Vale se opõe a projeto, apoiado pelo governo, que libera mineração em Terras Indígenas

Para a Vale, mineração em Terra Indígena só pode ser realizada mediante o consentimento livre, prévio e informado dos indígenas (REUTERS/Washington Alves/Direitos Reservados)

Com informações da coluna Míriam Leitão, do InfoGlobo

SÃO PAULO – A Vale é contra o Projeto de Lei (PL) 191, que libera a mineração em Terra Indígena. Em resposta à pergunta da coluna Míriam Leitão, do jornal O Globo, a empresa se manifestou pela primeira vez e disse que o projeto “não atende ao objetivo de regulamentar o dispositivo constitucional” e que mineração em Terra Indígena só pode ser realizada “mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos próprios indígenas e ancorado no marco regulatório que contemple a participação e a autonomia dos povos indígenas”.

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) já havia se posicionado contra o PL. Mas agora é a própria Vale, a maior mineradora do País, que se coloca contra o projeto que está tramitando em regime de urgência no Congresso.

Muitas empresas grandes brasileiras têm criticado o projeto, mas não publicamente. Ocorre que esta proposta e a maneira como ele está sendo encaminhada — de forma açodada e não democrática — será um tiro no pé do setor produtivo brasileiro caso seja aprovada.

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Quem acha isso, e me disse nessa segunda-feira, 21, numa entrevista na Globonews, foi o economista José Roberto Mendonça de Barros, que ocupou os cargos de secretário de Política Econômica e secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior no governo Fernando Henrique.

“O projeto de lei é uma loucura, não tem nada a ver. É aproveitar uma situação de fato — a falta de potássio — para realizar uma pauta ideológica absurda. Uma mina de potássio leva de cinco a dez anos para ficar pronta. As maiores reservas estão fora de Terras Indígenas, e as reservas da Amazônia são de difícil exploração. É um disparate econômico”, diz.

A Vale, em longo posicionamento, respondendo a uma pergunta feita por mim, disse que o reconhecimento de os indígenas serem ouvidos, serem informados e decidirem livremente, conhecido pela sigla CLPI, “é fundamental para atender aos diretos das populações indígenas de determinar o próprio desenvolvimento e o direito de exercer a autodeterminação diante de decisões que dizem respeito aos seus territórios”.

A Vale não tem mais qualquer direito minerário, nem desenvolve pesquisa ou lavra em Terra Indígena no Brasil porque no ano passado ela devolveu as que tinha e desistiu de qualquer exploração nessas áreas. Ela atua no Canadá. “A Vale desenvolve atividades em terras tradicionais em países onde há regulamentação vigente, como é o caso de Voisey’s Bay no Canadá, sempre com estrita observância dos princípios mencionados acima, com destaque para o Consentimento Livre, Prévio e Informado”.

O PL 191 está tramitando em regime de urgência, porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, atendeu a um pedido do presidente Bolsonaro, que alegou necessidade de potássio para a agricultura brasileira. Isso não é verdade, mas o assunto já entrou na campanha. Nessa segunda-feira, 21, na Qi 26 em Brasília, Lago Sul, um outdoor era visto com os dizeres: “O Brasil é agro. Agradecimento pela aprovação do PL 191. Com adubo do Brasil a comida fica mais barata. Produtores rurais da Amazônia.” Como se nas terras indígenas houvesse o adubo que está faltando hoje ao Brasil. Com o regime de urgência não tem debates nas comissões. Lira criou uma comissão não prevista no regimento e que não terá poderes. Será mais uma forma de enganar.

No Congresso se diz que está difícil para os partidos acharem quem queira fazer parte. A informação das fontes políticas é a de que Bolsonaro prometeu isso aos grandes garimpeiros — que são os que têm muito capital e investem em maquinário pesado — durante a última campanha eleitoral e agora está sendo cobrado por eles. Então decidiu passar o trator aproveitando a guerra como pretexto.

Mendonça de Barros disse que esse projeto elevará as barreiras contra o Brasil, e a guerra mostrou isso, o peso do risco reputacional.

“Um efeito da guerra que ninguém esperava foi que mais de 400 companhias do mundo inteiro decidiram sair da Rússia. Por que fizeram isso? Pelo péssimo comportamento da Rússia. Isso é efeito direto da pauta ESG. Isso virou uma realidade concreta, empresas vão conscientemente perder dinheiro, ativos e mercado. A mesma coisa acontecerá aqui”, disse ele, referindo-se ao aumento do desmatamento e às propostas como o PL 191.

Segundo o economista, haverá “chance zero” de a Europa aceitar produto de um país que apoia garimpeiro ilegal e desmatador. Ele explicou que a guerra levará os países a procurar fornecedores alternativos para tudo. Poderia ser uma chance para o Brasil, inclusive na área industrial. Mas sem a proteção da Amazônia o Brasil será barrado.

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