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Seca na Amazônia em 2023: o que aprendemos com a crise climática?
Calor extremo e estiagem severa causaram morte de peixes e isolamento de comunidades na Amazônia. (Edição: Mateus Moura/Revista Cenarium Amazônia)
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30 de dezembro de 2023
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia
MANAUS (AM) – A seca dos rios e o calor extremo na Amazônia dispararam “alarmes” como nunca antes vistos na história da região. A morte de botos e peixes, os níveis de rios mais baixos na história, famílias isoladas, falta de insumos na indústria e risco de desabastecimento foram algumas das consequências, e especialistas já confirmaram: esses eventos climáticos extremos são consequências das mudanças climáticas, somadas ao fenômeno El Niño. Mas, depois dos prejuízos socioeconômicos que enfrentamos, o que aprendemos com a crise climática neste ano? E o que esperar para o futuro?
O período de chuvas na região Amazônica compreende os meses entre novembro e março, e o período de seca ocorre entre maio e setembro. Os meses de abril e outubro são de transição entre um regime e outro. Neste ano, o período de estiagem se intensificou para além de setembro, encerrando-se em novembro, pelo menos em alguns estados, como o Amazonas. Em outros, como o Tocantins e o Maranhão, ela ainda está causando prejuízos.
A população amazônica também sobreviveu a uma onda de calor extremo, no que foi considerado o ano mais quente em 174 anos. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a temperatura média da superfície global ficou 1,4°C acima da média de 1850/1900. No Brasil, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou que o calor ficou acima da média histórica de julho a novembro.
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Para o professor do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável (Ceas), Paulo Artaxo, as consequências do que cientistas mostram em estudos e pesquisas foram sentidas “na pele” com mais intensidade, não apenas na região amazônica, mas também em outras regiões do país. No Rio Grande do Sul, um ciclone provocou enchentes, deixando 50 mortos.
“O ano de 2023 foi particularmente importante na questão da crise climática que estamos enfrentando, pois o aumento dos eventos climáticos extremos, tanto em frequência quanto em intensidade, dominou a pauta das mudanças climáticas. Enquanto é muito difícil para as pessoas perceberem o aumento de temperatura de 0.3 graus por década, todo mundo percebe uma seca como essa que está assolando a Amazônia atualmente, ou as chuvas torrenciais que ocorreram no Rio Grande do Sul, no Paraná, ou incêndios no Canadá, e assim por diante“, explica.
Amazonas em crise
O Amazonas, um dos Estados mais afetados pela estiagem, já se preparava, em setembro, para o que viria. Naquele período, o governo do Estado indicou que a seca poderia ser mais severa e prolongada, com projeção de afetar pelo menos 30 dos 62 municípios do Amazonas. Quase dois meses depois, 60 cidades estavam em emergência, com 600 mil pessoas afetadas.
A intensificação da estiagem levou rios como o Negro e o Solimões aos menores níveis da história. Em 16 de outubro, o primeiro atingiu 13,59 metros, a menor cota em 121 anos até então. Dez dias depois, o nível estabilizou na menor cota da história: 12,70 metros. O Solimões, que banha 11 municípios do Amazonas, também alcançou o nível mais baixo da história, com 3,61 metros na estação de Manacapuru, cidade a 68 quilômetros de Manaus (AM), no dia 19 do mesmo mês.
Junto à seca, quem mora no Estado, mais precisamente na capital, Manaus, enfrentou uma onda de calor que levou os termômetros a registrarem a temperatura mais alta da história, de 39,2 graus. A sensação térmica prevista era de 49 graus. Foi essa combinação do calor, somado à estiagem, mudanças climáticas e El Niño que causou a morte de animais como botos e peixes. O número de botos rosa e tucuxi mortos no Amazonas chegou a 178, segundo a organização não governamental (ONG) WWF.
Mudanças climáticas
Diante deste cenário que beirou o catastrófico, Paulo Artaxo analisa que as mudanças climáticas — as transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima — mostraram que a Amazônia é uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas, seja pela posição tropical ou morfologia. “Ela tem sensibilidades muito fortes a alterações do perfil de temperatura e perfil de chuvas e precipitações na região“, elenca.
O cientista ainda analisa que o aquecimento da região amazônica, com a redução das chuvas e precipitações, desencadeia uma degradação que pode estar fazendo com que a floresta reduza seu estoque de carbono lentamente, o que realimenta as mudanças climáticas globais. Artaxo afirma que os eventos climáticos extremos foram importantes para acordar a população para a gravidade da emergência climática.
“Essas questões dominaram a pauta da Amazônia e mostraram que os impactos socioeconômicos de secas como essa que observamos em 2023, que foi canalizada pelo aumento da temperatura global associada com o El Niño bastante forte em 2023, que pode se repetir no futuro. Isso mostra a importância da adaptação climática que o Brasil vai ter que implementar o mais rápido possível para que possamos proteger a região amazônica de secas muito fortes como essa“, declara.
O doutor em biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Lucas Ferrante reforça a análise de Artaxo, lembrando que presenciamos uma “palhinha” do que representam as mudanças climáticas para Amazônia junto ao El Niño, com comunidades, principalmente no interior do Amazonas, drasticamente afetadas. O biólogo reforça que a falta de tomada de decisões mais enfáticas para enfrentar a degradação da região contribuíram aos impactos negativos.
“O que nós vemos na prática, de tomada de decisão, é algo completamente o inverso do que deveria ter sido feito. Nós vemos mais estradas planejadas na Amazônia, que aumenta o desmatamento, precisamos lembrar que esse desmatamento ele intensifica as mudanças climáticas, que isolam as pequenas comunidades no interflúvio dos rios, e essas estradas não vão dar ligação para essas áreas. Ou seja, é um plano que parte talvez por uma premissa da intensificação desses eventos, mas ele agrava esses eventos e não resolve o problema“, destaca.
E em 2024?
Com a previsão de que o El Niño se estenda até abril ou junho de 2024, — a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) prevê probabilidade de 62% —, com intensidade forte. Paulo Artaxo analisa que esses dados mostram que o “inverno amazônico” pode ser de escassez hídrica, acelerando o processo de degradação florestal.
“Isso faz com que ainda vamos ter impactos fortes do El Niño pelo menos no primeiro semestre do ano que vem. E em particular na região amazônica, isto pode fazer com que tenhamos chuvas abaixo do normal, o que pode fazer o estresse hídrico que estamos observando em muitas regiões da Amazônia, e com isso prejudicar a floresta do ponto de vista de acelerar o processo de degradação florestal que estamos em curso devido ao aumento global da temperatura e da reeducação da precipitação“, explica.
A expectativa, segundo ele, é que o Brasil finalmente implemente medidas efetivas para mitigação das mudanças climáticas, com a redução de gases de efeito estufa. Ele cita principalmente o combate ao desmatamento e o fim da utilização de combustíveis fósseis.
“É muito importante, como meio de se proteger dessas mudanças, o Brasil implemente medidas de redução das emissões de gás, tanto zerando o desmatamento da Amazônia quanto deixando de queimar combustíveis fósseis, eletrificando a frota de transportes, e com isso também a geração de eletricidade seja banida do ponto de vista de queima de combustíveis fósseis, como também o Brasil nos fóruns internacionais pressionar os países desenvolvidos a eliminarem os combustíveis fósseis para que possamos preservar a Amazônia para que ela continue seu trabalho de remoção de carbono da atmosfera, que ela estava fazendo até a última década“, conclui.
Já Ferrante é enfático ao afirmar que as mudanças climáticas são controláveis, ou a região amazônica se tornará inóspita para a biodiversidade e a população humana.
“Nós vemos já uma perda de biodiversidade, inclusive na diminuição de recursos pesqueiros, afetando as comunidades tradicionais. E as previsões disso são que, daqui a menos de 20 anos, a situação da Amazônia seja de uma seca muito mais severa do que a que vivemos durante 2023, inclusive com recordes de temperatura ainda maiores. Nós estamos falando de talvez ondas de calor, que geram ondas de mortalidade, assim como observamos hoje na Europa. Então, é extremamente fundamental, para manter a vida na Amazônia, não só sustentabilidade, mas que a região seja capaz de conter a vida humana, que tenhamos um contingenciamento das mudanças climáticas, isso é fundamental”, finaliza.
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