Eco-92: conferência pioneira sobre mudanças climáticas completa 30 anos com cenário de pouco avanço e perspectiva de ‘colapso’

Imagem aérea de queimadas na cidade de Altamira, Estado do Pará. (Victor Moriyama / Greenpeace)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS — Há 30 anos, entre os dias 3 e 14 de junho, aconteceu, no Rio de Janeiro, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92). O evento reuniu mais de 150 países e é considerado um marco na história da luta contra as mudanças climáticas, sendo o primeiro a contar com a presença massiva de governos, sociedade civil e iniciativa privada em prol de um único interesse: definir medidas para enfrentar os problemas crescentes da emissão de gases causadores do efeito estufa. Mas apesar de tanto tempo ter passado, especialistas em meio ambiente analisaram, à CENARIUM, que houve pouco avanço e que o colapso da vida humana na terra está no horizonte não muito distante, e a Amazônia está no centro desse acontecimento.

A socioambientalista Muriel Saragoussi integrou a organização do evento. À época copresidente da Comissão Internacional de ONGs e Movimentos Sociais para Eco-92, participou da mobilização da sociedade civil para a conferência que ocorreu no Rio-Centro. “Foi efetivamente o primeiro evento onde se discutiu não só o meio ambiente, mas também o desenvolvimento. Não só conceitos, mas ideias práticas de como caminhar para sustentabilidade”, explicou ela à reportagem.

Entre os resultados mais importantes da Eco-92 estavam as assinaturas de acordos relacionados à exploração dos recursos naturais do mundo e ao desenvolvimento sustentável, como a Agenda 21, a Convenção da Biodiversidade, a Convenção da Desertificação, a Convenção das Mudanças Climáticas, Declaração de princípios sobre florestas, A Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento e a Carta da Terra.

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“Isso avançou? Avançou. A gente estaria bem pior se não tivesse tido isso [os acordos]. Agora, mesmo assim, avançamos pouco com relação àquilo que precisava ser feito, tanto que as mudanças climáticas estão aí. A gente já vê elas no nosso cotidiano, e se tivéssemos aplicado melhor aquilo que tanto os governos quanto a sociedade se comprometeram, e as empresas entre eles, não estaríamos na situação de estar contando centenas de mortos em eventos que são consequências das ações humanas”, falou Saragoussi.

Leia também: Número de mortos em tragédia ocasionada pelas chuvas em Pernambuco sobe para 106

Muriel Saragoussi integrou a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92). (Reprodução)

Preocupação

O diretor da Associação para Conservação da Vida Silvestre (WCS Brasil), Carlos Durigan, explica que no cenário do debate ambiental, na época, pesquisadores já alertavam sobre o “processo preocupante de mudanças climáticas”. A discussão se intensificou a partir do relatório “Nosso Futuro Comum”, ou “Relatório Brundtland”, que apresentava um estudo sobre os problemas ambientais mundiais após dez anos da Conferência de Estocolmo, e do relatório “Limites do Crescimento”, do Clube de Roma, um dos primeiros estudos científicos sobre preservação ambiental.

“Desde os anos 1960 e 1970, cientistas já alertavam sobre o processo preocupante de mudanças climáticas, mas era um debate que girava em círculos restritos e ainda havia carência tecnológica para comprovação de processos que, à época, eram aventados como causas deste processo. A partir dos anos 1990, tivemos um aumento importante de investimentos em ciência e em ações de conservação e no caso do conhecimento houve um avanço enorme que possibilitou não só medir e monitorar processos em curso, como de prever com maior exatidão o que pode vir a acontecer no futuro”, complementou.

Diretor da Associação para Conservação da Vida Silvestre (WCS Brasil), Carlos Durigan. (Ricardo Oliveira)

Reflexos na Amazônia

Saragoussi lembrou que o avanço nos últimos 30 anos não foi o suficiente para “frear” ou reverter as mudanças climáticas e eventos catastróficos como as chuvas em Pernambuco e Petrópolis, e até mesmo na Alemanha, assim como as cheias e secas históricas na Amazônia, são resultados do colapso que se aproxima cada vez mais e levará a vida humana na terra à extinção.

“O colapso está vindo. Devagar, mas está vindo. Se a gente não mudar nossos modos de produção e consumo, nós vamos ter catástrofes climáticas primeiro, e depois catástrofes da biodiversidade, que é a base da nossa alimentação, da nossa vida, que são gravíssimas. Eu sei que parece muito catastrófico, mas a gente está caminhando para extinção da vida como a gente conhece ela, a começar pela espécie humana. Não é algo que vá acontecer daqui a 20 anos, 30 anos, mas estamos contribuindo para que aconteça muito mais rápido”, explicou a pesquisadora.

A Amazônia, mais especificamente a perda de grande parte da vegetação, é um dos pontos que contribuem para o ponto de não retorno. No artigo Pronounced loss of Amazon rainforest resilience since the early 2000s (“Perda pronunciada da resiliência da Floresta Amazônica desde o início dos anos 2000”, na tradução livre em português), os autores indicaram que o desmatamento associado a efeitos das mudanças climáticas podem já ter feito a Floresta Amazônica atingir um Estado de desequilíbrio irreversível, capaz de transformá-la em savana em apenas algumas décadas.

“A ciência nos mostra que chegamos a um ponto de não retorno. Isso significa que este processo de aquecimento global segue em marcha e isso se dá pela grande concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, em especial o carbono proveniente da queima de combustíveis fósseis. Então, agora, o alerta é para que sejamos mais eficientes na redução destas emissões. Além disso, temos que estancar a destruição de nossas florestas, uma vez que elas nos ajudam capturando o carbono da atmosfera e são importantes aliadas na luta pela redução da concentração destes gases dispersos”, concluiu Durigan.

Foto oficial dos chefes de delegações na Eco-92. (Michos Tzovaras/ UN)
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