Pastor que matou esposa sugeriu a vítimas de violência orar por agressores: ‘Vai pro joelho’

Ederlan Santos Mariano se autodenomina 'pastor' e matou a própria esposa (Reprodução)
Daleth Oliveira – Da Revista Cenarium Amazônia

BELÉM (PA) – Ederlan Santos Mariano, esposo e assassino confesso da cantora gospel Sara de Freitas Souza, encontrada morta com o corpo carbonizado na última sexta-feira, 27, já manifestou tolerância à agressão contra mulheres nas redes sociais. Em um vídeo, ele, que se autodenomina “pastor”, sugere que as vítimas orem por seus companheiros após serem ameaçadas ou agredidas.

“Quando ele bate na mulher, a senhora aconselharia as mulheres que estão assistindo este podcast que, se alguma delas, o esposo bateu, xingou, botou o dedo na cara, ameaçou, que espanca ela, não deixa ela sair de casa ou amarra dentro de casa, a senhora considera o quê? Vá pro joelho, minha filha?”, questionou durante um podcast a uma pastora.

Assassino confesso de Sara de Freitas Souza sugere oração por homens que agridem mulheres (Reprodução)

O acusado de feminicídio foi preso na madrugada do último sábado, 28, e está na carceragem da 25ª Delegacia Territorial, em Dias D’Ávila, na Região Metropolitana de Salvador (BA). Para a socióloga e advogada especialista em Direito das Mulheres e de Gênero, Jackline Seixas Hafid, o suspeito é apenas um entre milhares de religiosos que não apenas toleram agressores, mas também repudiam a denúncia e o divórcio em casos de agressão.

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Historicamente, religiosos se utilizam de versículos bíblicos para justificar que a mulher não pode se separar e, por isso, ela tem que aguentar todo tipo de violência em nome do casamento. Eles utilizam trechos que dizem que a mulher sábia edifica a sua casa, e a tola, destrói. Contudo, dados oficiais do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 40% das mulheres vítimas de violência doméstica no País se consideram evangélicas e, geralmente, procuram uma delegacia quando a situação já está no limite, quando elas já estão sofrendo os mais variados tipos de violência: espiritual, sexual e patrimonial, um ciclo de violência que, muita das vezes, é difícil enxergar por conta da religião“, comenta a advogada.

Jackline Seixas Hafid é socióloga e advogada especialista em Direito das Mulheres e de Gênero (Reprodução/Arquivo Pessoal)
A submissão da mulher na religião

Hafid afirma que a religião, principalmente a cristã, prega que a mulher é obrigada a manter um casamento a qualquer custo. “Eles utilizam de palavras bíblicas para fazer com que a mulher permaneça neste ciclo de violência. Alguns religiosos usam como pretexto a palavra submissão, referenciado na Bíblia, para que a mulher seja sempre submissa ao homem e se submeta a todos os tipos de violência, continuando ali, na constância do casamento“, explica.

Sara Mariano tinha 35 anos e cantava em eventos religiosos (Reprodução)

A advogada Amanda Pinheiro, também especialista no Direito das Mulheres, argumenta que tudo não passa de fundamentalismo religioso e interpretações equivocadas. “São dogmas religiosos que amordaçam mulheres sob a justificativa de ser sua responsabilidade a manutenção do casamento e família, subjugando-se, sob uma suposta submissão, à figura do esposo, que exerceria sobre ela uma posição de autoridade e cobertura espiritual supostamente imposta por Deus após o compromisso do matrimônio“, conta.

Nesse cenário, a mulher se vê com tamanha responsabilidade de zelo pela figura do esposo e filhos, se cobrando e sendo cobrada a pagar um preço em renúncia, oração e resiliência quanto à conduta do esposo, fazendo com que ela tenha medo de se rebelar contra a autoridade do esposo, logo contra a vontade divina, sobre a vida dela. Isso reflete em medo de julgamentos dentro da própria comunidade religiosa“, descreve Amanda.

A advogada Amanda Pinheiro (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Violência doméstica

As advogadas alertam que pastores e demais religiosos que forem displicentes com casos de violência doméstica podem ser responsabilizados na Justiça. “O artigo 19 da lei Maria da Penha diz que você tem o dever de procurar o poder público para proteger a vida da vítima. Então, o relacionamento não pode estar acima da vida da mulher. Portanto, se por um acaso um religioso fala para você orar ao invés de denunciar, essa pessoa também pode responder criminalmente por essa omissão, por esse ato de utilizar a religião em detrimento da dignidade da mulher“, destaca Jackline Seixas Hafid.

A omissão de comunicação de crime que não exige autorização da vítima para serem levados à Justiça, como crime de lesão corporal contra a mulher, por exemplo, que tem a omissão de comunicação, é considerado contravenção penal, punível com multa, comprovado o conhecimento do fato pelo pastor e não denunciado“, completa Amanda Pinheiro.

Mulheres precisam de rede de apoio

Para a neuropsicóloga Jaqueline Costa, a mulher cristã sofre mais pressão da sociedade para conseguir agir contra seu parceiro. Por isso, ela precisa de uma rede de apoio, que pode ser formada por amigas ou familiares, a fim de que tenha força para denunciar o agressor à polícia.

Neuropsicóloga Jaqueline Costa é de Belém, no Pará (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Para ser efetivo, a mulher precisa de uma rede de apoio forte que inclui familiares, amigos, pessoas de confiança, que se comuniquem e tracem junto estratégias de enfrentamento – psicólogos, conhecimentos, direitos e compreensão sobre violência -, a mulher precisa entender e aprender a diferenciar o que é religião e o que é opressão e submissão, tudo para sair do lugar de vulnerabilidade e risco“, aconselha Jaqueline.

Leia mais: Pastor acusado de matar esposa dava conselhos matrimoniais na internet
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Adriana Gonzaga
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