OAB-AM avalia ação contra lei que proíbe crianças na Parada LGBTQIAPN+

Cores do arco-íris representam movimento LGBTQIAPN+ (Reprodução/Medium)
Ricardo Chaves – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM) estuda ingressar como “amiga da corte” – “amicus curiae” em termos jurídicos – em uma das duas ações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) que questiona a lei do Amazonas que proíbe a participação de crianças e adolescentes na Parada LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, não binárias e mais) no Estado.

O processo corresponde à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7584, movida pela Aliança Nacional LGBT+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH), e à ADI 7585 de autoria do Partido Democrático Trabalhista (PDT)

A informação foi revelada à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA pelo presidente da comissão amazonense, Caupolican Padilha. “Entendemos que a lei é inconstitucional. Estamos propondo à presidência da OAB que ingresse com amicus curiae na ação”, informou.

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O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), Caupolican Padilha (Reprodução/Redes Sociais)
Associações pelos direitos LGBTQIAPN+

A ADI 7584, que pertence à Aliança Nacional LGBT+ e à Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH), alega que a norma estadual não legisla para proteger a infância e a juventude, mas para atacar “infâncias e juventudes que destoam do padrão hegemônico da sociedade”.

Segundo as entidades, a lei é injusta e opressiva e parte de uma ideia errônea de que pessoas podem ser influenciadas a “se tornar” LGBTQIAPN+. “Não há preocupação real com as crianças, mas somente um ódio disfarçado de preocupação”, sustentam.

O representante da Aliança Nacional LGBT no Amazonas, Gabriel Mota, explica que o propósito da entidade também é fazer, por meio de medidas como essa, que a sociedade tenha consciência sobre a pauta do movimento em diversos segmentos.

“O objetivo do movimento social é justamente movimentar as estruturas da sociedade para garantir que a máxima constitucional do ‘todos são iguais perante a lei’ chegue, de fato, em todos e todas, não apenas naqueles que estão nos locais de tomada de decisão”, explica o representante.

Gabriel Mota é representante da Aliança LGBTI+ no Amazonas e também é professor de Língua Inglesa da Secretaria de Estado de Educação (Seduc Amazonas) e da Secretaria Municipal de Educação (Semed Manaus) (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Gabriel vai além e diz que o papel de entidades como a Aliança LGBTI+ é de incidência política e educação, de modo que o papel de judicializar ações contra o movimento é uma forma de garantir direitos.

“Projetos de lei como este, que proíbem a presença de crianças e adolescentes nas paradas LGBTI+, são uma forma de políticos fundamentalistas dialogarem com seu eleitorado e construir uma narrativa para sustentar seus mandatos, mesmo que sem embasamento teórico, uma vez que, prontamente, são projetos de lei inconstitucionais, inclusive, já pautados no próprio STF. Nosso foco é garantir direitos”, afirma Mota.

Ideologia homotransfóbica

A ADI 7585, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), sustenta que a lei amazonense é pautada em ideologia homotransfóbica e que as paradas do Orgulho LGBTQIAPN+ são manifestações sociais constitucionalmente válidas, que não podem ser discriminadas em relação a outros atos coletivos populares realizados sem imposição de critérios e proibições. O partido alega, ainda, que a norma classifica essas manifestações de forma preconceituosa e arbitrária, como ambiente impróprio para tal faixa etária.

Para a legenda, a norma viola princípios constitucionais, como o da dignidade humana, da igualdade, da pluralidade de identidades familiares, além da não discriminação às liberdades fundamentais de livre orientação sexual e livre identidade de gênero.

A jurista e presidente nacional do PDT Diversidade, Amanda Anderson, explicou à reportagem que a iniciativa observou que a lei amazonense descumpre preceitos fundamentais constitucionais, já que qualifica a população LGBTQIAPN+ como danosa à infância, além de ir contra a jurisprudência de decisões do próprio STF.

Amanda Anderson é presidente nacional do PDT Diversidade (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“A legislação aprovada é uma intervenção estatal arbitrária na educação de crianças e adolescentes, ou seja, um totalitarismo incompatível com a democracia constitucional brasileira. Foi uma ação apresentada pelo próprio movimento LGBTI+ do PDT, já que fere nossa dignidade como um todo, e abraçada pelos líderes do PDT, sob a égide de constitucionalistas renomados como Paulo Iotti”, explica a presidente.

Sociólogo questiona falta de ações contra outros eventos

O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e sociólogo Luiz Antônio concorda com a argumentação das associações e do partido político e questiona o que, de fato, a Parada LGBTQIAPN+ difere de outros eventos. Para ele, a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) acaba reproduzindo o caráter homofóbico e discriminatório com relação à questão da população LGBTQIAPN+ ao apresentar, discutir e aprovar leis desse tipo.

O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Não há nenhuma manifestação da Aleam em relação aos carnavais, festivais de música ou eventos artísticos de modo geral, mas, existe, especificamente, contra a Parada LGBT. Por que se distingue isso? O que há ali de distintivo?”, reflete o professor.

O sociólogo continua: “Existem grandes eventos em que as crianças precisam ser protegidas conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Quando a Aleam elabora uma lei específica contra a Parada LGBT, ela não só está sendo homofóbica, como legisla em assunto que não é de sua competência. Uma lei federal já estabelece as circunstâncias em que as crianças e os adolescentes devem ser monitorados na participação de eventos”, explicou.

Trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente que trata sobre a competência do poder público para regular espetáculos públicos (Reprodução/Governo Federal)
O que diz o autor da lei

Procurado pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, o deputado estadual Delegado Péricles (PL) comentou a respeito do questionamento da lei de sua autoria no STF. O político defende a constitucionalidade da iniciativa e argumenta que a intenção é proteger crianças de situações que, segundo ele, acontecem na Parada LGBT.

“Acredito que não há qualquer discriminação ou inconstitucionalidade na lei, mas quem entender diferente pode ajuizar ação. Não se está proibindo a parada ou evento similar. O intuito da lei é proteger crianças e adolescentes de situações de nudez, pornografia e intolerância religiosa que, infelizmente, acontecem durante esses eventos. Isso já ocorre nas sessões de teatro ou cinema, quando há restrições considerando a atividade imprópria para menores”, alegou.

Trâmite até a promulgação

O projeto que trata da Parada LGBT foi apresentado em agosto do ano passado pelo deputado estadual Delegado Péricles e subscrito pelos parlamentares Débora Menezes (PL) e João Luiz (Republicanos). Aprovado por ampla maioria da Casa Legislativa, o único voto contra foi de Alessandra Campelo (Podemos).

Enviada ao Executivo estadual, a proposta acabou não sendo vetada ou sancionada pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil). Com isso, o Legislativo promulgou a lei, o que ocorre quando o governo não sanciona o projeto de lei no prazo regulamentar de 15 dias úteis.

Leia mais: Lei do Amazonas que proíbe crianças em Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ é questionada no STF
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga
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