Povo Karipuna culpa as hidrelétricas do Madeira por subida das águas

Aldeia Karipuna submersa em meio à enchente do Rio Jaci Paraná. Indígenas e entidades acreditam que subida das águas é resultado das hidrelétricas (Reprodução/André e Adriano Karipuna)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – A subida do Rio Jaci Paraná, em Rondônia, que obrigou o povo Karipuna a deixar a aldeia Panorama, na Terra Indígena (TI) Karipuna, no último dia 16 de março, pode estar relacionada com a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. É o que acreditam lideranças indígenas do povo Karipuna e membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). As obras compõem o Complexo Madeira, em Porto Velho (RO), e foram construídas entre os anos de 2008 e 2016, durante os governos Lula e Dilma Rousseff.

É a segunda vez que o povo Karipuna é obrigado a sair de suas terras, por conta de inundações. A primeira vez foi em 2014. De acordo com Adriano Karipuna, líder do povo Karipuna, em declaração ao Cimi, a situação tende a piorar, já que o ciclo das chuvas, na Amazônia, ainda está longe de cessar. “Até o momento, foram três famílias afetadas, com perdas e danos entre bens materiais, alimentação e o comprometimento das casas das pessoas. Sabemos que, como as chuvas não estão passando, outras casas serão afetadas”, lamentou a liderança.

O Rio Jaci Paraná subiu, fortemente, em 2014 e voltou a subir com força em 2023, ocasionando a retirada de famílias inteiras do povo Karipuna (Reprodução/André e Adriano Karipuna)

A situação de calamidade fez com que as lideranças Karipuna tomassem medidas para tentar solucionar os problemas causados pela subida das águas. De acordo com Adriano Karipuna, foi protocolado um pedido de ajuda no Ministério Público Federal em Rondônia (MPF-RO). “Já denunciei ao MPF, em Rondônia, para que tomem as providências. E que responsabilizem os autores dessa situação. Inclusive, pedi ao MPF que compareça, presencialmente, em nosso território”, declarou.

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Outra matriz

Para o antropólogo Alvatir Carolino, em entrevista à REVISTA CENARIUM, as hidrelétricas surgiram como alternativa energética positiva, como grande solução de impacto na atmosfera. “Antes das placas fotovoltaicas e dos sistemas eólicos, as hidrelétricas era apresentadas como a grande solução de segurança energética, com impacto reduzido na atmosfera, isso era um ganho diante dos combustíveis fósseis que usamos nos últimos 100 anos”, avaliou. “O Brasil, pela riqueza de suas bacias hidrográficas, adotou e deu um salto nesse sistema”, relembrou.

Mas, mesmo sendo menos poluentes, as hidrelétricas trazem outros impactos ambientais. “Na Amazônia, surgiram projetos como os de Tucuruí, Jirau, Belo Monte, Santo Antônio, Balbina, porém, isso não significa que as hidrelétricas não tragam impactos. Se por um lado há a redução de impactos atmosféricos, o mesmo não acontece na superfície do planeta, existem os impactos ambientais na cobertura das florestas, impactos na fauna e na flora”, observou o antropólogo.

As lideranças indígenas e indigenistas do Cimi acreditam que o sistema do Complexo Madeira, que reúne hidrelétricas, é o responsável pelas enchentes (Reprodução/EBC)

Além de trazer impactos ambientais, as estruturas das hidrelétricas trazem impactos na vida de povos onde os projetos são implementados. “Além dos impactos já citados na questão ambiental, temos aqueles impactos diretos e que atingem, culturalmente, social e politicamente, povos e comunidades tradicionais, como o povo Karipuna, por exemplo”, elencou Alvatir Carolino.

Nunca mais

O cientista social também apresentou outros detalhes que são resultantes da construção dessas grandes estruturas. “Mesmo que isso não seja amplamente divulgado, o ciclo do Rio Madeira nunca mais será o mesmo, e a forma como ele era antes da barragem, que era algo de domínio milenar dos povos que habitam aquela região, incluindo os aspectos físicos e metafísicos do rio. Quem mora abaixo da barragem sabe que todos os dias tem subidas e descidas e isso muda a estrutura de vida das pessoas”, lamentou.

“São subidas e descidas que provocam inundações absurdas, que eliminam roças, que são de culturas sazonais, e que também destroem plantas perenes que foram, ao longo do tempo, se adaptando à sazonalidade do rio, que é rompida, e isso impacta em interesses do modo de vida dessas pessoas. São impactos na pesca, na plantação, no cotidiano dessas populações e, finalmente, o pior: quando é preciso abrir as comportas e tudo fica inundado, as águas invadem tudo”, explicou. “Vi de perto, isso, na hidrelétrica de Balbina. Famílias inteiras perderam até as casas”, descreveu Alvatir Carolino.

De acordo com o antropólogo Alvatir Carolino, os ciclos de vida de rios impactados por barragens nunca mais serão os mesmos (Reprodução/André e Adriano Karipuna)

O antropólogo avaliou que o novo governo precisa mostrar eficiência. “No caso dos Karipuna, vamos ver qual a capacidade do novo governo em resolver o problema. Essas pessoas precisam ser acolhidas com políticas de compensações e de forma urgente! Porque essas populações vão para as periferias das grandes cidades conviver com outras culturas e, nas periferias, toda a vulnerabilidade é avassaladora, ainda mais para quem não tem a dimensão concreta dos perigos que a cidade oferece”, finalizou.

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