Congresso avalia vetos que expõem povos isolados ao extermínio, diz advogada indígena na COP28

Comunidade isolada de Roraima (Guilherme Gnipper/Hutukara)
Daleth Oliveira – Da Revista Cenarium Amazônia

BELÉM (PA) – Enquanto lideranças indígenas da Amazônia brasileira na COP28, em Dubai, alertam sobre a importância da demarcação de seus territórios para o equilíbrio do clima e a salvaguarda da biodiversidade e dos direitos dos povos isolados que vivem nessas áreas, no Brasil, o Congresso brasileiro se prepara para votar a análise dos vetos do presidente Lula sobre o PL 2903.

A sessão conjunta de deputados e senadores para análise de 39 vetos e 20 projetos, incluindo o Marco Temporal, está marcada para esta quinta-feira, 14.

Caso a tendência de derrubada dos vetos se confirme, populações que vivem em isolamento voluntário ou que foram contatadas recentemente podem ser prejudicadas. Só na Amazônia existem 117 registros de povos indígenas isolados e de recente contato. O Brasil tem a maior concentração de populações indígenas vivendo em isolamento no mundo.

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O alerta, feito pela assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Kari Guajajara, se baseia no fato de a derrubada dos vetos, que devem ser apreciados nesta semana, fragiliza os mecanismos de proteção aos territórios e expõe ao risco de desmatamento mais de 55 milhões de hectares de florestas em Terras Indígenas (TIs) na Amazônia, muitas delas ocupadas por povos indígenas isolados e de recente contato.

A advogada indígena Kari Guajajara nasceu na terra indígena Arariboia, no sul do Maranhão (Pepyaka Krikati/Reprodução)

Se sem o Marco Temporal já está sendo extremamente difícil avançar nos processos de demarcação dos territórios indígenas dos povos isolados, com o Marco Temporal isso se tornaria impossível. O Marco Temporal viola o direito à memória, ao território e à identidade, e significaria o extermínio de vários povos indígenas isolados da Amazônia brasileira”, disse Guajajara.

Marco Temporal

Além de abrir as TIs para empreendimentos altamente impactantes, o PL 2903 estabelece que somente os povos que comprovarem que ocupavam suas terras em 5 de outubro de 1988 ou que já as disputavam na Justiça têm direito à demarcação. Se legalizada pelo Congresso, a tese, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pode resultar na anulação de processos em andamento e já concluídos, expondo os territórios a invasões. O Projeto de Lei (PL) também facilita o contato de empresas e missões religiosas com os isolados, expondo-os a riscos.

Os 44 territórios com povos indígenas isolados na Amazônia ocupam juntos 653 quilômetros quadrados (km²), o equivalente a 62% da área de todas as terras indígenas no bioma. Entre eles, 12 estão sob risco “alto” ou “muito alto” e destaca quatro em situação crítica imposta: TI Ituna/Itatá, no Pará; TI Jacareúba/Katawixi, no Amazonas; TI Piripkura, em Mato Grosso; e TI Pirititi, em Roraima.

Amazônia tem 44 terras indígenas ocupadas por isolados (G.Miranda/Funai/Survival)

A estrutura do Estado funciona para negar a existência desses povos. Como vamos comprovar que, em 1988, os povos indígenas isolados estavam naquele território ou em disputas jurídicas se, até então, nós éramos tutelados pelo Estado brasileiro?”, questiona Kari Guajajara.

Ela também lembra que a decisão sobre o futuro desses territórios e povos está nas mãos de um Congresso composto, sobretudo, por parlamentares que defendem os interesses do agronegócio, da mineração e de madeireiros, principais beneficiados pela fragilização da proteção das TIs, entre eles: Plínio Valério (PSDB-AM), Zequinha Marinho (Podemos/PA) e Marcos Rogério (PL/RO).

É extremamente perigoso deixar que uma bancada composta pelo agronegócio e por representantes de madeireiros venha legislar sobre povos indígenas isolados, porque o objetivo é, justamente, negar a existência desses parentes para não demarcar seus territórios e, assim, justificar a usurpação” avaliou Kari.

Obstáculos

Os desafios para a proteção das terras indígenas não se restringem ao Legislativo: há obstáculos também no Executivo e no Judiciário, lembra a advogada, que é do povo Guajajara, do Maranhão, e integra a comitiva da Coiab na COP28.

Ainda temos uma grande concentração de registros [de povos isolados] em áreas não demarcadas. O Estado brasileiro tem um passivo imenso em relação à demarcação e proteção dessas terras. Mesmo com o novo governo um pouco mais progressista e acessível às pautas sociais, não conseguimos avançar com a proteção da categoria”, lamentou.

As organizações indígenas têm atuado também na esfera jurídica, tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), com ações judiciais, como de mecanismos internacionais como o Conselho Interamericano de Direitos Humanos (CIDH), mas vêm esbarrando no “despreparo” do Judiciário para lidar com o tema.

O judiciário brasileiro, por exemplo, não está preparado. Uma vez, uma juíza nos perguntou em uma audiência como ela faria para levar uma citação para um povo indígena isolado, e isso revela que nosso sistema de Justiça está totalmente à parte dessa realidade”, disse Guajajara.

Leia mais: Povos indígenas cobram mais poder de decisão na COP28
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Adriana Gonzaga
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