Veja como mulheres indígenas se organizam para produzir filmes

Formação audiovisual para mulheres indígenas (Reprodução/Redes Sociais)
Da Revista Cenarium*

SÃO PAULO (SP) – Com acesso a formações nas aldeias, mulheres indígenas têm realizado produções audiovisuais e ocupado um espaço até então predominantemente masculino. Para dar visibilidade a essas obras, a Rede Katahirine, palavra da etnia Manchineri que significa constelação, tem se mobilizado.

A plataforma, criada pelo instituto Catitu, mapeou até o momento 70 mulheres indígenas que trabalham com audiovisual em cinco biomas — amazônia, caatinga, cerrado, mata atlântica e pampa. Mari Côrrea, fundadora e diretora do Catitu, diz que a ideia é dar visibilidade às mulheres de forma organizada.

“É possível conhecer o trabalho audiovisual pelo site da rede. Cada uma tem uma página e suas produções. Desde o lançamento, temos recebido demandas, inclusive, para que elas sejam curadoras de exposições e mostras de cinema. É também uma oportunidade de remunerar essas mulheres.”

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Aos 33 anos, Olinda Tupinambá, do povo Tupinambá e Pataxó hã-hã-hãe, tem se destacado. Cineasta, jornalista e integrante do conselho da Katahirine, ela trabalha com audiovisual desde 2015 e ostenta a produção e a direção de dez obras, tanto de ficção quanto documental.

Obra ‘Equilíbrio’, de 2020, de Olinda Tupinambá (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Em abril, a cineasta representará o Brasil na Bienal de Veneza com o curta “Equilíbrio”, produzido e dirigido por ela em 2020. Tupinambá também foi curadora de festivais e mostra de cinema, entre eles, o Festival de Cinema Indígena Cine Kurumin, em 2020 e 2021. Ela ainda coordena o Projeto Kaapora e foi coautora do especial “Falas da Terra”, de 2021, produzido pela TV Globo.

A cineasta conta que é a primeira mulher a produzir audiovisual entre os 4.500 habitantes da aldeia Caramuru, no sul da Bahia, onde mora. Ela destaca que, na maior parte do tempo, faz produções independentes, sem recursos, e que para continuar produzindo, a melhor maneira são os editais públicos.

Muito da produção de Olinda Tupinambá é realizada na própria aldeia, mas seu objetivo é ir para outras e ampliar os horizontes. “Trabalho com o meu esposo. Normalmente, faço direção, roteiro e gravo, mas, quando estou atuando, ele grava. É uma equipe bem pequena”.

Corrêa, do Catitu, diz que sempre tentou trazer mulheres para a formação audiovisual nos dez anos em que trabalha com povos indígenas. “As mulheres foram ficando mais para dentro das aldeias, cuidando da parte doméstica da cultura. Mas começaram a participar mais da política, a ter mais voz e assumir postos a que não tinham acesso”.

Ela afirma que o Conselho da Rede atua em quatro áreas que são prioritárias para as mulheres — formação, produção, distribuição e políticas públicas. Tupinambá é uma das conselheiras. A cineasta diz que o intercâmbio feito para que produtoras sem muita experiência trabalhem com as mais experientes ajuda o movimento a se solidificar.

‘Manto Tupinambá’, obra de Glicéria Tupinambá (Lucena de Lucena/Reprodução)

“Precisamos dar visibilidade para que o governo entenda que existe um conjunto de mulheres indígenas no audiovisual”, afirma Tupinambá.

Um dos intuitos é levar a formação para todos os biomas do Brasil, a fim de ampliar a representatividade. “Quando pegamos a câmera para fazer nosso filme, mostramos quem somos de verdade, aspectos que ficavam escondidos, pois normalmente os brancos têm o fetiche de falar sobre a questão cultural e esquecem todas as outras esferas”, acrescenta a cineasta. “Temos um monte de coisas para discutir que poderiam virar assunto de filme.”

A luta pela terra também é retratada nas produções audiovisuais indígenas — nem sempre por escolha. Recentemente, a tia da cineasta foi assassinada e outros dois parentes foram baleados em razão da retomada de terras em Potiraguá, no sul da Bahia.

“Minha vida sempre foi meio que uma guerra. De fazer essa retomada, de ser tirada pela polícia, muitas vezes, por fazendeiros, pistoleiros. As questões em relação ao território onde minha família mora só foram resolvidas em 2012, após uma decisão do STF, mas onde minha tia morava a disputa continua”, diz ela.

Mesmo não sendo seu tema preferido, o assunto já apareceu em alguns de seus trabalhos. “Queria que o povo indígena se sentisse representado. Para mim, o audiovisual também se tornou um meio de acessar o maior número de pessoas da própria comunidade.”

Leia mais: Rede de mulheres indígenas que se dedicam a produções audiovisuais será lançada neste sábado
(*) Com informações da Folhapress
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