações e perspectiva de análises específicas sobre a população local.

*Nome fictício criado para proteger a identidade da personagem, por questões de segurança.*

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.