Postura de Txai Suruí, criticada por Bolsonaro, reflete despertar da juventude para ativismo

Txai Suruí fez nesta semana o que deveria ter feito o chefe do Executivo federal: representar a nação diante de 196 líderes mundiais na mais importante e urgente conferência climática da história do planeta. (Catarine Hak/ Cenarium)

Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – Enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), destila ódio contra a ambientalista, ativista e líder indígena, Txai Suruí, a jovem de 24 anos segue inspirando a nova geração a lutar pelas questões étnica e ambiental, ganhando apreço internacional e a admiração de todos os povos indígenas do Brasil.

Mais conhecida como Txai, Walelasoetxeige Suruí fez nesta semana o que deveria ter feito o chefe do Executivo Federal: representar a Nação diante de 196 líderes mundiais na mais importante e urgente conferência climática da história do planeta, a COP26, em Glasgow, na Escócia.

Aos 24 anos, Txai Suruí cursa o último período de Direito, é assessora jurídica de ONG de proteção ambiental, fundadora de movimento da juventude indígena, ativista e ambientalista. (Acervo pessoal/Reprodução)

Uma geração mais comprometida

Diretora de Sociedade Engajada do WWF-Brasil, Gabriela Yamaguchi, avalia que a participação de Txai Suruí, como uma das primeiras vozes que o mundo inteiro escutou na abertura da COP26 reflete uma mensagem muito clara: “Não existe nenhuma outra maneira de enfrentarmos a crise climática, que impacta a todos, que não seja falando direto e abertamente de justiça social”, disse em entrevista à reportagem da CENARIUM.

Ela garante que é só por meio da inclusão das vozes das populações mais fragilizadas pelo contexto histórico, econômico e social, que se torna possível falar de soluções mais concretas de enfrentamento. “São as populações negras, são as comunidades periféricas, são os povos originários, indígenas, as comunidades extrativistas, ribeirinhas, tradicionais de todos os territórios. É só por meio da inclusão dessas representações, que nós vamos trazer maior legitimidade a um fórum de decisão como a COP26”, continuou Yamaguchi.

Para a diretora de Sociedade Engajada do WWF-Brasil, Gabriela Yamaguchi, a voz dos mais jovens é crucial para para “virar a mesa” e tirar de de cena combustíveis e representantes fósseis. (Iury Lima/Cenarium)

A diretora de Sociedade Engajada entende que a participação de jovens tem fundamental importância para “virar a mesa” e tirar de cena não só os combustíveis fósseis, mas também os “representantes fósseis”, na avaliação dela, ligados a cadeias produtivas que, durante décadas, “fizeram lobbies para se manterem no poder”, ou seja, “os representantes fósseis de governos que têm promessas vazias e que, na prática, estão tentando maquiar o que de fato não está acontecendo nas apresentações [da COP26], como no caso do Brasil, onde existe um grande desmanche socioambiental em curso”, esclareceu.

Segundo Yamaguchi, surge agora “uma geração que exige ações concretas, que exige a verdade, ações que representam impactos reais de enfrentamento à crise climática, de transição energética e de inclusão social”.

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Ativismo indígena

Em seu discurso no último dia 1º, Txai Suruí relembrou o derramamento de sangue em razão da luta pela proteção de territórios, pela conservação da natureza, além das feridas causadas ao meio ambiente do planeta, o que rendeu muitos elogios de outros ativistas, além de indigenistas, ambientalistas e organizações brasileiras e internacionais, com pronunciamento reproduzido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pelo próprio WWF, por exemplo.

Em entrevista à CENARIUM, a jovem que também é fundadora do Movimento da Juventude Indígena, em Rondônia, estudante de Direito e assessora jurídica da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, uma Organização Não Governamental (ONG) tida como referência em assuntos relacionados à causa indígena no Estado, diz que pretende, sim, seguir como ativista. “E espero que eu consiga influenciar o mundo de forma positiva e mostrar para o mundo a importância da sabedoria dos povos indígenas, de viver em harmonia com a natureza e preservá-la, além da importância dos povos indígenas em toda essa construção”, declarou. 

Txai Suruí pretende seguir como ambientalista e realizar ações de transformação positivas para o planeta. (André Dib/Acervo de Txai Suruí/Reprodução)

“Eu espero para o futuro do planeta que o mundo consiga entender que a gente não tem mais tempo, né, e que tem que ser agora, que o planeta veja que se a gente não fizer nada, a gente vai destruir aquilo que é a nossa casa. Tudo que a gente tem é a Mãe Terra que dá para a gente, então ela cuida da gente, só que a gente tá destruindo ela”, continuou a ambientalista.

Pedido de Justiça

A vontade de mudar o mundo é de quem sabe o preço que se paga por defender as florestas, seus recursos, a existência e permanência de povos tradicionais originários do maior bioma brasileiro, como os Paiter Suruí, a família de Txai, com seis mil anos de legado. Na última segunda-feira, a única brasileira a discursar na ONU, não deixou barato o silêncio e o descaso em relação ao extermínio de guardiões das matas. “Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por defender a natureza”, repudiou o derramamento de sangue. 

Ari-Uru-Eu-Wau-Wau, líder indígena e amigo de infância de Txai Suruí, assassinado em 2020. (Reprodução/Kanindé)

Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi morto aos 34 anos, em abril de 2020. O corpo do líder indígena foi encontrado na zona rural do distrito de Tarilândia, pertencente ao município de Jaru (RO), com lesões contundentes (causadas por algum instrumento) na região do pescoço. Ele trabalhava registrando e denunciando a extração ilegal de madeira dentro das aldeias. Mais de um ano depois, ninguém foi responsabilizado pelo crime.

O caso se junta ao pior índice de assassinatos de indígenas no Brasil em 25 anos. Em 2020, 182 integrantes de diferentes etnias foram mortos com violência, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). 

Motivo de orgulho

Para a indigenista e presidente da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardozo, que também é mãe de Txai Suruí, o discurso revela a situação à qual está submetida a população indígena, “com invasões de seus territórios, retrocessos nos direitos adquiridos com a Constituição Federal de 1988, com a morte dos defensores da floresta e a necessidade de se garantir a defesa da vida, da mata e do clima”. “O planeta precisa de todos para continuar existindo e os indígenas têm garantido a floresta em pé”, disse em entrevista à CENARIUM.

A presidente da Associação Kanindé, indigenista, ativista, ambientalista e mãe de Txai Suruí, Ivaneide Cardozo. (Gabriel Uchida/Kanindé)

Ivaneide diz que o mundo deveria aprender com os saberes milenares dos povos indígenas, a começar por dar ouvidos a Txai Suruí, integrante de uma etnia que habita a Amazônia há mais de sessenta séculos. “É fundamental que se apoie os povos indígenas e se garanta a conservação das terras indígenas”, declarou.

“A Txai é uma grande ativista. Orgulho para o Brasil ter uma jovem indígena levando para o mundo a mensagem de que juntos podemos garantir o equilíbrio climático e a necessidade de salvar a floresta Amazônica. Meu coração fica batendo forte, por ver que temos na Txai uma defensora da vida, da Amazônia, dos indígenas e de todo o Planeta. É a voz do Brasil para o mundo”, destacou a mãe orgulhosa. 

Legado adiante

Pai da jovem ativista, além de considerado a maior liderança do povo, Almir Suruí vibra ao ver que a filha está trilhando a continuidade do legado dos Paiter. “Ela está fazendo a parte dela, buscando o sonho que nosso povo tem, além de estar contribuindo para um mundo melhor”, disse, também, em entrevista à CENARIUM.
 
“O discurso da Txai revela à sociedade global que não é fácil defender a Amazônia e buscar o equilíbrio sobre o que o mundo está discutindo, que são as mudanças climáticas. Ela foi a única brasileira a discursar na abertura e mostrou, realmente, protagonismo indígena. Hoje, os povos indígenas têm feito isso, mostrando que o papel da Amazônia é crucial para o mundo. 

O líder indígena e pai de Txai Suruí, Almir Suruí. (Reprodução/Kanindé)

Almir diz ainda que diferente de promessas vazias de líderes mundiais, Txai reverbera um ultimato, pedindo que a população global enxergue a realidade, “enquanto os povos indígenas têm feito seu papel para proteger a floresta e a humanidade, a partir de suas lutas”. “É isso que ela tenta mostrar nesta COP”, acrescentou.

“Como pai, eu fico muito orgulhoso. Ela nasceu, cresceu, e agora, jovem, está lutando pelo que, como pai, também tracei, né: o direito indígena, o direito da floresta, da sustentabilidade, da consciência, tudo. Eu me sinto muito orgulhoso disso e o que eu espero dessa geração é que eles continuem buscando o caminho para mostrar ao mundo econômico que a floresta precisa ser trabalhada com respeito. O desenvolvimento precisa trabalhar com sabedoria, conhecimento. É por um mundo melhor que os jovens ativistas estão aí, na luta”, finalizou.

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