Ressignificação do conceito de família para a comunidade LGBTQIAPN+ nas festas de fim de ano

Um casal homoafetivo dá as mãos com a bandeira LGBTQIAPN+ ao fundo (Reprodução/Getty Images)
João Felipe Serrão – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Enquanto Natal e Réveillon significa festa para uns, para pessoas que pertencem à comunidade LGBTQIAPN+ sobra a solidão e o estigma. O fim de ano é marcado por celebrações que reúnem a família e reforçam os sentimentos de união, amor e afeto. 

O clima não é o mesmo para pessoas que não se encaixam nos padrões vigentes, como a população LGBTQIAPN+, que muitas vezes têm que lidar com a rejeição por parte da família que não as aceita por, simplesmente, serem quem são.

A cantora Wendy Lady Oha é uma mulher trans. Ela conta que, com o processo de transição, teve que enfrentar o afastamento dos pais.

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“Com a minha transição, veio o afastamento dos meus pais, principalmente, da minha mãe. Eu fui proibida de ir a minha cidade durante 21 anos. Foi muito complicado esse período porque eu perdi a referência do Natal em família, com todo mundo junto. Sempre tive minhas irmãs por perto, mas a família estava incompleta, eu não tinha meus pais, e isso me trazia dor”, contou a artista.

Após muito tempo de conflito com a família, ela conta que a data foi ressignificada para ambos e, hoje em dia, junto com a aceitação, voltou a convivência.

“Eu vim do Rio de Janeiro para cuidar do meu pai, em Manaus, e nós tivemos essa retomada do Natal em família. Isso foi muito importante para mim que, enquanto pessoa trans, hoje, tenho minha família. A gente conseguiu conciliar e ressignificar tudo para viver junto. O Natal voltou a ter brilho para mim”, afirmou Wendy.

A cantora Wendy Lady Oha (Renner Carneiro/Reprodução)
Rejeição da família

Segundo Karen Arruda, diretora da Casa Miga – Acolhimento LGBT, a família, normalmente, é a primeira instituição que um indivíduo tem contato. A negação da identidade causa uma série de danos que acompanham a pessoa pelo ano todo, mas no fim de ano, esses sentimentos negativos oriundos da rejeição familiar se tornam mais evidentes.

“Para a população LGBTQIAPN+, a família é o primeiro vetor de violência, tanto física, quanto psicológica e emocional. Quando a gente fala de Natal, que normalmente a sociedade vende como um tempo de união e partilha em família, o que se gera é um desconforto por nós termos vínculos quebrados com os parentes”, reiterou Karen.

A diretora da Casa Miga, Karen Arruda (Reprodução/Arquivo Pessoal)

A Casa Miga em Manaus é o primeiro espaço de acolhimento do público LGBTQIAPN+ para brasileiros, refugiados, imigrantes, expulsos de casa e em situação de vulnerabilidade social, devido a sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Impactos psicológicos

A família é o grupo que deveria cuidar e acolher o indivíduo. Quando o que esse ambiente oferece é a rejeição, diversos impactos psicológicos podem ser desenvolvidos.

A psicanalista e articulista da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, Samiza Soares, afirma que, entre os pacientes LGBTQIAPN+ que ela atende, a principal reclamação é sobre aceitação da família. “A sensação de não serem aceitos e amados por aqueles que deveriam ser seus principais apoios pode gerar sentimentos de tristeza, solidão, baixa autoestima e até mesmo depressão. A falta de apoio e compreensão da família pode levar a um senso de desvalorização e invalidação da própria identidade”, destaca Samiza.

Conceito de família

Diante dessa situação, ressignificar o conceito de família é uma necessidade vital para muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. Acolhimento, amor e apoio podem ser encontrados em outros lugares e com outras pessoas, como amigos próximos, parceiros afetivos, comunidades e grupos de apoio.

De acordo com Samiza Soares, essas redes de apoio podem desempenhar um papel fundamental na construção de um sentido de pertencimento e no fortalecimento da saúde emocional e mental.

“É fundamental encorajar as pessoas LGBTQIAPN+ a buscarem essas conexões e a se cercarem de pessoas que as amem, respeitem e apoiem em sua jornada. Ressignificar o conceito de família permite que cada indivíduo crie suas próprias estruturas de apoio, encontrando um ambiente seguro e acolhedor onde possam ser verdadeiramente eles mesmos. Ao ressignificar, abrimos espaço para um verdadeiro acolhimento e amor incondicional”, pontua Samiza.

Karen Arruda também destaca a importância de compreender que a família vai além dos laços sanguíneos tradicionais.

“Família é laço de amor, troca e compreensão. Muitas vezes, a gente não acha isso em quem é do mesmo sangue que nós. Então, a gente acha isso em outros lugares. O importante é desenvolver sua rede de apoio e de afetos. O que a gente não pode é desistir da gente e achar que vamos ficar sozinhos para sempre”, finalizou Karen.

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Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Adriana Gonzaga
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