Ovo vira única opção de alimento após aumento da pobreza na pandemia

Crise fez consumo de carne no Brasil chegar ao menor patamar em 25 anos (Reprodução EPTV)
Com informações da BBC Brasil

SÃO PAULO – Coloca a panela no fogão, acende, põe um fio de óleo e quebra um ovo. Este se tornou o novo hábito diário da aposentada Maria José de Araújo, de 73 anos, e de milhares de brasileiros nos últimos meses na hora de preparar as refeições. Com o agravamento da crise financeira causada pela pandemia do coronavírus e as constantes altas do preço da carne, aliados à perda da renda e do emprego, o ovo tornou-se a principal fonte de proteínas de muitas famílias.

“Eu sempre comprava costela, bife ou frango. Mas hoje bife é para rico. Aqui em casa, nem pensar. Quando compro alguma coisa diferente, é coxa e sobrecoxa. Até o pé do frango está caro”, afirmou Maria José, que mora com o marido e a filha na Brasilândia, zona norte de São Paulo.

“Antes, a gente sempre colocava carne na mesa. Mas hoje a gente faz tudo com ovo. Omelete, ovo frito, cozido. Daqui a alguns dias, a gente não vai aguentar mais”, contou à reportagem.

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Junto ao marido e à filha, Maria José de Araújo (centro) diz que hoje ‘bife é para rico’ (BBC News Brasil)

Um estudo do grupo de pesquisas Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy (Comida por Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia, em tradução livre), da Universidade Livre de Berlim, apontou que o ovo foi o alimento que teve maior aumento no consumo dos brasileiros durante a pandemia: 18,8%.

Na avaliação dos pesquisadores, esse crescimento no consumo de ovos aponta para uma clara substituição no consumo de carne, que teve redução de 44%.

O número de pessoas que disse ter comido mais carne, entre novembro e dezembro de 2020, foi de apenas 3,2%.

‘Olha o ovo!’

O vendedor de ovos Leonardo Carlos Ribeiro Cabral, de 37 anos, sentiu essa mudança. Suas vendas dispararam. Antes da pandemia, ele vendia cerca de 1,5 mil a 2 mil caixas de ovos por mês. “Hoje, eu vendo 4 mil”, disse.

Três vezes por semana, ele percorre os 70 km que separam a Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, e a cidade de Mairinque, para buscar ovos.

Cabral entrou nesse mercado há seis anos como ambulante, vendendo cartelas de porta em porta e anunciando o produto por meio de um alto-falante, em uma Kombi.

As vendas de ovos de Leonardo Cabral aumentaram, e ele conta que sua clientela mudou
As vendas de ovos de Leonardo Cabral aumentaram, e ele conta que sua clientela mudou (BBC News Brasil)

Mas a perda de renda e a fome durante a pandemia fizeram o negócio de Cabral prosperar. Hoje, ele tem três funcionários que vendem o alimento em carros nas ruas.

“A gente mudou da água para o vinho. Eu tinha duas peruas velhas que usava para vender ovos. Hoje, comprei uma van, comprei um carro novo e estou construindo quatro casas para investimento porque não sei até quando vai durar essas vendas”, afirmou.

Cabral contou que percebeu uma mudança no perfil de seus clientes no último ano. “Antes, as pessoas de classe média não compravam. Hoje, elas são as que mais compram, principalmente quando a Prefeitura fecha os comércios e as pessoas não podem sair de casa. Se eu soubesse que vender ovo seria tão bom, hoje eu teria um galinheiro”, afirmou sorrindo.

Consumo de carne caiu

A crise fez o consumo de carne no Brasil chegar ao menor patamar em 25 anos, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), desde o início da série histórica, em 1996.

Hoje, cada brasileiro consome, em média, 26,4 kg de carne por ano. Isso significa uma queda de quase 14% na comparação com 2019, um ano antes da pandemia. A queda em relação a 2020 é de 4%, segundo o Conab.

Economistas apontam que, com a alta do dólar, os produtores preferem vender a carne para outros países, como a China, que paga em dólares.

Mas nem o ovo escapou ileso da crise. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas, no último ano, seu preço teve uma alta acumulada de 11,45%, enquanto a inflação do consumidor foi de 6,35%.

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