Início » Economia » Petrobras compra créditos de carbono de projeto com desmatamento na floresta amazônica
Petrobras compra créditos de carbono de projeto com desmatamento na floresta amazônica
Rio de Janeiro - Edifício sede da Petrobras no Centro do Rio. (Fernando Frazão/ Agência Brasil)
Compartilhe:
14 de setembro de 2023
Da Revista Cenarium Amazônia*
BRASÍLIA – A Petrobras comprou créditos de carbono de um projeto onde houve desmatamento de floresta amazônica e com uma base de dados sobre desmate, usada para o cálculo dos créditos, considerada “não plausível”.
Além disso, o projeto Envira Amazônia, com quem a estatal fez a primeira transação do tipo, teve negada a renovação do projeto pela empresa que certifica iniciativas de crédito de carbono.
O documento da Verra que nega a renovação é de 23 de maio de 2023, três meses e meio antes do anúncio da Petrobras ao mercado sobre a compra dos créditos.
PUBLICIDADE
O projeto fica no Acre, a 40 km em linha reta da cidade de Feijó. É uma propriedade apontada como privada, de 200 mil hectares, dos quais 39,3 mil hectares são destinados à iniciativa —manter a floresta em pé, em vez de desmatá-la para a constituição de uma fazenda, e assim gerar os créditos de carbono como os comprados pela Petrobras.
Em 2018, a organização não governamental WRM (sigla em inglês para Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais) afirmou que famílias de seringueiros vivem há gerações na área e que há contestação quanto à propriedade do terreno.
Os documentos do projeto Envira Amazônia apontam a presença de comunidades extrativistas dentro e fora do imóvel rural.
Ao divulgar ao mercado que comprou 175 mil créditos de carbono do projeto, o equivalente a 175 mil toneladas de CO2 que seriam evitadas e a uma alegada preservação de 570 hectares de floresta, a Petrobras omitiu quanto pagou pelo crédito. O comunicado foi feito no último dia 5.
À Folha, a estatal disse que manterá o segredo sobre o valor pago. “Em função das dinâmicas de mercado, essa informação não será divulgada”, afirmou em nota.
“Houve um amplo processo competitivo para selecionar a melhor proposta para a qualidade dos créditos previstos na operação.”
A Petrobras confirmou a ocorrência de desmatamento na área usada para o projeto. Segundo a estatal, o projeto reportou um desmate de 464,8 hectares, “aproximadamente 1%”, desde o início do empreendimento.
“Tal reporte representa a contabilidade transparente requerida de um projeto de REDD+”, disse.
A geração de crédito de carbono ocorre a partir de atividades que evitem desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Os créditos gerados são vendidos a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
A Petrobras afirmou que, em caso de “desmatamento relevante”, não é autorizada a emissão de créditos previstos na linha de base original usada para os cálculos.
A estatal disse que existe um mecanismo chamado seguro de permanência, acionado em caso de perda de estoques de carbono.
“O projeto prevê 23% de retenção de créditos a título de seguro de permanência. Os créditos de reserva podem ser cancelados para compensarem prejuízo”, citou a nota da empresa.
O Envira Amazônia é desenvolvido por CarbonCo, com sede nos Estados Unidos, e JR Agropecuária e Empreendimentos, de Rio Branco (AC). As duas empresas não responderam aos questionamentos da reportagem.
Em abril de 2022, a associação que reúne as principais empresas do mercado de crédito de carbono no país —Aliança Brasil NBS— participou de consulta pública sobre o projeto Envira Amazônia e elaborou um documento em que aponta falhas na iniciativa.
Conforme o documento, a base usada não é plausível. Essa base apontou um desmatamento anual médio de 16%, e um desmatamento planejado de mais de 30 mil hectares no primeiro ano.
Depois, de forma “arbitrária e conservadora”, a base usada foi de 8 mil hectares de potencial devastação em quatro anos, segundo a Aliança Brasil.
A associação elencou pontos considerados problemáticos: a falta de apresentação de licenças para o desmate, a falta de evidências de que esse desmate seria planejado e o fato de um dos proponentes, a JR Agropecuária, ser também um dos agentes do desmatamento.
Um crédito é calculado a partir do dano que se evita, por isso a base usada é essencial no cálculo.
“Quando há o cálculo sobre essa pressão de desmatamento, é necessário avaliar em quanto tempo esse desmatamento será realizado”, disse à Folha, em resposta por email, a coordenadora-geral da Aliança Brasil, Carla Zorzanelli. “No projeto Envira há a possibilidade de geração do número de créditos proposto, porém há uma dúvida quanto à velocidade proposta de desmatamento.”
No projeto Envira há a possibilidade de geração do número de créditos proposto, porém há uma dúvida quanto à velocidade proposta de desmatamentoCarla Zorzanelli
coordenadora-geral da Aliança Brasil
A renovação do projeto foi negada pela Verra, empresa certificadora, em maio deste ano. Isso não significou a rejeição do projeto, mas a permanência da iniciativa no status “registrado”, conforme o documento sobre a negativa.
O projeto permanece registrado e pode vender créditos de carbono, disse a Verra em nota. “Unidades de carbono verificadas e disponíveis para venda poderão ser vendidas.”
Segundo a Petrobras, a linha de base do projeto foi revista e aceita pela Verra. “O rating emitido para o referido projeto é compatível com os melhores projetos do mercado brasileiro no banco de dados de REDD+ dessas agências”, disse.
Sobre a negativa da renovação do projeto em 2023, a estatal disse não ter informação. “A Petrobras analisou o monitoramento e verificações relativos à safra comprada, 2019-2021, estando todas regulares.”
Nos relatórios consultados, não houve menção à disputa fundiária na área, conforme a estatal.
Estamos continuamente avaliando nossos procedimentos, para incorporar as melhores práticas de due diligence quanto à elegibilidade dos créditosPetrobras
“O projeto Envira Amazônia foi validado no nível ouro para adaptação climática e benefícios excepcionais para as comunidades e biodiversidade. Nosso posicionamento envolve a aquisição apenas de créditos com alta integridade e qualidade, com os melhores selos de verificação.”
A Petrobras prevê gastar US$ 120 milhões (R$ 589,2 milhões, pela cotação do dólar nesta quarta, 13) na aquisição de créditos de carbono até 2027.
“Estamos continuamente avaliando nossos procedimentos, para incorporar as melhores práticas de due diligence quanto à elegibilidade dos créditos”, afirmou a estatal.
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.