Txai Suruí, ativista indígena, afirma ter sido intimidada por cúpula bolsonarista na COP26

Em entrevista, a líder indígena criticou metas do governo federal para zerar o desmatamento ilegal até 2030. (Reprodução/Redes sociais)
Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – A declaração exclusiva de Txai Suruí nesta terça-feira, 2, revela que a única voz brasileira a ecoar no segundo dia da 26ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP26) sofreu intimidação para que se calasse sobre o extermínio de ativistas indígenas e o pedido de justiça social. O episódio ocorreu após o discurso de Txai Suruí, de 24 anos, que fez duras críticas ao descaso ambiental e cobranças por ações globais de reparação, durante a abertura do evento, em Glasgow. 

A ambientalista disse que a abordagem aconteceu nesta última segunda-feira, 1º de novembro. “Enquanto eu estava dando algumas entrevistas, chegou um representante do governo brasileiro meio que tentando me intimidar, pedindo para que eu não falasse tão mal do Brasil, porque eles estavam tentando fazer alguma coisa (traçar ações de preservação ambiental) e eu falei que a gente (representantes indígenas) também estávamos lá para fazer isso”, disse a jovem sem identificar o autor da ameaça.

Txai também afirma que mesmo após os dois primeiros dias da conferência climática, ainda não conseguiu identificar postura competente e de compromisso com a reversão do aquecimento do planeta por parte do governo federal. “Por enquanto, eu acho que a gente não está indo no caminho certo”, acrescentou a estudante de direito e fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia.

A ativista, ambientalista e líder indígena, Txai Suruí, de 24 anos, representou o Brasil em Glasgow. (Reprodução/Acervo pessoal)

Ameaça

Um dos retrocessos ambientais que fizeram parte do discurso da jovem integrante dos Paiter Suruí, povo habitante da Amazônia há mais de seis mil anos, vivendo entre 28 aldeias entre os Estados de Rondônia e Mato Grosso, é o desmatamento. Ela cita o avanço da destruição das florestas como uma das causas das mudanças climáticas que afetam não só a sociedade não indígena, mas também as comunidades tradicionais. 

“Dessa maneira, ocorrem as invasões dos nossos territórios e as ameaças as nossas vidas. E além disso, a gente também está sofrendo com as consequências, pois como eu falei no meu discurso, dentro do território, a gente vê que a chuva já não cai mais como deveria, que as nossas roças e as safras já não são como antes, comprometendo a nossa segurança alimentar”, lamentou.

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Walelasoetxeige conta que além da seca, da morte de rios e da ameaça a toda à biodiversidade da floresta, por meio do desaparecimento de animais causado por queimadas e desmatamento, ervas medicinais comumente usadas para tratamento de doenças e rituais sagrados, estão se tornando raras, comprometendo também a cultura, saúde e modo de vida das populações.

“Quando eu estava conversando com os meus tios antes de vir para cá [Glasgow], a gente estava falando que antigamente os Suruí usavam um fumo – que era um fumo que o Pajé usava – um fumo sagrado e, que hoje, a gente não encontra mais. Ou seja, isso afeta o nosso sagrado, a nossa espiritualidade e a saúde do nosso povo”, revelou a jovem liderança. 

Leia também: Desmatamento na Amazônia pode manchar imagem do Brasil na COP-26, apontam especialistas

Promessas vazias

Durante a entrevista, Txai criticou duramente a nova meta apresentada para zerar o desmatamento ilegal no Brasil. O anúncio foi feito pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que participou da conferência climática de forma virtual. A promessa é de que a estagnação deve acontecer em sete anos, chegando a 50% em 2027, dobrando a meta para o ano seguinte. “A gente não tem que lutar contra o desmatamento ilegal, a gente trem que acabar com o desmatamento”, criticou a ativista. 

“Temos que ter muito cuidado com esse discurso, porque aquilo que é ilegal pode virar legal, tanto que dentro do Brasil, os povos indígenas estão sofrendo por uma grande pressão. A gente tem marco temporal, tem PL 490 e tudo isso está atacando as Terras Indígenas. Se tudo isso passa, aquilo que era ilegal, passa a ser legal. A gente tem que lutar pela demarcação, é isso que eu esperaria se o Brasil fosse um País comprometido com a agenda climática, se fosse comprometido com a floresta. Eu esperava compromisso real”, ressaltou.

Voz da floresta

Além de Joaquim Leite, que chefia a delegação brasileira na Escócia, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) também não compareceu pessoalmente à conferência. Sem a presença de autoridades ligadas ao Executivo federal, ficou a cargo da ativista rondoniense falar pela nação.

Txai Suruí, em Glasgow, durante a COP26. (Reprodução/Acervo pessoal)

“Eu sinto que é muita responsabilidade representar o Brasil, o meu estado, aqui em Glasgow, mas eu também me sinto muito orgulhosa de poder estar trazendo as vozes e a realidade dos povos indígenas do País para esse espaço tão importante que é a COP, pois sem povos indígenas, a gente não tem floresta e não tem Amazônia. Sem a floresta, a gente não tem vida, nem mundo”, destacou, Txai Suruí.

“A minha mensagem era um pouco de tentar trazer para cá a importância da Amazônia para o equilíbrio climático do planeta, então eu espero que o mundo entenda isso, que valorize e respeite os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas que vivem milenarmente com a natureza e que possam aprender com a gente. Espero que o mundo entenda que a luta dos povos dos indígenas não é só a luta dos povos indígenas, mas a luta de todos”, finalizou.

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