Dançarina acusada de apropriação indígena diz que foi vítima de discurso de ódio em busca por ‘laços ancestrais’

A dançarina de boi-bumbá Luana Alfaia em ensaio fotográfico com pinturas indígenas (Reprodução/Redes Sociais)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A estudante de psicologia e dançarina de boi-bumbá Luana Alfaia, 20, foi acusada pela Organização das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Watyamã), do Amazonas, de apropriação indígena, ao não ser reconhecida como pertencente à etnia. À CENARIUM, a jovem, autodeclarada indígena Sateré-Mawé, afirmou nesta segunda-feira, 8, que considera ter sido vítima de discurso de ódio.

Alfaia ressalta que está tomando providências jurídicas quanto à exposição do caso feita no Facebook denominado “Sateré-Mawé”, o qual divulgou carta de esclarecimento da Watyamã, e que considera a abordagem “desnecessária e descabida”. A dançarina disse ainda que vai buscar, junto à Justiça, a reparação dos danos que, para ela, foram causados.

“Sou autodeclarada Sateré-Mawé, com raiz de minha avó paterna. Não uso minha questão indígena para além da minha individualidade. Não retiro direitos de ninguém, não me beneficio de nenhum programa social ou econômico voltados às populações indígenas. Tudo que fiz foi preservar e buscar fortalecer meus laços ancestrais. Nada mais. (…) Vi um certo discurso de ódio [na publicação]”, declarou.

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Captura de tela do Instagram de Luana Alfaia, autodeclarada indígena da etnia Sateré-Mawé (Reprodução/Redes Sociais)

Não reconhecimento

Em carta de esclarecimento, a organização Watyamã desconhece Luana Alfaia como pertencente à etnia Sateré-Mawé. O posicionamento da Watyamã foi divulgado em uma página “Sateré-Mawé”, no Facebook, que possui mais de 5 mil seguidores, na noite de domingo, 7.

Nas redes sociais, a jovem, que é natural de Parintins (a 369 quilômetros de Manaus), já chegou a afirmar, publicamente, que herdou as raízes da avó paterna. Porém, a Watyamã alega ter consultado a genealogia da dançarina junto a moradores da comunidade Ponta Alegre, área indígena de Barreirinha, próximo a Parintins, e anciãos da aldeia não reconheceram a origem.

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“Ao conversar com o tuxaua Helliton Barbosa da Silva, e mais outros moradores bem antigos, de 68 anos, nunca ouviram falar de Luana Alfaia Rodrigues, nem de seu pai, Januário Rodrigues, e nem de sua avó, onde a mesma cita por nome de Filomena“, diz um trecho da carta, assinada pela comissão da associação.

A Watyamã continua: “(…) nossa organização está lutando contra essas pessoas que estão se passando para tirar o espaço de nós, como povos indígenas Sateré-Mawé originários, nas universidades, benefícios sociais, cargos e secretarias, pois nenhuma organização está autorizada para dar a autodeclaração, pois é falta de respeito, e seguimos a hierarquia”.

Leia a íntegra do documento:

Carta de Esclarecimento da Organização das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Reprodução/Redes Sociais)
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Em carta de próprio punho, com data do último dia 1° de maio, o tuxaua da aldeia Ponta Alegre atesta a informação divulgada pela organização de mulheres Sateré-Mawé e pede que “órgãos competentes tomem providências com relação ao assunto”. Os documentos foram encaminhados à Coordenação Técnica Local (CLT) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas e ao Ministério Público Federal (MPF).

Carta de próprio punho escrita pelo tuxaua da aldeia Ponta Alegre, Helliton Barbosa (Reprodução/Redes Sociais)

Heteroidentificação

No último dia 4 de abril, a Funai revogou a Resolução N° 4/2021 que estabelecia critérios de heteroidentificação para avaliar a autodeclaração de identidade dos povos indígenas. A medida teve como base as críticas recebidas por diversas organizações da sociedade civil e entidades científicas, por ter caráter inconstitucional diante dos direitos à identidade dos povos originários.

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De acordo com a presidente do órgão indigenista, Joênia Wapichana, a resolução restringia a identidade indígena com base em critérios vinculados ao território, o que contraria a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

A presidente da Funai, Joênia Wapichana, durante posse no cargo, em 3 de fevereiro de 2023 (Joedson Alves/Agência Brasil)

“A nossa Constituição supera esse caráter de tutela existente da Funai para os povos indígenas. Quem define quem é ou não indígena é o próprio grupo, a própria comunidade indígena”, afirmou Wapichana quando da revogação.

De acordo com a Funai, os nomes que passaram pela gestão da instituição ultrapassaram os limites legais ao criar regras jurídicas para determinar quem é considerado indígena, sem antes ouvir as próprias comunidades.

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