Sem medo da prisão, idosos lutam contra mudanças climáticas

John Lynes segura placa onde se lê 'O que um futuro verde significaria para você?' - Robert Royston
Da Revista Cenarium*

LONDRES – John Lynes perdeu as contas de quantas vezes foi preso. A maioria por participar de movimentos pacifistas quando era mais jovem. Nos últimos anos, o britânico tem se dedicado à causa ambiental, se unindo a um grupo de idosos que cresce cada vez mais. “Precisamos ter pessoas no movimento climático dispostas a serem presas e não vejo motivo pelo qual eu não possa ser uma delas“, diz à Folha. Lynes tem 95 anos.

O engenheiro idoso e aposentado é parte de um grupo que cresce no Reino Unido: idosos engajados na defesa do meio ambiente, provando que não só jovens podem protestar.

Mulher de cabelos brancos, sentada no chão, usando roupa preta e colete alaranjado, é abordada por dois policiais
Reverenda Sue Parfitt é abordada pela polícia durante protesto climático da ONG Insulate Britain – Divulgação/Insulate Britain

Um impulso foi o surgimento no país de grupos de ativismo ambiental que pregam a resistência civil não violenta, como o Extinction Rebellion (XR) em 2018 —”fiquei atraído pelo pensamento deles, como agiam,” diz Lynes— e o Just Stop Oil em 2022, que pede o fim de projetos ligados a combustíveis fósseis. Ambos ganharam repercussão internacional. Um braço do XR chama-se “grandparents and elders” (avós e mais velhos).

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A primeira prisão de Lynes pelo XR foi em 2019 por bloquear o trânsito em um protesto.

Peter Morgan, 75, foi preso mais de 30 vezes. Tudo começou em 2019, quando observava uma ação do grupo na qual um enorme barco com a frase “Falem a verdade”, recado ao governo, foi colocado no centro de Londres.

Pessoas em volta de um barco cor de rosa colocado em uma rua; nele está escrito "tell the truth" (conte a verdade)
Ativistas do grupo Extinction Rebellion em protesto no centro de Londres ao redor de um barco com a mensagem “Falem a verdade” – Tolga Akmen – 18.abr.2019/AFP

Cheguei perto porque estava curioso e um policial me mandou sair dali. Disse que estava só olhando. Me levaram preso, foi um batismo de fogo“, conta.

O engenheiro e professor aposentado diz que sempre se preocupou com o meio ambiente, mas depois do incidente passou a frequentar protestos do XR e da campanha Insulate Britain —que pedia ao governo melhor isolamento térmico nas casas para diminuir emissões de carbono, e cujas ações envolviam bloquear o tráfego de rodovias sentando-se em silêncio nas pistas e segurando faixas com o nome do movimento.

Morgan aguarda julgamento de três casos e gastou milhares de libras em multas. “Conheço bem as celas de delegacias“, afirma.

A reverenda da Igreja Anglicana Sue Parfitt, 81, também participou de bloqueios e foi presa. Com voz calma e doce, acariciando o gato de estimação, contou à reportagem seu protesto mais radical, pelo Christian Climate Action, grupo de ação climática cristão.

Em 2019, ela e um padre subiram no teto de um trem estacionado em Londres. Foi julgada e absolvida. Um senhor de 84 anos colou a própria mão ao veículo, afirmando que protestava pensando no futuro dos netos.

Judy Bryce (esq.) e reverenda Sue Parfitt interrompem celebração de Ação de Graças na Catedral de Saint Paul, em Londres
Judy Bryce (esq.) e reverenda Sue Parfitt interrompem celebração de Ação de Graças na Catedral de Saint Paul, em Londres (Divulgação/Just Stop Oil)

Parfitt não teme as autoridades. “O que vai acontecer com o planeta dá muito mais medo. Eu vou passar 24h em uma cela, vou à corte argumentar meu caso e dizer às pessoas que devemos fazer tudo o que pudermos. Caso contrário, seus filhos e netos não terão futuro nenhum.

Em novembro, ela e a ex-professora de biologia Judy Bruce, 84, fizeram um protesto silencioso durante uma missa na Catedral de St. Paul —onde o então príncipe Charles e Diana casaram-se— com cartazes contra combustíveis fósseis. “A madre nos apoiou”, celebra Parfitt.

Bruce não era ativista, mas mudou de ideia quando se aposentou e estudou sobre a crise climática. “Estou aposentada, tenho saúde, tempo. Se não eu, quem? E se não agora, quando?“, diz. A inglesa já foi presa seis vezes. Vale a pena? Eles garantem que sim.

É gratificante estar com pessoas corajosas e inspiradoras em prol de um objetivo. Por que faço isso? Porque olho para o futuro, o que está acontecendo no mundo: inundações no Paquistão, incêndios na Austrália, fome na África, e penso ‘estamos loucos?’. Não vemos que estamos destruindo o único lar que temos?

Morgan pensa nos netos. “Espécies extintas, florestas destruídas. Tenho filhos e netos, a cada ano é mais óbvio que a questão climática é séria. Podemos nos afastar e não fazer nada, ou protestar e tentar mudar.

No país que liderou a Revolução Industrial, acham injusto que crianças paguem pelo problema gerado pelos mais velhos. “Minha geração é culpada. Criamos a crise climática e é parte de nossa responsabilidade fazer algo“, afirma Lynes.

Nasci durante a 2ª Guerra Mundial e tive saúde pública, emprego, educação gratuita. Isso foi possível pela prosperidade gerada pelo uso de combustíveis fósseis“, reflete Parfitt.

E o que os familiares pensam? Afinal, protestos incluem encarar chuva, frio, situações de perigo. “Minha família em geral apoia, alguns têm orgulho de mim“, conra Lynes sobre os 12 filhos, 31 netos, 11 bisnetos e 3 tataranetos.

Homem grisalho, sentado e segurando uma bengala, segura placa de papel verde onde se lê "O que um futuro verde significaria para você?"
John Lynes segura placa onde se lê ‘O que um futuro verde significaria para você?’ – Robert Royston

Morgan diz que a esposa o encoraja e brinca: “Meu neto de oito anos ouviu algo sobre a prisão do pai de um amigo na escola e disse: ‘não se preocupe, meu avô está sempre sendo preso’“.

Bruce lembra que há uma rede de solidariedade nos grupos. “Quando fui presa, ficamos conversando com os policiais, depois em uma cela, saímos 3h da manhã. Sempre tem alguém nosso do lado de fora com uma garrafa térmica com chá quente e biscoitos e que te ajuda a voltar para casa.

Nem todos os defendem, porém. Os ativistas são criticados por atrapalhar o deslocamento da população, e por terem como alvo museus e eventos esportivos, o que gera o risco de perderem apoio da opinião pública.

É um dilema terrível. Mas é preciso ter algum tipo de perturbação porque se você só fica do lado da rodovia segurando cartazes ninguém dá atenção. É um equilíbrio. A aprovação pública aumentou porque a evidência científica [sobre o aquecimento global] é incontestável“, diz Parfitt.

Confirma a matéria na íntegra neste link.

(*) Com informações da Folhapress

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