Pastores articularam caravanas e mostraram a face religiosa do terrorismo em Brasília

Ex-chefe da PM era o responsável pelo comando da corporação no dia em que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atacaram sedes dos três poderes (Evaristo Sá/AFP)
Da Revista Cenarium*

“Lute agora e faça parte da história”, dizia o anúncio de uma caravana que pretendia levar bolsonaristas golpistas do Rio de Janeiro para protagonizar ataques aos Três Poderes, em Brasília, no último domingo, 8. A postagem no Facebook foi apagada na segunda-feira, 9. A excursão foi organizada pelo pastor Elias de Souza, conhecido como Elias Gaúcho. Assim como ele, outras lideranças religiosas, algumas delas políticos com mandato, participaram e ajudaram a organizar e convocar ataques aos Três Poderes.

É o caso dos parlamentares bolsonaristas e religiosos Clarissa e Júnior Tércio, ambos do PP de Pernambuco. Enquanto extremistas depredavam o Congresso Nacional, alguns deles empunhando bíblias e cantando louvores, eles demonstravam apoio público aos criminosos. No domingo, Clarissa e o marido dela, o pastor Júnior Tércio, vereador no Recife e deputado estadual mais votado do Estado, compartilharam vídeos da invasão ao Congresso nas redes sociais.

No dia seguinte, a parlamentar recuou e divulgou uma nota em tom de retratação. Disse ser contra “atos de violência, vandalismo ou destruição do patrimônio público”. No mesmo tweet, Clarissa disse estar “em alinhamento com Jair Bolsonaro”.

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Clarissa e Júnior pertencem a um clã religioso que se estabeleceu como arauto do conservadorismo bolsonarista cristão no Legislativo pernambucano nos últimos anos. A deputada estadual é filha do pastor evangélico Francisco Tércio, presidente do Ministério Novas de Paz da Assembleia de Deus, que comanda a Rádio Novas de Paz (88,1 FM). Em 2020, ela esteve entre os parlamentares que invadiram o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), em Recife, para tentar impedir o aborto legal de uma criança de 10 anos, vítima de estupro.

O casal está na lista de acusados de coautoria de crimes contra o Estado democrático de direito, entregue pela bancada do PSOL ao STF. O partido pede a investigação e responsabilização das autoridades públicas de todo o Brasil, por participação nos crimes. Também há pedidos de quebra de sigilo telefônico e suspensão de redes sociais. 

A caravana do pastor Elias, que foi candidato a vereador em Teresópolis, pelo Avante, em 2020, acabou não saindo por não atingir o quórum desejado. Um dos organizadores da excursão, o empresário Daniel Fecher, porém, informou à reportagem que a equipe articula uma nova viagem a Brasília, desta vez, para “oferecer apoio aos patriotas que foram detidos”.

‘Discurso religioso agiu como motivador ideológico’

“Podemos dizer que o discurso religioso agiu como motivador ideológico dos atos violentos vistos em Brasília, porque mobiliza pautas morais, o conservadorismo da sociedade brasileira”, considera Nilza Valéria, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. A frente conseguiu identificar algumas lideranças evangélicas que participaram dos atos e produziu uma análise onde ressalta que, “entre os evangélicos, como simpatizantes do movimento, podemos conferir figuras do universo gospel e pastores de igrejas locais, sem alcance nacional”. 

Segundo ela, narrativas de embate que acionam um ideário de luta do bem contra o mal têm sido propagadas por lideranças evangélicas bolsonaristas, capazes de mobilizar multidões de fiéis e com grande influência política. É o caso do ex-senador Magno Malta, que postou um vídeo no qual aponta as manifestações como o “desespero de um povo que não foi ouvido” e do pastor e televangelista Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Posicionamento de Magno Malta sobre os atos; pastor afirma que o povo não pode ser colocado no ‘balaio de criminosos e terroristas’ (Reprodução)

Um dia depois dos atentados terroristas em Brasília, em um vídeo com tom agressivo, Silas Malafaia disse que a esquerda já tinha feito ocupações em prédios públicos sem que fosse chamada de antidemocrática, e tachou de antidemocráticos os inquéritos conduzidos pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, ressaltando que é “contra os excessos”, mas que a “paciência do povo tem limites”.

Outro líder evangélico influente próximo da família Bolsonaro, o pastor Josué Valandro, da Igreja Batista Atitude, da Barra da Tijuca, frequentada pela ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, usou as redes sociais para demonstrar apoio aos ataques em Brasília. No Twitter, ele compartilhou um vídeo que mostra criminosos dentro do Congresso. Antes, já havia anunciado nas redes que era “hora de jejuar pela pátria”. 

Valandro ainda republicou uma postagem feita por ele mesmo, em 26 de dezembro do ano passado, onde diz: “Pastor preso, índio preso, deputado preso, jornalista preso por ordem do Judiciário Federal! Mas corrupto comprovado é solto! A inversão de valores assusta”.

(*) Com informações da Agência Pública
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