Tatuagem na terceira idade quebra estereótipos e derruba preconceito; mercado cresce 25% ao ano no Brasil

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS – Foi-se o tempo em que os idosos eram taxados de recatados ou antiquados. A geração de idosos do século 21, está bem mais moderninha e vem quebrando antigos rótulos e tabus impostos a eles antigamente. Eles, inclusive, ajudam impulsionar o mercado de tatuagens no Brasil, que de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), cresce 25% ao ano no Brasil. Para se ter uma ideia, já são mais de 150 mil estúdios em todo país. Os dados foram divulgados pelo Sebrae em novembro de 2019.

Os números deixam para trás um passado de preconceito com o tatuador, que hoje tem até dia em homenagem à profissão: 20 de julho. A nova geração da terceira idade trocou o “Tricô e o Truco pela Tatuagem”.

Isso mesmo, são homens e mulheres acima de 65 anos que decidiram abrir seus leques de possibilidades. E, é na tatuagem que descobrimos essa mudança de paradigmas, onde um dos temas que mais provoca controvérsias entre pais e filhos, deixou de ser coisa de gente jovem e passou a despertar o interesse e a levar um público mais maduro aos estúdios de tatuagem mundo afora.

Geração descolada

Essa geração de vovôs e vovós cada vez mais descolada demonstra que nada é mais libertador do que realizar um sonho reprimido ao longo do tempo. Os estúdios de tatuagem registram uma crescente procura de pessoas com mais de 60 anos, que entraram na chamada Melhor Idade.

O exemplo disso, é a história da americana, Dorothy Pollack, 103 anos, que realizou um sonho antigo de fazer sua primeira tatuagem e movimentou as redes sociais na segunda-feira passada. A centenária americana provou ao mundo que nunca é tarde para seguir os seus sonhos e realizar seus desejos.

Em entrevista ao canal CNN, a neta de Dorothy, Teresa Zavitz-Jones, contou que a avó estava deprimida pelo isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, que a impediu de receber visitas dos familiares. 

Para passar o tempo na casa de repouso onde mora, em Muskegon, no estado americano de Michigan, Dorothy, então, decidiu escrever uma lista de tudo o que ainda desejava fazer na vida e surpreendeu a todos pela escolha de sua primeira aventura, uma tatuagem de sapo, em homenagem a coisa que ela mais ama, antes da cerveja e do hambúrguer.

“Foi muito empolgante, porque anos atrás meu neto queria que eu fizesse uma [tatuagem] e eu não queria. De repente, decidi que gostaria. E, se fizesse seria, um sapo. Porque gosto de sapos”, afirma a americana à CNN.

Na sexta-feira passada, Dorothy arregaçou as mangas e pacientemente fez a tatuagem. Embora a maioria das pessoas estremeça ao sentir uma agulha na pele, ela mal moveu um músculo, afirma o tatuador Ray Reasoner Jr. responsável pela proeza.

“Ela aceitou como uma campeã. Eu nem mesmo a vi demonstrar dor”, disse Ray.

Em 16 de junho passado, Dorothy comemorou seu aniversário de 103 anos na casa de repouso, em Michigan, onde mora e passou meses isolada durante a pandemia do novo Coronavírus. Agora, ela partirá para mais uma missão: fazer um passeio de motocicleta pelas cidades americanas.

Em 2015, a Irlandesa, Sellers, 79 anos, na época, “escapou” sem aviso prévio do lar de idosos no norte de Irlanda para fazer sua primeira tatuagem.

Quando perguntaram para ela o que sua família pensaria, Sellers respondeu: “Eu não me importo. Quando você chegar à minha idade, você só tem que viver a vida ao máximo todos os dias.” 

A aposentada amazonense Maria Fernanda Castro, 80 anos, conta que sempre que viajava para praia fazia tatuagem de henna. “Eu adorava, me realizava fazendo aqueles desenhos. Na minha cabeça, eu não via problema algum em as pessoas terem tatuagem, mesmo com o preconceito, eu sempre achei legal. Minha neta fez a primeira com 18 anos. Achei linda, mas foi só aos 75 que resolvi entrar em um estúdio de tatuagem. A tatuagem foi presente de uma amiga do grupo de viagem”, lembra a aposentada que preferiu não ser fotografada.

O engenheiro Pedro Mauro Lopes Junior, 71 anos, fez sua primeira tatuagem aos 60 anos, e não se arrepende por ter esperado tanto tempo. “Eu tinha o desenho guardado há bastante tempo, mas quando era adolescente tinha preconceito e meus pais não permitiam. E, também você tivesse tatuagem era expulso do exército ou de casa [risos]. Então, eu guardei o desenho e ali ele ficou. Quando meus filhos cresceram, eles começaram a fazer tatuagem. Nunca achei ruim, muito pelo contrário até incentivei, mas foi em 2018 que resolvi tirar o desenho da gaveta e procurar um tatuador”, recorda.

O que dizem os profissionais

É nas mãos dos especialistas que a tatuagem ganha forma e devolve características originais do corpo, ajuda a reparar marcas indesejadas, levanta a autoestima ou apenas vira arte na pele dos amantes do segmento.

De acordo com o tatuador amazonense Jefferson Negrão, do estúdio JNS, a maioria do público que procura seu estúdio é formado por mulheres de todas as idades. Recentemente, ele tatuou uma idosa de 84 anos, a filha dela e a neta. E, percebeu um aumento significativamente no número de pessoas mais maduras que resolveram deixar o preconceito de lado e encarar as agulhas.

“Hoje em dia é comum recebermos pessoas com mais de 60 anos nos estúdios e até famílias inteiras decorando o corpo”, pontua o tatuador.

Segundo Jefferson, com o envelhecimento, a pele perde a elasticidade, os músculos enfraquecem e a pele perde o apoio. Além disso, há outros cuidados importantes com a pele idosa como as manchas senil [manchas melanoses solares], o que pode dificultar o processo de cicatrização. O tatuador costuma orientar a seus clientes da terceira idade partes da pele que não estejam muito finas ou que não apresentem muitas manchas para realizar o trabalho com mais qualidade.

“A pele de uma pessoa idosa é mais fina e sensível. Por isso, é preciso ter mais cuidado na hora de fazer a tatuagem. Outro ponto que deve ser levado em consideração é que a pele idosa tem aquelas manchas que aparecem com a idade. Em geral oriento ao cliente a melhor área para tatuar, juntamente para que o trabalho saia perfeito e o cliente fique satisfeito”, explica o tatuador.

O tatuador atua na profissão há 13 anos e é famoso na cidade por trabalhar com o estilo Fine Line [Linha Fina] de tatuagem e está com a agenda lotada até setembro. Segundo ele, todas às vezes que uma pessoa idosa agenda para fazer fazer uma tatuagem, ele procura saber se a pessoa tem alguma doença preexistente.

“Geralmente são os filhos que ligam para agendar uma tatuagem para suas mães ou avós e eu tenho a preocupação de perguntar como está o estado de saúde da pessoa, se ela tem alguma doença como diabetes, de pele, hipertensão ou algum problema psicológico. Justamente para não trazer problemas para ambas as partes”, conclui o tatuador.

Em decorrência da pandemia de Covid-19 Jefferson passou a atender apenas três clientes por dia e todos devem ser pré-agendados por e-mail, seguindo desta forma, os protocolos prevenção e segurança preconizados pelo Ministério da Saúde.

Já o tatuador amazonense Max Bonari, do Singular Tattoo Coffee Shop, é especialista em diversas características do segmento como desenhos bem realistas e em 3D. Atualmente, ele atende mais de três clientes da terceira idade, por mês, que buscam traços, cores e formas para expressar a arte no corpo espantar os esteriótipos do preconceito.

Cuidados necessários

De acordo com o dermatologista Ilner Souza, alguns cuidados com higiene evitam que a tatuagem se torne um facilitador para infecções de pele.

“Nós, dermatologistas não recomendamos a tatuagem, pois pode causar várias reações na pele como, por exemplo, granulomas, processos alérgicos com risco de infecção, muitas vezes imperceptíveis. Mas, se a pessoa tomar a decisão de fazer, que busque um local adequado, limpo e com um profissional capacitado. A tatuagem pode ocultar também lesões como câncer de pele, que é bastante presente na terceira idade”, recomenda o médico.

O dermatologista explica ainda que há casos em que a pessoa se arrepende de ter feito a tatuagem por outros motivos ou porque o procedimento não ficou bom. A remoção vai depender de cada caso e, além de caro, pode demorar de dois a dez meses. Geralmente podem ser realizadas a laser ou através de cirurgias.

Outro ponto importante observado pelo doutor Ilner e, muito comum na terceira idade, é a micropigmentação nas sobrancelhas, nos lábios e nos olhos. Segundo ele, as pessoas realizam esses procedimentos com profissionais não qualificados, o processo não dá certo e a pessoa fica deprimida e muitas vezes, se isola socialmente.

O dermatologista deixa um alerta para todos que desejam fazer uma tatuagem. Em primeiro lugar, devem buscar um profissional qualificado, verificar as condições de higiene do local e saber como são higienizadas as agulhas, para evitar riscos de infecção e doenças contagiosas como: tuberculose, diabetes, hepatite e HIV.

Diferenças entre a pele jovem e a madura

O envelhecimento traz mudanças psicológicas, emocionais e físicas, num processo absolutamente natural. Como a pele é o maior órgão do corpo, não poderia escapar dessas alterações. Com a idade chegando, cai a produção de colágeno e ela perde a elasticidade, tornando-se mais suscetível a lesões.

Na Melhor Idade, a estrutura da pele fica mais frágil em todas as camadas (epiderme, derme e hipoderme), deixando-a mais fina, propensa a rugas, linhas de expressão e manchas. Outro aspecto importante é a redução de produção das glândulas sebáceas, o que deixa a pele mais seca, exigindo um reforço na hidratação.

Além disso, com o envelhecimento, o corpo fica mais suscetível a doenças circulatórias, diabetes e hipertensão, que também podem afetar a saúde da pele. Devido a dificuldade de cicatrização, quem for diabético deve pedir autorização ao médico antes de fazer qualquer tatuagem ou piercing. Nessa faixa etária, alguns fatores, como tabagismo, abuso de álcool e predisposição genética, também podem deixar as pessoas mais propensas à formação de úlceras.

O que você deve saber

Após a tatuagem ser concluída, é necessário fazer um curativo no local com uma pomada que contenha algum cicatrizante. Uma das mais utilizadas é a que contém dexa pantenol, cuja função é reconstruir o tecido epitelial (pele).

A proteção da região tatuada de infecção e lesões também deve ser feita cobrindo com um filme plástico, e deve ser repetida, principalmente, se a tatuagem for confeccionada em uma região onde possa sofrer pressões por meio de roupas, calçados, etc.

Além do curativo, a limpeza do local é muito importante e só deve ser realizada com água, sabão neutro ou sabonete. Nunca devem ser utilizados produtos químicos como, por exemplo, água oxigenada, álcool, etc.

Deve ser evitado tomar sol sobre a área tatuada, correndo o risco de manchar a pele. Quanto mais recente a tatuagem for exposta ao sol, mais ela perderá sua nitidez. Deve-se também evitar o uso de sauna por um período de 7 a 15 dias após a realização da tatuagem, pois a mesma desidrata a pele e acelera o ressecamento originando a famosa “casquinha” na tatuagem, que começa a sair na segunda semana e que tem como função proteger a pele durante os primeiros dias do processo inflamatório pós-tatuagem.

O banho de mar e de piscina na primeira semana também deve ser evitado, pelos mesmos motivos, além do risco de contaminação. Com relação ao banho diário, não há problema algum, mas a tatuagem deve ser lavada suavemente (sem esponjas, buchas, etc) com sabonete neutro, e o banho não pode ser longo, nem com água muito quente.

Os exercícios físicos devem ser praticados com cautela e bom senso. As roupas de ginástica que podem lesar a tatuagem, principalmente nas 24 horas seguintes.

Envelhecer tatuado: e agora?

Até aqui tratamos das precauções que as pessoas devem ter quando decidem tatuar a pele depois dos 60 anos. Mas e aquela galera que faz a tattoo bem jovem e, claro, envelhece? Muita gente tem dúvida como proceder: ‘Como vai ser depois que eu ficar velho? Será que vou continuar gostando das mesmas coisas?’ Se você ainda não imaginou como será ver a tatuagem feita aos 18 anos quando chegar aos 80, a hora é essa!

Daí, a importância de pensar bem antes de marcar a pele. Será, sim, para a vida toda, e muitos sortudos vão envelhecer com a tatuagem. E ainda há casos em que o desenho combina muito bem com a melhor idade. As tattoos podem ficar bem adequadas à barba, aos cabelos brancos, aos óculos, e podem muito bem fazer de você um coroa mega estiloso.

O preconceito com idosos tatuados é bem menor atualmente, mas uma dúvida permanece: a tatuagem ficará igual? Depende. É possível retocar os desenhos, e mantê-los com a mesma cor e intensidade. Mas claro que a pele vai perdendo a elasticidade e ficando mais flácida, o que pode descaracterizar a tattoo. Nada que prejudique sua principal função: demonstrar um estilo de vida, os gostos ou as escolhas feitas ao longo da vida. E isso deve ser motivo de orgulho tanto na juventude quanto na velhice.

História

O registro mais antigo de uma tatuagem foi descoberto em 1991 no cadáver congelado de um homem da Idade do Cobre. Os restos mortais do homem, que foi apelidado pelos cientistas de “Ötzi”, datam de 3.300 anos antes de Cristo.

No entanto, apesar de não encontrarmos um mandamento bíblico específico sobre o tema, nas Escrituras, é comum algumas pessoas citarem Levítico 19: 28 que diz: “Pelos mortos não ferireis a vossa carne; nem fareis marca nenhuma sobre vós. Eu sou o Senhor”.

Serviço:

JNS Studio: Rua 12-A, conj. Castelo Branco, bairro Parque Dez de Novembro, Zona Centro-Sul, Manaus-AM.

Singular Tattoo Coffee Shop: Rua Acre, 125, Vieiralves, Manaus-AM.